Espelhos do tempo
Pedro J. Bondaczuk
O tempo sempre foi, é e
continuará sendo, enquanto eu viver, o foco central das minhas
reflexões e o tema predileto do que escrevo. Não quanto à sua
passagem, óbvio, pois sobre esta não tenho como interferir, mas
quanto à sua natureza e como agir para aproveitá-lo da melhor
maneira.
Já escrevi centenas de textos
a respeito (e pretendo escrever muitos, ainda), mas sempre encontro
ângulos novos a abordar. Como este, sugerido por Antônio Vieira, no
magnífico “Sermão da Quarta-Feira de Cinzas”, proferido há
mais de trezentos anos e que é mais atual do que nunca.
O eminente sacerdote e um dos
maiores estilistas de língua portuguesa, afirmou: “Ponde estes
dois espelhos um defronte do outro, e assim como os raios do ocaso
ferem o oriente e os do oriente o ocaso, assim, por reverberação
natural e recíproca, achareis que no espelho do passado se vê o que
há de ser, e no do futuro o que foi. Se quereis ver o futuro, lede
as histórias e olhai para o passado; se quereis ver o passado, lede
as profecias e olhai para o futuro. E quem quiser ver o presente,
para onde há de olhar?” Bela pergunta!
Somos, na verdade, uma espécie
de arqueólogos, sempre a escavarmos, continuamente, as ruínas do
nosso próprio passado, sepultado sob toneladas de poeira do tempo.
Alguns buscam lembranças benignas e deliciosas, que os consolem das
agruras do presente. Outros, insensatos e tolos, revivem fracassos e
frustrações, que teimam em remoer anos a fio, quando a atitude
prudente seria deixá-los intocados, enterrados para sempre. Outros,
ainda, fantasiam e se convencem que foram reais episódios que só
existem e existiram em suas férteis (ou delirantes?) imaginações.
O passado (como principalmente
o presente e, ademais, o próprio tempo) é ambíguo. Mesmo não
podendo ser revivido da forma exata que aconteceu, teima em retornar
ao presente, de uma forma ou de outra. Quando traz de volta
lembranças positivas, não deixa de ser bem-vindo. Quando, ao
contrário, nos faz reviver angústias, dores e frustrações, é um
veneno que tem que ser evitado, pois não tem antídotos.
E qual é o segmento do tempo
que mais nos afeta? Em qual deles tomamos consciência maior,
onipresente e aguda, da sua existência e passagem? O presente? Não
pode ser. É tão rápido, que pode ser considerado, apenas, mero
conceito, simples abstração. O futuro? É desconhecido, pois é
impossível conhecer o que ainda não aconteceu. Tudo o que pensarmos
sobre ele, portanto, poderá não passar de mera fantasia.
O segmento do tempo que mais
nos afeta, e que está permanentemente em nossa memória, é o
passado. É certo que, aquilo que passou não pode mais ser
modificado. Mas é com os erros que cometemos, e com os acertos que
tivemos nele que construímos o roteiro das nossas vidas.
Às vezes, produzimos
comédias. Outras tantas (creio que na maioria) tragédias. Os
roteiros que determinam nossa história variam. E a variação é
tamanha que, quando menos esperamos, conseguimos, até mesmo, compor
um “happy end”. O poeta suíço Henri Frédéric Amiel constatou,
com perspicácia, certa feita: “O tempo nada mais é do que a
distância entre as nossas lembranças”. Vocês conhecem definição
melhor?!
O presente, reitero, é
sumamente ambíguo. Sua duração é tão ínfima, que chega a se
constituir em mera metáfora, em simples símbolo, em verdadeira
abstração. Para se ter ideia
da sua fugacidade, basta dizer que é mais veloz, até, do que a luz,
cuja velocidade é de 300 mil quilômetros por segundo.
Mal pronunciamos a primeira
sílaba da palavra que o caracteriza, “pre”, e ele já é, há
alguns centésimos de segundo, passado. Trata-se, por isso, de fração
do tempo absolutamente indimensionável. Ninguém nunca a mediu e
jamais conseguirá medir.
Antônio Vieira, no já citado
“Sermão da Quarta-Feira de Cinzas”, deixa clara sua ambigüidade,
embora quase nunca venhamos a nos dar conta dela: “Olhai para o
passado e para o futuro e vereis o presente. A razão ou conseqüência
é manifesta. Se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o
passado, segue-se que no passado e no futuro se vê o presente,
porque o presente é o futuro do passado, e o mesmo presente é o
passado do futuro”. Ambíguo, não é verdade? Ambíguo e
fascinante.
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