Comunismo deixa vazio de
liderança
Pedro J. Bondaczuk
O socialismo, que o presidente
soviético, Mikhail Gorbachev, tanto se empenha em salvar com seu
projeto reformista, teria ainda salvação? Para muitos líderes
políticos e analistas sociais, dentro e fora da URSS, não. Isto
para não mencionar o populista russo, Bóris Yeltsin, que age no
sentido de simplesmente derrubar o atual regime e apagar seus
vestígios, embora em momento algum tenha apresentado à sociedade
como alternativa um programa claro, definido e coerente para tirar o
país da crise.
Poucos acreditam que o sistema
ainda tenha salvação. Um dos erros apontados na estratégia de
Gorbachev é o de buscar fazer suas mudanças tendo por instrumento o
Partido Comunista, embora teoricamente haja liberado o
multipartidarismo, com a aprovação, por parte do Congresso dos
Deputados do Povo, da emenda ao artigo 6º da Constituição
soviética que conferia o monopólio do poder à agremiação única.
O presidente sabe, melhor do
que ninguém, que seus maiores adversários são os que o cercam no
Cremlin. Alguns integram a sua própria equipe governamental. Está
caminhando num terreno minado. Tem consciência de que o PC, antes de
respaldar uma reforma no país, deve passar por uma profunda
transformação interna, por total reciclagem para se livrar dos
vícios, corrupções e desvios de rota que adquiriu nos longos anos
de "diktat". Nas mais de sete décadas em que a palavra de
seus cardeais foi a lei imperante no Estado, à revelia da
Constituição e de todo e qualquer código legal.
O cientista político
Jean-François Revel afirmou numa entrevista: "O comunismo é
uma máquina de destruir a sociedade. Quando as ditaduras clássicas
desaparecem, depois de Franco, depois de Marcos, depois de Zia,
depois de Pinochet, encontramos ainda grupos sociais e políticos
organizados, capazes de assegurar sua substituição. Ao contrário,
salvo raríssimas exceções (a Igreja Católica e o Solidariedade na
Polônia, por exemplo), a quase totalidade dos regimes comunistas
elimina as forças alternativas, o que produz um vazio, uma carência
de soluções de substituição. Em caso de grave crise, as únicas
saídas que permanecem abertas parecem ser a repressão ou a anarquia
--- e mesmo a anarquia após a repressão. Ninguém tem mais os meios
de assegurar a continuidade do Estado; o próprio partido é incapaz
de o fazer".
A experiência recente, tanto
no Leste europeu, quanto na própria União Soviética, demonstra que
a análise de Revel é absolutamente correta. Como Gorbachev vai
extrair algo passivo de reforma e de onde, é uma incógnita.
Principalmente quando se leva em conta que o país, por falta de
lideranças --- além de Bóris Yeltsin, Gavril Popov e um ou outro
político liberal, praticamente não há nenhum outro que realmente
mereça a definição de líder --- e de opções que não sejam o
puro desmonte do regime, entrou num franco processo de decadência.
O economista norte-americano
John Kenneth Galbraith, numa lúcida entrevista concedida
recentemente, observou a esse propósito: "Um dos fatos tristes
e inexoráveis de nossos tempos é que a pobreza produz conflitos e o
conflito, por sua vez, aprofunda a pobreza". É este círculo
vicioso que Gorbachev terá de romper em algum ponto, sem desagregar
a União Soviética, o que seria desastroso para o equilíbrio
mundial.
(Artigo publicado na página
16, Internacional, do Correio Popular, em 29 de março de 1991).
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