Monday, July 31, 2017

“O GENOCÍDIO DO MUNDO”


Partilho com você, amável e paciente leitor, o poema abaixo, escrito por alguém que à época era morador de rua, que me foi enviado há já bom tempo (em 2007) pela jornalista Diana Lima. Pode até ser que não tenha lá grande mérito literário, mas mostra um nível de informação superior à média do seu autor. Confira:


O genocídio do mundo


Sílvio Luís Monteiro de Oliveira

A humanidade está com planos
Em ações coordenadas por diretores
Muitos mortos! Em poucos anos!
O por quê?... Destas inspirações dos escritores?

As mortes de coletividades são reportagens
Noventa e duas mil pessoas! Tibet
Oitenta e oito mil pessoas! Índia
Cem mil pessoas! Iraque

A humanidade perde pessoas de renome
Flora e fauna e o patrimônio histórico
Da humanidade sendo destruídos
Mas! As mãos artesanais continuam

Esta é a visão para os escritores realistas
No realismo seus escritores observam
Esta conduta humana, qual é a inspiração:
Revolta, extremismo, omissão ou negligência

Com todos estes fenômenos, os escritores
Escrevem suas poesias com reflexão ou inspiração
Sua vida está em situação de risco
Sua poesia torna-se eletromagnética

Inspiração ou reflexão se tornam poesias
Quem lê? Sua emoção é a paixão
Irradiada ao seu semelhante
Esta paixão sentida, sem amor ou ódio.


(O autor deste poema foi morador de rua em São Paulo)


@@@@@@


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Ditaduras têm os dias contados


Pedro J. Bondaczuk


Os povos da África, após prolongadíssimo período de hibernação mental, ditado, primeiro, pelo colonialismo predatório e, posteriormente, por uma descolonização tão ou mais desastrada do que foi o inferno colonial, estão despertando para a realidade. Voltam a almejar a liberdade, pelo menos aquela mínima, trivial, de poder escolher o que se deseja fazer e o sistema social e político que se pretende adotar. Em alguns países, o processo tem se mostrado traumático, caracterizado por guerras civis. Foram os casos recentes da Libéria, da Somália, da Etiopia, onde ditadores foram derrubados por não compreenderem os sinais destes novos tempos.

Em outros países, como Angola, caminha-se para a pacificação nacional, que os angolanos nunca conheceram, pelo menos no pós-guerra. Primeiro lutaram contra Portugal, para a obtenção da independência e quando esta foi concretizada, combateram entre si, para definir quem iria mandar em quem. Há países africanos que, embora conflituosos, começam a divisar tênue réstia de luz no final do túnel. São os casos específicos da África do Sul, onde o perverso apartheid vive os estertores que antecedem seu fim, e Moçambique, onde o regime marxista se renova, numa espécie de perestroika africana.

Muitos povos seguem se estraçalhando, em explosões de fúria e de ódio, como o Sudão e Ruanda, por exemplo, com guerras civis em pleno andamento. Outros vivem o encantamento da recém conquistada autonomia, tão buscada por sua população, como é o caso da Namíbia. Não se pode negar, todavia, que a África atravessa processo de transformação, de metamorfose, que na natureza, ou envolvendo sociedades nacionais, costuma ser dolorosa, sofrida, porém frutífera se chega a bom termo.

Os ventos liberalizantes, neste contexto, não poderiam deixar de chegar, também, aos grandes países do continente. É o caso do Zaire, com 40 milhões de habitantes, que desde a morte de Patrice Lumumba está em busca de caminhos, sob a tirania de um sanguinário e cínico ditador, no caso Mobutu Sese Seko, há 26 anos no poder.. Sua atuação tem sido de tal sorte condenável, que seus opositores, exilados nos Estados Unidos, denominam seu regime de “Cleptocracia”. Ou seja, ao fim e ao cabo: governo de ladrões. Mas, como tudo na vida, o que não se renova, mesmo que seja bom (o que não é o caso) cansa, a megalomania do general zairense, encastelado no poder, também já cansou. A tendência é a dele ser deposto, mais cedo ou mais tarde.

O Zaire, a exemplo de Benin, Togo, Mali, Niger e República do Congo, pode estar em vias de protagonizar um “golpe civilizado”. A oposição une-se para pressionar Mobutu para que renuncie. Parece seguir o exemplo de Madagascar (ou República Malgaxe”), onde o truculento Didier Ratsiraka se mantém, às duras penas, no poder, recorrendo, para tal, ao expediente do estado de emergência e toque de recolher. E, ainda assim, por pouco o povo não o expulsa a tapa do palácio do governo. A sede do governo malgaxe chegou a ser, recentemente, invadida por uma multidão, sob o olhar indiferente de soldados que, sabiamente, se recusaram a atirar contra os invasores.

