Os tempos do bem
Pedro J. Bondaczuk
O bem (a exemplo do mal) gera efeitos duradouros que não se
restringem, apenas, ao presente, mas abrangem o passado e o futuro e
nos sobrevive, para muito além da nossa morte. Muitos não se dão
conta disso e não medem seus atos, achando que seus efeitos serão
efêmeros passageiros. Entendem que, se forem bons, causarão
satisfação momentânea, e se maus, logo serão esquecidos, mesmo
que sobrevenha alguma punição em represália ou que a vítima
perdoe a maldade praticada.
As coisas, contudo, não ocorrem dessa maneira. Nossas ações
produzem efeitos incessantes e duradouros, que independem do tempo.
Entre causar mágoas e rancores que talvez jamais se apaguem e
beneficiar o próximo, mesmo que este sequer demonstre gratidão, é
óbvia a escolha mais sensata que devemos fazer. Hoje, em vez de
brandir contra os que praticam o mal, vou celebrar os que optam por
fazer o bem.
Gosto dos idealistas, daquelas pessoas que sabem o que querem, que
põem à frente um objetivo, bastante refletido e factível, e não
se limitam a desejar. Saem em busca do que pretendem e não cedem um
só milímetro do terreno conquistado, diante dos obstáculos que
certamente encontram, seja de que tamanho e natureza forem. Têm
convicção do que desejam. Têm garra para chegar onde pretendem. E
mesmo que não tenham sucesso, sempre acham que a luta valeu a pena.
Mais do que dos idealistas, gosto dos que são solidários. Mas dos
dotados daquela solidariedade anônima, longe dos holofotes e dos
refletores, que se satisfaz com um mero sorriso de quem foi
beneficiado, se tanto. Há (felizmente) muita gente abnegada, que sem
ser obrigada a tal por nenhum compromisso formal, despende tempo e
dinheiro para minorar o sofrimento dos excluídos.
Conheço pessoas que, por sua conta e risco, oferecem, por exemplo,
diariamente, sopa a moradores de rua. E não falham um único dia.
Não menciono seus nomes porque elas não querem divulgação. Não
fazem alarde do seu nobre gesto, que consideram como “obrigação”
e não ato de caridade. E, em vez de se sentirem gratificadas,
sentem-se, via de regra, frustradas por ajudarem “tão poucos”.
São pessoas, destaque-se, que não contam com a mínima ajuda nem de
particulares e muito menos do Poder Público, ao qual cabe a tarefa
de impedir a existência de tanta gente que não dispõe de condições
para assegurar não três, mas sequer uma refeição diária, num
País de tanta abundância. Não estão ligadas a entidades de
assistência social, a igrejas e nem a organizações (nacionais ou
internacionais) de benemerência. Fazem o que fazem por sentirem
necessidade de agir assim. Pouca gente (a não ser os beneficiados)
ao menos sabe da sua existência. E elas sentem-se bem assim.
Conheço enfermeiras formadas, com diploma da Faculdade de Enfermagem
e com várias especializações que, nos raros instantes que poderiam
dedicar ao descanso, após exaustivos plantões em hospitais, ainda
encontram tempo para assistir os sem-teto. Prestam-lhes os primeiros
socorros nas doenças simples que os acometem, providenciam-lhes
internações nas graves, fornecem-lhes vitaminas e, de quebra,
fazem-lhes a higiene pessoal, providenciando corte de cabelos e
arranjando lugar para que possam tomar banho. Enfim, tornam menos
sofrido seu imenso sofrimento.
Ah, o leitor não conhece nenhuma que faça isso? Eu conheço, e
várias! Indago a esses céticos: “vocês, pelo menos, atentam, sem
preconceitos (ou sem nojo, que é a atitude mais comum face aos
excluídos) para os moradores de rua?” “Consideram-nos humanos, o
que de fato são?” “Já pararam algum dia para apenas conversar
com algum deles (já nem digo para ajudá-los), sem o pretexto do
‘medo de serem assaltados’”?
Claro que não! E se não viram a multidão que precisa ser ajudada,
certamente não toparam com as raríssimas pessoas abnegadas e
altruístas que a ajuda. Não viram porque não querem ver. Ademais,
reitero, o que mais esses seres humanos iluminados e raros detestam é
de publicidade. Todavia (felizmente) existem.
Antonio Vieira, em magnífico sermão pronunciado na Capela Real de
Lisboa, chegou a esta conclusão a propósito: “O bem ou é
presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto; se é
passado, causa saudade, se é futuro, causa desejo”.
Estes preciosos e abnegados altruístas, que têm as melhores
características que um ser humano pode ter – aos quais admiro e,
sobretudo, invejo (já que sou incapaz de agir com tamanho altruísmo
e tanta coragem) – são abençoados (justamente, é óbvio) com os
três tempos da bondade que praticam: sentem-se gratificados pelo que
fazem (embora um tanto frustrados por não poderem fazer mais).
Deixam saudades nos corações dos humildes quando, por alguma razão,
não podem mais se dedicar a eles. E, sobretudo, causam desejos em
outras pessoas de boa vontade de também praticarem o bem com os seus
exemplos. Pena que sejam tão poucos...
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