Thursday, July 13, 2017

Infidelidade explícita



Pedro J. Bondaczuk


A ausência de um dispositivo, na Lei Orgânica dos Partidos, que determine a fidelidade partidária, provocou, até sexta-feira passada, a mudança simultânea de pelo menos 47 deputados que trocaram suas agremiações por outras.

O episódio não se tratou de uma repentina revisão em massa de opiniões dos parlamentares, após eventual e cuidadoso exame de consciência. Prendeu-se a um motivo bem mais mesquinho e condenável. Além disso, os autores do ato de infidelidade explícita não consultaram suas bases, não se justificaram junto aos seus eleitores para tomar essa atitude. Simplesmente, trocaram de partido, e pronto!

E qual a razão do troca-troca? Foi conseqüência da nova Lei Eleitoral, sancionada pelo presidente Itamar Franco na semana passada, que vai normatizar as eleições de 1994. A citada norma legal dispõe que somente as agremiações políticas que tiverem pelo menos 16 deputados federais poderão lançar candidatos à Presidência da República, aos governos estaduais e ao Senado. Os que não preenchiam tais condições promoveram uma movimentação frenética em busca do aumento de suas respectivas bancadas.

A revista “Veja”, em sua última edição, denunciou que muitos parlamentares chegaram a receber US$ 50 mil pela mudança. Ou seja, a filiação teria sido “leiloada”. Mesmo que não tenha havido dinheiro envolvido no caso (e se houve ficou caracterizado o crime de suborno), o procedimento, no mínimo, foi aético e mostrou porque os editorialistas que pregam a moralização da vida pública insistem tanto na necessidade de fidelidade partidária.

É a razão dos políticos estarem tão desacreditados. Estão confundindo democracia com anarquia. Ações como essas desmoralizam os partidos aos olhos dos cidadãos (inclusive aqueles que não lançaram mão desse recurso, no mínimo contestável) para se enquadrar dentro de uma determinada lei.

O deputado José Serra, num lúcido artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, ressalta: “Muitos parlamentares disputam o mandato com uma cara e o exercem com outra. Não é admissível que os eleitores continuem sendo ludibriados por candidatos que não têm a coragem política de assumir suas opções programáticas e partidárias. Vereador ou deputado que mudar de partido depois de eleito deve perder o mandato”. E deve mesmo!

Nada mais justo do que cassar da vida pública aquele que não tem personalidade, incapaz de se manter fiel a quem quer que seja. Provavelmente, nem a si próprio. Como acreditar em alguém tão volúvel, que não conserva a fidelidade sequer com seus próprios companheiros de um (suposto) ideal?

Um parlamentar, em teoria, nunca age em nome próprio. Representa uma parcela de cidadãos que o guindaram à função legislativa. Cada ato que pratica, bom ou ruim, o faz em nome de quem o elegeu que, mesmo que não se dê conta, torna-se seu cúmplice.

Daí a necessidade de cobrança contínua, permanente, incansável do eleitor sobre o seu representante. É mister que a população guarde bem os nomes dos deputados que protagonizaram essa monumental “marmelada” do fim de semana passado.

Quem trai um, trai cinco, dez, mil, um milhão de cidadãos. Suas promessas não passam de falácias, suas juras tornam-se suspeitas, os compromissos que assumem são acompanhados da incerteza quanto ao cumprimento.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 10 de outubro de 1993)



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