Os ditadores, quer vivem tempos muito difíceis, aliás como o presidente norte-americano George Bush previu que ocorreria, precisam aprender (caso seja possível) a diferença entre poder e controle. Karl Wolfgang Deutsch, especialista na ciência do comportamento, traçou, com meridiana clareza, o que diferencia um do outro, em entrevista que concedeu, há já bom tempo (em 20 de agosto de 1980), à revista “IstoÉ”. Ensinou: “Poder é a capacidade de produzir uma grande diferença numa situação da realidade. Controle é a capacidade de produzir a modificação que você deseja. O leão é um animal poderoso. Entretanto, não pode colocar uma linha numa agulha. O controle requer poder. O poder não é suficiente para alcançar os resultados que queremos”.

Os ditadores (e, óbvio, não somente os africanos, mas todos que continuam desgraçando a vida de seus povos), deveriam ter um “ataque de racionalidade”, por ínfimo que fosse, e se curvar à realidade. Se não têm nada a oferecer aos povos de seus respectivos países, que passem o bastão para os que tenham competência para gerir o Estado, antes que se vejam forçados a fazer isso, saindo de cena pela porta dos fundos do palácio presidencial e dali para alguma masmorra, quando não para o pátio de fuzilamento.


(Artigo publicado na editoria Internacional, do Correio Popular, em 8 de agosto de 1991).

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A Poetisa das Américas




Pedro J. Bondaczuk


A literatura latino-americana de língua espanhola vem produzindo, ao longo dos dois últimos séculos, escritores de primeiríssima linha, no romance, na poesia, no conto, na crônica, no ensaio etc., que extrapolam, não apenas as fronteiras dos seus países de origem, mas do continente e, principalmente, do hemisfério. Conquistaram, com seu talento e magia, a merecida universalidade. E quanto mais o tempo passa, mais suas obras se consolidam, se impõem, luzem pela extraordinária beleza e pelas qualidades temáticas, artísticas e de estilo que ostentam.

Nomes como os de Pablo Neruda, Jorge Luís Borges, Gabriel Garcia Marquez, Octávio Paz, Mário Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Augusto Roa Bastos, Ernesto Sábato, Júlio Cortazar, Amado Nervo, Rubén Dario, Juan Rulfo e tantos e tantos outros, impõem-se, com justiça, como marcos literários da humanidade. Alguns conquistaram, com amplos méritos, o cobiçado Nobel de Literatura. Outros integram a vasta galeria dos injustiçados, daqueles que mereceram o prêmio sem, no entanto, ser agraciados com ele (na qual devem ser incluídos, sem dúvida, vários brasileiros, como Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira, João Guimarães Rosa e vários outros)..

Embora traduzidos em praticamente todas as mais importantes línguas do Planeta, editados nos mais diversos e remotos lugares do mundo (e, claro, também no Brasil), alguns desses escritores são pouco conhecidos entre nós, mesmo pelos nossos mais eruditos intelectuais. Parece, salvo honrosas exceções, que o brasileiro nutre até um certo preconceito em relação a luminares da Literatura da América Latina. Mesmo dos consagrados, que conquistaram o Nobel, é mister frisar. Nossa influência literária – diria estética, incluindo as artes plásticas e a música erudita – é, basicamente, européia, notadamente francesa e russa.

Uma das escritoras menos conhecidas (e menos lidas) em nosso país é a poetisa chilena (há quem diga, não se sabe porque, que esta expressão tem cunho machista!) Lucila Godoy Alcayaga, que se consagrou mundialmente com o pseudônimo de Gabriela Mistral. Trata-se de figura extremamente fascinante, sob qualquer aspecto que se analise, tanto no da sua vida pessoal, marcada pela trágica perda do único homem que, de fato, amou (ele suicidou-se quando tinha apenas 17 anos de idade), quanto na da profissional, (professora por escolha e vocação), e na da literária.

Natural da Patagônia chilena, dos vales frios e permanentemente nevados de Elqui, onde nasceu em 7 de abril de 1889, na cidade de Vicuña, era dotada de extraordinária sensibilidade e habilidade no manejo do idioma. Só poderia, mesmo, acabar poeta, como acabou. E mais: premiada, com justiça, com o Prêmio Nobel de Literatura em 1945 pelo livro, "Desolación", que segue sendo reeditado, sucessivamente, em vários países da América Latina e principalmente no seu Chile natal, tantos anos após a sua morte. Pois, à medida que o tempo passa, mais a sua poesia ganha interesse e permanência, por sua universalidade, transcendência e, sobretudo, por ser atemporal.

