Monday, July 31, 2017

Ditaduras têm os dias contados


Pedro J. Bondaczuk


Os povos da África, após prolongadíssimo período de hibernação mental, ditado, primeiro, pelo colonialismo predatório e, posteriormente, por uma descolonização tão ou mais desastrada do que foi o inferno colonial, estão despertando para a realidade. Voltam a almejar a liberdade, pelo menos aquela mínima, trivial, de poder escolher o que se deseja fazer e o sistema social e político que se pretende adotar. Em alguns países, o processo tem se mostrado traumático, caracterizado por guerras civis. Foram os casos recentes da Libéria, da Somália, da Etiopia, onde ditadores foram derrubados por não compreenderem os sinais destes novos tempos.

Em outros países, como Angola, caminha-se para a pacificação nacional, que os angolanos nunca conheceram, pelo menos no pós-guerra. Primeiro lutaram contra Portugal, para a obtenção da independência e quando esta foi concretizada, combateram entre si, para definir quem iria mandar em quem. Há países africanos que, embora conflituosos, começam a divisar tênue réstia de luz no final do túnel. São os casos específicos da África do Sul, onde o perverso apartheid vive os estertores que antecedem seu fim, e Moçambique, onde o regime marxista se renova, numa espécie de perestroika africana.

Muitos povos seguem se estraçalhando, em explosões de fúria e de ódio, como o Sudão e Ruanda, por exemplo, com guerras civis em pleno andamento. Outros vivem o encantamento da recém conquistada autonomia, tão buscada por sua população, como é o caso da Namíbia. Não se pode negar, todavia, que a África atravessa processo de transformação, de metamorfose, que na natureza, ou envolvendo sociedades nacionais, costuma ser dolorosa, sofrida, porém frutífera se chega a bom termo.

Os ventos liberalizantes, neste contexto, não poderiam deixar de chegar, também, aos grandes países do continente. É o caso do Zaire, com 40 milhões de habitantes, que desde a morte de Patrice Lumumba está em busca de caminhos, sob a tirania de um sanguinário e cínico ditador, no caso Mobutu Sese Seko, há 26 anos no poder.. Sua atuação tem sido de tal sorte condenável, que seus opositores, exilados nos Estados Unidos, denominam seu regime de “Cleptocracia”. Ou seja, ao fim e ao cabo: governo de ladrões. Mas, como tudo na vida, o que não se renova, mesmo que seja bom (o que não é o caso) cansa, a megalomania do general zairense, encastelado no poder, também já cansou. A tendência é a dele ser deposto, mais cedo ou mais tarde.

O Zaire, a exemplo de Benin, Togo, Mali, Niger e República do Congo, pode estar em vias de protagonizar um “golpe civilizado”. A oposição une-se para pressionar Mobutu para que renuncie. Parece seguir o exemplo de Madagascar (ou República Malgaxe”), onde o truculento Didier Ratsiraka se mantém, às duras penas, no poder, recorrendo, para tal, ao expediente do estado de emergência e toque de recolher. E, ainda assim, por pouco o povo não o expulsa a tapa do palácio do governo. A sede do governo malgaxe chegou a ser, recentemente, invadida por uma multidão, sob o olhar indiferente de soldados que, sabiamente, se recusaram a atirar contra os invasores.

Os ditadores, quer vivem tempos muito difíceis, aliás como o presidente norte-americano George Bush previu que ocorreria, precisam aprender (caso seja possível) a diferença entre poder e controle. Karl Wolfgang Deutsch, especialista na ciência do comportamento, traçou, com meridiana clareza, o que diferencia um do outro, em entrevista que concedeu, há já bom tempo (em 20 de agosto de 1980), à revista “IstoÉ”. Ensinou: “Poder é a capacidade de produzir uma grande diferença numa situação da realidade. Controle é a capacidade de produzir a modificação que você deseja. O leão é um animal poderoso. Entretanto, não pode colocar uma linha numa agulha. O controle requer poder. O poder não é suficiente para alcançar os resultados que queremos”.

Os ditadores (e, óbvio, não somente os africanos, mas todos que continuam desgraçando a vida de seus povos), deveriam ter um “ataque de racionalidade”, por ínfimo que fosse, e se curvar à realidade. Se não têm nada a oferecer aos povos de seus respectivos países, que passem o bastão para os que tenham competência para gerir o Estado, antes que se vejam forçados a fazer isso, saindo de cena pela porta dos fundos do palácio presidencial e dali para alguma masmorra, quando não para o pátio de fuzilamento.


(Artigo publicado na editoria Internacional, do Correio Popular, em 8 de agosto de 1991).

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