Saturday, July 22, 2017

Nem sempre convém mudar o técnico



Pedro J. Bondaczuk



A economia brasileira, no primeiro trimestre de 1987, acumulou revés sobre revés, projetando um quadro assustador para o restante do ano. A inflação está numa espiral ascendente, atingindo novo patamar, onde instalou-se comodamente, sem nenhuma perspectiva de que, a médio prazo, possa vir a descer.

O saldo da balança comercial, com os inexpressivos US$ 136 milhões de março, continua emagrecendo, ora por um motivo, ora por outro, fechando o período de 90 dias com um total em torno de US$ 500 milhões, o que representa, somente, um quinto da marca de US$ 2,5 bilhões de 1986.

A despeito de todos os esforços do governo, já se manifestam inquietadores sintomas de recessão, com suas perigosas seqüelas sociais: desemprego e achatamento salarial. As coisas, como qualquer um pode perceber, andam de mal a pior.

Em circunstância como esta, a sociedade costuma agir como um time de futebol. Quando um determinado clube acumula, ao longo de uma competição, uma sucessão de derrotas, qual é a tendência predominante da torcida? É, salvo raríssimas exceções, a de exigir a imediata substituição do treinador.

Para o apaixonado torcedor, é indiferente se o plantel é ruim, se algumas estrelas bem-remuneradas estão fazendo corpo mole, se as arbitragens são danosas. O que ele quer é resultados. E quanto mais imediatos, melhor. Esse imediatismo, quer no esporte, quer em outras atividades, impede um planejamento de longo prazo, sem o qual nada de duradouro e eficiente se verifica.

Por essa razão, a sociedade está agindo, neste momento (pelo menos uma parcela ponderável dela) como age qualquer torcedor do Corinthians, do Palmeiras, da Ponte Preta ou do Guarani. Se a inflação, conforme projeções da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, está caminhando para 300% ao ano; se o saldo da balança comercial dificilmente conseguirá atingir a meta mínima de US$ 8 bilhões em 1987; se as taxas de juros, com tabelamento de “spreads” e tudo, permanecem em níveis estratosféricos e se tantos outros acontecimentos de caráter econômico, danosos para grupos particulares ou para a população em geral se verificam, o culpado, invariavelmente, é o técnico.

Num time de futebol, quando os reveses se acumulam, em geral a sua diretoria costuma atender à torcida e demitir o treinador. Na economia, a sociedade deseja que se faça o mesmo com o ministro da Fazenda, Dílson Funaro. Mas será que a solução passaria, realmente, por aí?

Seria essa a medida mais adequada para o momento, quando o País tenta, desesperadamente, renegociar a sua dívida externa em posição mais vantajosa, para recuperar o crédito perdido lá fora? Os grupos de pressão que estão propugnando por esta troca estariam agindo de acordo com os interesses nacionais ou estariam fazendo o jogo dos banqueiros, por motivos que não cabem aqui analisar?

Nosso problema, por uma eventualidade, não estaria, também, no plantel? Tomemos, por exemplo, a desastrosa performance da balança comercial brasileira. Desde o início do ano (e nós previmos isto numa página especial, publicada pelo Correio Popular em janeiro, intitulada “Perspectivas 1987”), greves e mais greves vêm se sucedendo, muitas delas de caráter meramente político.

Todos sabem que até nas engrenagens mais grosseiras, um simples grão de areia tende a desregular seu mecanismo impedindo que ele funcione adequadamente. E é isto o que vem ocorrendo conosco. Março, por exemplo, além de marcar o período de loucura nacional chamado de Carnaval, onde se gasta o que se tem e o que não se tem em troca de coisíssima nenhuma, tivemos duas paralisações capitais: a dos portuários e a dos bancários.

Quanto à inflação, não há dúvida de que grande parte dela cabe, de fato, ao governo, que jamais mostrou grande parcimônia (ou responsabilidade) em seus gastos. Esse é o grande problema de uma economia estatizada, quando é sabido que o Estado costuma ser péssimo patrão e um administrador desastrado.

Descontente ou insatisfeita com a brutal carga tributária imposta à sociedade, inclusive aos assalariados, via Imposto de Renda, a ineficiente e cara máquina do governo, superdimensionada pelos desgraçados “trens da alegria” dos períodos pré-eleitorais, vai à praça à cata de mais combustível financeiro. Com isso, superdimensiona os juros que paga em seus papéis para atrair investidores.

Agindo assim, inflaciona o custo das empresas, num capitalismo que, como o comentarista econômico Joelmir Betting costuma definir tão bem, é “capinanceiro” (por ser carente, exatamente, de capitais), repassando, é evidente, essas despesas crescentes para a sociedade.

Nossa inflação atual está muito distante de ser de demanda. Estão aí as cifras do comércio dando conta de quedas dramáticas de vendas para provar isso. O que está faltando na praça é dinheiro, que quando aparece, em geral, é extremamente caro. Mas isso não justifica a saída do técnico. É necessário que haja entrosamento entre as partes. Ambas defendem a mesma coisa, embora por métodos diversos: a riqueza e a estabilidade social. Por que, pois, não unir esforços, ao invés de os dispersar? Afinal, os magos estão em falta nestes tempos de vacas magras. Ademais, de milagres já estamos fartos até à raiz dos cabelos.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 26 de abril de 1987).



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