Saturday, July 22, 2017

Medo de achar

Pedro J. Bondaczuk

A vida, evento aparentemente raro na vastidão do universo, é farta, abundante e profícua neste nosso planetazinha azul, tão judiado e maltratado pelos insensíveis e insensatos. Há bilhões de espécies de animais, insetos e vegetais (algumas impossíveis de serem vistas a olho nu) já catalogadas.

Constantemente, os biólogos descobrem novas, até então desconhecidas (e não raro exóticas) formas de vida. Contudo, todas, sem exceção, estão adstritas às mesmíssimas regras, e a idêntico ciclo, impostos pela natureza: nascimento, desenvolvimento, acasalamento, reprodução e morte.

Não precisamos, pois, procurar muito para encontrar vida ao nosso redor. Mesmo quando achamos que estamos sós, há sempre algum ser vivo, animal ou vegetal, vírus ou bactéria, nos fazendo companhia, quando não nos ameaçando ou nos explorando, sem que nos venhamos a dar conta. O cronista Paulo Mendes Campos escreveu, numa de suas tantas crônicas (não me lembro qual), algo que me intriga e espicaça “Passamos a vida procurando, por medo de achar”.

Pensando bem, é isso, de fato, o que acontece. Estamos sempre, o tempo todo, a vida inteira, à procura de alguma coisa: conceito, explicação, certeza quanto à nossa origem e, principalmente, destino. Todavia, vivemos aterrorizados com o que poderemos (ou não poderemos?) vir a descobrir. Por exemplo, qual será a nossa reação se um dia chegarmos à conclusão absoluta e comprovável de que a nossa vida começa e termina aqui e que não há absolutamente nada além dela?

Será um impacto, um choque, um trauma de conseqüências imprevisíveis para toda a humanidade. Todos os freios morais e crenças religiosas irão, num piscar de olhos, para o espaço. E tudo, absolutamente tudo será lícito e permitido. A probabilidade maior é que o mundo vire de ponta cabeça e vire um caos.

Mesmo os céticos dos céticos (ou que se dizem tal, pois não acredito na sinceridade desse ceticismo), certamente irão pirar se comprovarem, sem possibilidades de engano, isso como verdade. São eles, frise-se, que se empenham tanto em tentar demonstrar essa tese. Contudo, lá no fundo da sua consciência, até por instinto, torcem, desesperadamente, para estarem errados. Procuram, procuram e procuram, mas com inequívoco medo, na verdade pavor, de achar.

Havendo ou não outro tipo de vida, alhures, somos todos, na verdade, meros turistas no mundo. Não somos daqui e não viemos para cá para ficar para sempre. Dizem, com certa dose de razão, que somos pó das estrelas. De qual, ou de quais delas? Não sabemos.

Aliás, a palavra “sempre” soa absurda, quando aplicada a nós, seres mortais. Pelo menos em nossa condição física, biológica, material (na impossibilidade de sabermos se a parte espiritual, a tal da alma, sobrevive ou não ao nosso colapso orgânico), nossa passagem pela Terra é rapidíssima, transitória, como se fôssemos (e figurativamente somos) turistas de fato. Alguns, instalam-se por aqui por algumas horas somente, se tanto. Outros, vão ficando, ficando e ficam por cem anos ou mais. Mas um dia, como todos, vão embora. Para onde? Não sei! Você sabe? Talvez acredite que sim.

Supõe que vá para determinado lugar e passa a crer ferrenhamente nessa suposição, baseado na fé, que prescinde da lógica. Mas saber, saber de fato, você sabe? Claro que não! Este recanto turístico do Sistema Solar, de uns tempos para cá, está superlotado, de pernas para o ar, depredado, poluído, a cada dia mais quente, a cada dia com ar mais irrespirável e a cada dia mais violento e injusto.

Alguns (poucos) preocupam-se em repará-lo para os futuros turistas (nossos descendentes). Outros, gozam de suas delícias sem atentar para o amanhã e querem se apropriar do que não lhes pertence, achando que podem agir, impunemente, como donos do pedaço. A Terra, porém, não é propriedade de ninguém. Um dia, essas pessoas partem, também, como todas e não deixam, sequer, registrado o nome no livro de registros. Afinal, não somos daqui.

Em momentos de profunda meditação, não é raro nos espantarmos com o fato de um ser tão imperfeito e contraditório, quanto o homem é, sujeito ao envelhecimento e à decomposição, portar em seu interior algo potencialmente tão grandioso e sublime, como a alma (que, talvez, seja eterna, não se sabe). Chegamos a julgar que se trate do máximo da imperfeição.

Mas quem disse que o homem deva ser perfeito? Compete-lhe ser o menos imperfeito possível, mas daí à perfeição, vai um passo do tamanho dos limites do universo. Ademais, essa característica nos é interdita, por ser prerrogativa Daquele que nos criou, Onipotente, Onisciente, Onipresente e Eterno.

Creio, sem o menor laivo de dúvida, (afinal, a fé prescinde de comprovações) nessa inteligência superior que nos moldou à sua feição, embora sem nos conceder seu poder e sua eternidade (e se concedeu a possibilidade de nunca nos extinguirmos, o fez em relação à alma, jamais ao corpo). Nesse aspecto, não procuro nada e, portanto, não temo achar as verdades universais. Quais elas seriam? Evidentemente, não sei!

Às vezes me parece que nosso corpo, por mais belo que se mostre, seja o avesso da alma. Pensando bem, de fato é! Mauro Sampaio explica porque neste poema intitulado “Em uma mesma”:


Em uma mesma espécie de flor
não há o mesmo perfume, as mesmas tonalidades,
o mesmo franzido, o mesmo tamanho,
haveria a monotonia com a perfeição.

Por isso é que vestimos a alma do avesso!”.


Benditos poetas que nada procuram e não temem achar o que quer que seja!




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