Monday, July 17, 2017

Vitória de Pirro



Pedro J. Bondaczuk


A “vitória” do presidente russo, Boris Yeltsin, sobre os ultranacionalistas e sobre os comunistas, esta semana, em Moscou, quando tanques, canhões e tropas do Exército esmagaram a rebelião de seus opositores, pode se transformar, a médio prazo, no seu fim político.

Episódios como esse tendem a deixar profundas seqüelas de ressentimentos nos vencidos e a assustar os aliados. É verdade que o atual líder do Cremlin não pode ser acusado de ter dado o primeiro tiro. Negociou o quanto pôde, embora as negociações tenham sido feitas sem aquele espírito aberto de quem procura uma solução duradoura, que a deveria ter caracterizado.

Ambas as partes mostraram-se intransigentes em determinados pontos. Os deputados conservadores (herança maldita da extinta União Soviética) desafiaram ostensivamente a autoridade de Yeltsin, primeiro presidente livremente eleito em toda a milenar história do país, através do voto livre, universal e secreto, em eleições multipartidárias. Contestaram a sua legitimidade, entregando a “Presidência” do país ao vice, o general Alexandre Rustkoi que, pelo visto, “não é flor que se cheire”.

Tão logo o Parlamento foi dissolvido, depois de prolongado e desgastante confronto entre os dois poderes, os parlamentares entrincheiraram-se no interior da Casa Branca de Moscou, a sede do Legislativo, e juraram sair dali somente quando o adversário renunciasse, ou então mortos. Durante as negociações, exigiam a revogação do decreto que determinou o fechamento do Legislativo.

Yeltsin, por seu turno, recusou-se a negociar a realização de eleições simultâneas no país, que seriam uma solução de meio-termo para a crise. Manteve-se irredutível no seu ponto de vista de que primeiro deveria ser escolhido o novo Parlamento, em 12 de dezembro próximo, para somente seis meses depois colocar seu cargo em jogo nas urnas. Mas não explicou as razões.

Como se vê, não se tratou de uma negociação, no verdadeiro significado do termo, mas de um braço-de-ferro de dois adversários inconciliáveis, aferrados, intransigentemente, a seus pontos de vista. Deu no que deu. Redundou no banho de sangue de segunda-feira, que os russos, certamente, vão lembrar por muito tempo.

O mesmo Yeltsin, que defendeu com sua vida a Casa Branca, onde se entrincheirou, durante a tentativa de golpe contra o ex-presidente da então URSS, Mikhail Gorbachev, em 19 de agosto de 1991, nesta semana destruiu esse símbolo da democracia.

Seus motivos podem até ser justificados. Os Estados Unidos e os países da Comunidade Econômica Europeia, cuja posição, durante o desenrolar da crise, foi, no mínimo, ambígua, até mesmo chegaram a expressar seu apoio a todas as ações do governante russo. Resta saber como a população vai encarar esses acontecimentos, assim que “a poeira baixar”.

Esse povo sofrido, acostumado às tragédias, tem horror à violência, embora toda a sua história tenha sido caracterizada por dilúvios de sangue. Será que os cidadãos vão considerar, como até aqui, Yeltsin como um “autêntico democrata”? Até porque, depois de 73 anos de comunismo, a palavra democracia, ali, ficou meio desvirtuada.

Concordamos com Mikhail Gorbachev que, num artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, desabafou: “Que tragédia inacreditável! Que loucura irresponsável! É impossível cerrar fileiras com qualquer uma das partes. Ambas são responsáveis pelo que aconteceu e pelo terrível drama que atingiu a Rússia”. A verdadeira solução para uma controvérsia entre irmãos é a que não deixa vencedores e nem vencidos. O êxito de Yeltsin, portanto, pode não passar de uma “vitória de Pirro”.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de outubro de 1993)



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