Vitória de Pirro
Pedro J. Bondaczuk
A “vitória” do presidente
russo, Boris Yeltsin, sobre os ultranacionalistas e sobre os
comunistas, esta semana, em Moscou, quando tanques, canhões e tropas
do Exército esmagaram a rebelião de seus opositores, pode se
transformar, a médio prazo, no seu fim político.
Episódios como esse tendem a
deixar profundas seqüelas de ressentimentos nos vencidos e a
assustar os aliados. É verdade que o atual líder do Cremlin não
pode ser acusado de ter dado o primeiro tiro. Negociou o quanto pôde,
embora as negociações tenham sido feitas sem aquele espírito
aberto de quem procura uma solução duradoura, que a deveria ter
caracterizado.
Ambas as partes mostraram-se
intransigentes em determinados pontos. Os deputados conservadores
(herança maldita da extinta União Soviética) desafiaram
ostensivamente a autoridade de Yeltsin, primeiro presidente
livremente eleito em toda a milenar história do país, através do
voto livre, universal e secreto, em eleições multipartidárias.
Contestaram a sua legitimidade, entregando a “Presidência” do
país ao vice, o general Alexandre Rustkoi que, pelo visto, “não é
flor que se cheire”.
Tão logo o Parlamento foi
dissolvido, depois de prolongado e desgastante confronto entre os
dois poderes, os parlamentares entrincheiraram-se no interior da Casa
Branca de Moscou, a sede do Legislativo, e juraram sair dali somente
quando o adversário renunciasse, ou então mortos. Durante as
negociações, exigiam a revogação do decreto que determinou o
fechamento do Legislativo.
Yeltsin, por seu turno,
recusou-se a negociar a realização de eleições simultâneas no
país, que seriam uma solução de meio-termo para a crise.
Manteve-se irredutível no seu ponto de vista de que primeiro deveria
ser escolhido o novo Parlamento, em 12 de dezembro próximo, para
somente seis meses depois colocar seu cargo em jogo nas urnas. Mas
não explicou as razões.
Como se vê, não se tratou de
uma negociação, no verdadeiro significado do termo, mas de um
braço-de-ferro de dois adversários inconciliáveis, aferrados,
intransigentemente, a seus pontos de vista. Deu no que deu. Redundou
no banho de sangue de segunda-feira, que os russos, certamente, vão
lembrar por muito tempo.
O mesmo Yeltsin, que defendeu
com sua vida a Casa Branca, onde se entrincheirou, durante a
tentativa de golpe contra o ex-presidente da então URSS, Mikhail
Gorbachev, em 19 de agosto de 1991, nesta semana destruiu esse
símbolo da democracia.
Seus motivos podem até ser
justificados. Os Estados Unidos e os países da Comunidade Econômica
Europeia, cuja posição, durante o desenrolar da crise, foi, no
mínimo, ambígua, até mesmo chegaram a expressar seu apoio a todas
as ações do governante russo. Resta saber como a população vai
encarar esses acontecimentos, assim que “a poeira baixar”.
Esse povo sofrido, acostumado
às tragédias, tem horror à violência, embora toda a sua história
tenha sido caracterizada por dilúvios de sangue. Será que os
cidadãos vão considerar, como até aqui, Yeltsin como um “autêntico
democrata”? Até porque, depois de 73 anos de comunismo, a palavra
democracia, ali, ficou meio desvirtuada.
Concordamos com Mikhail
Gorbachev que, num artigo publicado no jornal “O Estado de S.
Paulo”, desabafou: “Que tragédia inacreditável! Que loucura
irresponsável! É impossível cerrar fileiras com qualquer uma das
partes. Ambas são responsáveis pelo que aconteceu e pelo terrível
drama que atingiu a Rússia”. A verdadeira solução para uma
controvérsia entre irmãos é a que não deixa vencedores e nem
vencidos. O êxito de Yeltsin, portanto, pode não passar de uma
“vitória de Pirro”.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de outubro de 1993)
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