Sunday, July 02, 2017

Comunismo deixa vazio de liderança


Pedro J. Bondaczuk


O socialismo, que o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, tanto se empenha em salvar com seu projeto reformista, teria ainda salvação? Para muitos líderes políticos e analistas sociais, dentro e fora da URSS, não. Isto para não mencionar o populista russo, Bóris Yeltsin, que age no sentido de simplesmente derrubar o atual regime e apagar seus vestígios, embora em momento algum tenha apresentado à sociedade como alternativa um programa claro, definido e coerente para tirar o país da crise.

Poucos acreditam que o sistema ainda tenha salvação. Um dos erros apontados na estratégia de Gorbachev é o de buscar fazer suas mudanças tendo por instrumento o Partido Comunista, embora teoricamente haja liberado o multipartidarismo, com a aprovação, por parte do Congresso dos Deputados do Povo, da emenda ao artigo 6º da Constituição soviética que conferia o monopólio do poder à agremiação única.

O presidente sabe, melhor do que ninguém, que seus maiores adversários são os que o cercam no Cremlin. Alguns integram a sua própria equipe governamental. Está caminhando num terreno minado. Tem consciência de que o PC, antes de respaldar uma reforma no país, deve passar por uma profunda transformação interna, por total reciclagem para se livrar dos vícios, corrupções e desvios de rota que adquiriu nos longos anos de "diktat". Nas mais de sete décadas em que a palavra de seus cardeais foi a lei imperante no Estado, à revelia da Constituição e de todo e qualquer código legal.

O cientista político Jean-François Revel afirmou numa entrevista: "O comunismo é uma máquina de destruir a sociedade. Quando as ditaduras clássicas desaparecem, depois de Franco, depois de Marcos, depois de Zia, depois de Pinochet, encontramos ainda grupos sociais e políticos organizados, capazes de assegurar sua substituição. Ao contrário, salvo raríssimas exceções (a Igreja Católica e o Solidariedade na Polônia, por exemplo), a quase totalidade dos regimes comunistas elimina as forças alternativas, o que produz um vazio, uma carência de soluções de substituição. Em caso de grave crise, as únicas saídas que permanecem abertas parecem ser a repressão ou a anarquia --- e mesmo a anarquia após a repressão. Ninguém tem mais os meios de assegurar a continuidade do Estado; o próprio partido é incapaz de o fazer".

A experiência recente, tanto no Leste europeu, quanto na própria União Soviética, demonstra que a análise de Revel é absolutamente correta. Como Gorbachev vai extrair algo passivo de reforma e de onde, é uma incógnita. Principalmente quando se leva em conta que o país, por falta de lideranças --- além de Bóris Yeltsin, Gavril Popov e um ou outro político liberal, praticamente não há nenhum outro que realmente mereça a definição de líder --- e de opções que não sejam o puro desmonte do regime, entrou num franco processo de decadência.

O economista norte-americano John Kenneth Galbraith, numa lúcida entrevista concedida recentemente, observou a esse propósito: "Um dos fatos tristes e inexoráveis de nossos tempos é que a pobreza produz conflitos e o conflito, por sua vez, aprofunda a pobreza". É este círculo vicioso que Gorbachev terá de romper em algum ponto, sem desagregar a União Soviética, o que seria desastroso para o equilíbrio mundial.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 29 de março de 1991).



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