Wednesday, July 19, 2017

Os tempos do bem

Pedro J. Bondaczuk

O bem (a exemplo do mal) gera efeitos duradouros que não se restringem, apenas, ao presente, mas abrangem o passado e o futuro e nos sobrevive, para muito além da nossa morte. Muitos não se dão conta disso e não medem seus atos, achando que seus efeitos serão efêmeros passageiros. Entendem que, se forem bons, causarão satisfação momentânea, e se maus, logo serão esquecidos, mesmo que sobrevenha alguma punição em represália ou que a vítima perdoe a maldade praticada.

As coisas, contudo, não ocorrem dessa maneira. Nossas ações produzem efeitos incessantes e duradouros, que independem do tempo. Entre causar mágoas e rancores que talvez jamais se apaguem e beneficiar o próximo, mesmo que este sequer demonstre gratidão, é óbvia a escolha mais sensata que devemos fazer. Hoje, em vez de brandir contra os que praticam o mal, vou celebrar os que optam por fazer o bem.

Gosto dos idealistas, daquelas pessoas que sabem o que querem, que põem à frente um objetivo, bastante refletido e factível, e não se limitam a desejar. Saem em busca do que pretendem e não cedem um só milímetro do terreno conquistado, diante dos obstáculos que certamente encontram, seja de que tamanho e natureza forem. Têm convicção do que desejam. Têm garra para chegar onde pretendem. E mesmo que não tenham sucesso, sempre acham que a luta valeu a pena.

Mais do que dos idealistas, gosto dos que são solidários. Mas dos dotados daquela solidariedade anônima, longe dos holofotes e dos refletores, que se satisfaz com um mero sorriso de quem foi beneficiado, se tanto. Há (felizmente) muita gente abnegada, que sem ser obrigada a tal por nenhum compromisso formal, despende tempo e dinheiro para minorar o sofrimento dos excluídos.

Conheço pessoas que, por sua conta e risco, oferecem, por exemplo, diariamente, sopa a moradores de rua. E não falham um único dia. Não menciono seus nomes porque elas não querem divulgação. Não fazem alarde do seu nobre gesto, que consideram como “obrigação” e não ato de caridade. E, em vez de se sentirem gratificadas, sentem-se, via de regra, frustradas por ajudarem “tão poucos”.

São pessoas, destaque-se, que não contam com a mínima ajuda nem de particulares e muito menos do Poder Público, ao qual cabe a tarefa de impedir a existência de tanta gente que não dispõe de condições para assegurar não três, mas sequer uma refeição diária, num País de tanta abundância. Não estão ligadas a entidades de assistência social, a igrejas e nem a organizações (nacionais ou internacionais) de benemerência. Fazem o que fazem por sentirem necessidade de agir assim. Pouca gente (a não ser os beneficiados) ao menos sabe da sua existência. E elas sentem-se bem assim.

Conheço enfermeiras formadas, com diploma da Faculdade de Enfermagem e com várias especializações que, nos raros instantes que poderiam dedicar ao descanso, após exaustivos plantões em hospitais, ainda encontram tempo para assistir os sem-teto. Prestam-lhes os primeiros socorros nas doenças simples que os acometem, providenciam-lhes internações nas graves, fornecem-lhes vitaminas e, de quebra, fazem-lhes a higiene pessoal, providenciando corte de cabelos e arranjando lugar para que possam tomar banho. Enfim, tornam menos sofrido seu imenso sofrimento.

Ah, o leitor não conhece nenhuma que faça isso? Eu conheço, e várias! Indago a esses céticos: “vocês, pelo menos, atentam, sem preconceitos (ou sem nojo, que é a atitude mais comum face aos excluídos) para os moradores de rua?” “Consideram-nos humanos, o que de fato são?” “Já pararam algum dia para apenas conversar com algum deles (já nem digo para ajudá-los), sem o pretexto do ‘medo de serem assaltados’”?

Claro que não! E se não viram a multidão que precisa ser ajudada, certamente não toparam com as raríssimas pessoas abnegadas e altruístas que a ajuda. Não viram porque não querem ver. Ademais, reitero, o que mais esses seres humanos iluminados e raros detestam é de publicidade. Todavia (felizmente) existem.

Antonio Vieira, em magnífico sermão pronunciado na Capela Real de Lisboa, chegou a esta conclusão a propósito: “O bem ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade, se é futuro, causa desejo”.

Estes preciosos e abnegados altruístas, que têm as melhores características que um ser humano pode ter – aos quais admiro e, sobretudo, invejo (já que sou incapaz de agir com tamanho altruísmo e tanta coragem) – são abençoados (justamente, é óbvio) com os três tempos da bondade que praticam: sentem-se gratificados pelo que fazem (embora um tanto frustrados por não poderem fazer mais). Deixam saudades nos corações dos humildes quando, por alguma razão, não podem mais se dedicar a eles. E, sobretudo, causam desejos em outras pessoas de boa vontade de também praticarem o bem com os seus exemplos. Pena que sejam tão poucos...


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