Infidelidade explícita
Pedro J. Bondaczuk
A ausência de um dispositivo,
na Lei Orgânica dos Partidos, que determine a fidelidade partidária,
provocou, até sexta-feira passada, a mudança simultânea de pelo
menos 47 deputados que trocaram suas agremiações por outras.
O episódio não se tratou de
uma repentina revisão em massa de opiniões dos parlamentares, após
eventual e cuidadoso exame de consciência. Prendeu-se a um motivo
bem mais mesquinho e condenável. Além disso, os autores do ato de
infidelidade explícita não consultaram suas bases, não se
justificaram junto aos seus eleitores para tomar essa atitude.
Simplesmente, trocaram de partido, e pronto!
E qual a razão do
troca-troca? Foi conseqüência da nova Lei Eleitoral, sancionada
pelo presidente Itamar Franco na semana passada, que vai normatizar
as eleições de 1994. A citada norma legal dispõe que somente as
agremiações políticas que tiverem pelo menos 16 deputados federais
poderão lançar candidatos à Presidência da República, aos
governos estaduais e ao Senado. Os que não preenchiam tais condições
promoveram uma movimentação frenética em busca do aumento de suas
respectivas bancadas.
A revista “Veja”, em sua
última edição, denunciou que muitos parlamentares chegaram a
receber US$ 50 mil pela mudança. Ou seja, a filiação teria sido
“leiloada”. Mesmo que não tenha havido dinheiro envolvido no
caso (e se houve ficou caracterizado o crime de suborno), o
procedimento, no mínimo, foi aético e mostrou porque os
editorialistas que pregam a moralização da vida pública insistem
tanto na necessidade de fidelidade partidária.
É a razão dos políticos
estarem tão desacreditados. Estão confundindo democracia com
anarquia. Ações como essas desmoralizam os partidos aos olhos dos
cidadãos (inclusive aqueles que não lançaram mão desse recurso,
no mínimo contestável) para se enquadrar dentro de uma determinada
lei.
O deputado José Serra, num
lúcido artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”,
ressalta: “Muitos parlamentares disputam o mandato com uma cara e o
exercem com outra. Não é admissível que os eleitores continuem
sendo ludibriados por candidatos que não têm a coragem política de
assumir suas opções programáticas e partidárias. Vereador ou
deputado que mudar de partido depois de eleito deve perder o
mandato”. E deve mesmo!
Nada mais justo do que cassar
da vida pública aquele que não tem personalidade, incapaz de se
manter fiel a quem quer que seja. Provavelmente, nem a si próprio.
Como acreditar em alguém tão volúvel, que não conserva a
fidelidade sequer com seus próprios companheiros de um (suposto)
ideal?
Um parlamentar, em teoria,
nunca age em nome próprio. Representa uma parcela de cidadãos que o
guindaram à função legislativa. Cada ato que pratica, bom ou ruim,
o faz em nome de quem o elegeu que, mesmo que não se dê conta,
torna-se seu cúmplice.
Daí a necessidade de cobrança
contínua, permanente, incansável do eleitor sobre o seu
representante. É mister que a população guarde bem os nomes dos
deputados que protagonizaram essa monumental “marmelada” do fim
de semana passado.
Quem trai um, trai cinco, dez,
mil, um milhão de cidadãos. Suas promessas não passam de falácias,
suas juras tornam-se suspeitas, os compromissos que assumem são
acompanhados da incerteza quanto ao cumprimento.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 10 de outubro de 1993)
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