Friday, July 21, 2017

Novo passo para a integração da América do Sul



Pedro J. Bondaczuk



O presidente José Sarney inicia, a partir de amanhã, a sua primeira viagem ao Exterior desde que assumiu a presidência, visitando o nosso vizinho no extremo Sul do continente, o Uruguai. Nada mais oportuno do que esse minigiro presidencial, neste momento, quando as novas democracias sul-americanas ensaiam uma prática que já deveria ser costumeira entre nós, mas que nunca foi posta em execução. A de uma política comum, especialmente no plano econômico, que nos torne a todos mais fortes no trato com os países ricos do hemisfério Norte.

Afinal, os problemas de uruguaios, argentinos, bolivianos, peruanos, colombianos e venezuelanos são comuns aos do Brasil. E podem ser resumidos todos num só: as dívidas existentes. Tanto a externa, feita imprudentemente no mercado financeiro internacional. Quanto as internas, promovidas pelos respectivos governos para financiar suas dispendiosas e ineficientes máquinas estatais. E a principal de todas, a social, que é o débito existente em cada um de nossos países com as respectivas populações de nossos jovens Estados que, precisando desesperadamente crescer, foram, na verdade, nas duas últimas décadas, reduzidas de pobres a miseráveis.

O Uruguai, tradicionalmente, seguiu uma política pendular em relação à Argentina e ao Brasil. Os dois maiores países sul-americanos, não se sabe por que artimanhas, sempre mantiveram um clima de antagonismo histórico, na disputa pela hegemonia continental. Com isso, apenas conseguiram, ambos, tornar-se mais fracos na defesa dos legítimos interesses comuns.

Uma das táticas mais sábias, numa competição, é a de dividir as forças do adversário, para enfraquecê-lo. Brasileiros e argentinos demoraram mais de um século para perceberem isso (se é que já perceberam), trocando “farpas” ao longo dos anos e agindo no sentido de um contrariar os interesses do outro. E nessa briguinha doméstica, o Uruguai ora pendeu para o Brasil, ora para a Argentina. E todos saímos perdendo com essa prática.

O novo presidente uruguaio, todavia, revelando uma rara lucidez, está disposto a acabar com esse tipo de comportamento. Pretende, ao invés de assumir uma posição meramente periférica entre os dois gigantes continentais, funcionar como um aproximador de ambos. Reservou para si o mesmo papel que determinados produtos químicos têm: o de catalisador. Isto é, aquele que participa de uma reação, acelerando-a, mas que sai regenerado ao final dela.

Numa entrevista concedida sexta-feira à Rede Globo, Júlio Maria Sanguinetti disse uma grande verdade. Que os povos sul-americanos são uma só família e que se constitui na mais monumental das “tonterias” (segundo sua própria expressão) brigarem entre si, enquanto o verdadeiro adversário fica apenas observando e rindo da nossa inconseqüência. E o que é pior, nos impondo um perpétuo subdesenvolvimento.

Desde a posse de Raul Alfonsin, na Argentina, começou a ser esboçada, todavia, uma política integracionista na América do Sul. Formou-se, inicialmente, o Grupo de Cartagena. Contatos foram estreitados. Novos democratas vieram paulatinamente somar-se à tentativa do presidente argentino. Como Júlio Sanguinetti, no Uruguai, que busca reconstruir uma sociedade que já foi chamada de a “Suíça latino-americana”, pela sua estabilidade econômica, política e social, mas que teve de amargar quase 12 anos de ditadura.

Como o jovem Alan Garcia Perez, no Peru, sacudindo, com suas idéias ousadas, velhos e ultrapassados conceitos no continente. Como o colombiano Belisário Betancur, que antes “pregava no deserto” suas teses diante dos regimes fechados dos seus pares. E como José Sarney, por que não, herdeiro de uma Nova República, sonhada pelo falecido Tancredo Neves e que ele jurou implantar.

Mais do que os acordos que o nosso presidente vai subscrever em Montevidéu, será importante o contato político, a conversa ao pé do ouvido, o mútuo conhecimento. Mas é indispensável que essa mentalidade integracionista finalmente vingue. Que argentinos, brasileiros e uruguaios nunca mais venham a se encarar como antagonistas, mas que atuem como parceiros. Que tudo não fique apenas no terreno das intenções e da retórica. Que certas barreiras (incompreensíveis) sejam rompidas e passemos a agir como um todo. Como uma sociedade única que se identifica, não somente na origem, na cultura e nos interesses, mas principalmente nos problemas, que são comuns e que apenas serão passivos de solução através de políticas conjuntas. Nunca antes houve na América do Sul condições tão propícias para isso como agora. Resta aproveitá-las.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio popular, em 11 de agosto de 1985).



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