Entre suas muitas obras – a maioria dos textos escrita para jornais e álbuns de recordações de amigos – destacam-se: “Ternura” (editada em 1924, dedicada a pequenos poemas, como “Halazco”, “Apegados a mi” e “Piececitos”); “Leituras de mulheres e crianças” (1924); “Nuvens Brancas”(1929, de prosa): “Breve descrição do Chile” (1934); “Tala” (que Gabriela Mistral considerava sua obra-prima, lançada em Buenos Aires, em 1939, cujos direitos foram doados às crianças vítimas da Guerra Civil espanhola, onde está incluído o magnífico poema “Todas deveríamos ser rainhas”); “Poema das Mães” (1950); “Lagar” (em prosa e verso, 1954); “Recados contando o Chile” (póstuma, 1958, recompilada pelo padre Alfonso Escudero); “Epistolário” (1960) e “Poema de Chile” (1966, organizada por sua enfermeira, companheira e amiga, a norte-americana Doris Dana, nove anos após a sua morte).

A notável escritora – que não se considerava como tal, mas como simples professorinha, atividade que tanto amou e exerceu, com carinho, dedicação e incomparável devoção, por muitos e muitos anos – e diplomata – foi, entre outras coisas, cônsul chilena na cidade fluminense de Petrópolis – morreu, no Hospital Geral de Hampstead, em Nova York, às 4h10 de 10 de janeiro de 1957. Seu falecimento, aos 67 anos, causou enorme comoção no Chile. Seus funerais foram apoteóticos, com honras de chefe de Estado, e ocorreram em 21 de janeiro, em Santiago, reunindo imensa multidão, que acompanhou, comovida e desolada, o sepultamento dos seus restos mortais.

O governo chileno decretou, na oportunidade, três dias de luto oficial. Houve homenagens para a extraordinária escritora em toda a América Latina e na maioria dos países do mundo. Por disposição testamentária – em documento lavrado em Nova York, em 17 de novembro de 1956 – Gabriela Mistral doou todos os direitos autorais de suas obras que fossem publicadas dali em diante, na América do Sul, às crianças de Monte Grande. Foi mais um (e último) gesto de grandeza e de solidariedade desta que é, com toda a justiça, considerada a “Poetisa das Américas”. Voltarei, certamente, a tratar, em outras tantas oportunidades, da sua trajetória de vida e, principalmente, da sua obra.


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Sunday, July 30, 2017

TEMOS QUE ATENTAR PARA O “APARTHEID SOCIAL”

Tenho em mãos um poema, que me foi enviado, em 2007, pela jornalista Diana Lima, escrito por Sílvio Luiz Monteiro de Oliveira, que compartilharei oportunamente. Mas o que ele tem de diferente? Tem lá suas imperfeições técnicas, sem dúvida. Pode nem ser um primor de versificação (não pretendo entrar nesse mérito). Mas traz algo que nós, escritores, perseguimos incansavelmente e nem sempre conseguimos: o selo da autenticidade. Porquanto, foi escrito por um morador de rua, um dos milhões de “homeless” (forma chique de caracterizar os sem-teto), espalhados pelo mundo afora. È de se notar o grau de informação e de consciência da realidade mundial dessa vítima do mais terrível dos “apartheids”, o social, que possivelmente nem esteja mais viva, talvez consumida por alguma doença simples, que costuma ceifar organismos judiados e enfraquecidos como o seu. Insisto, pois, na tese de que boa parte dos nossos escritores precisa, urgentemente, de um demorado “banho de realidade”. Só assim talvez esses privilegiados “homens de letra” deixem de lado as tantas e tantas histórias de vampiros, lobisomens, chupa-cabras e outras abobrinhas mais e tratem, finalmente, do que está bem debaixo dos seus narizes, mas que teimam em não enxergar.


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Crise global


Pedro J. Bondaczuk


A economia globalizada, em um mundo pós-guerra fria, que se tornou pequeno em decorrência dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, tem o seu lado perigoso para os países "emergentes", que dependam exclusivamente de capitais alheios. Este é o caso dos chamados "tigres asiáticos", apontados amiúde como modelos de desenvolvimento e que agora se veem abalados por uma crise sem precedentes, de conseqüências ainda imprevisíveis.

Primeiro foi a Tailândia, atingida por um "terremoto" financeiro, no mês passado, cujos efeitos em cadeia atingiram várias partes do mundo e ainda se fazem sentir. Agora, foi o "crash", a quebra, a ruptura da bolsa de Hong Kong, uma das mais importantes da Ásia, sob a administração chinesa desde julho passado. O que originou esses fatos? As explicações são muitas e a maioria não convence.

O chamado capital especulativo, aquele que se aproveita da política de juros altos de Estados perdulários --- que sobrevivem às custas de empréstimos (internos e/ou externos) --- sabe se defender. Seja qual for a situação, sai sempre ganhando. Obtém e protege seus lucros com extremo zelo, de forma selvagem, a qualquer custo. Não tem pátria ou ideologia. Não é leal a ninguém.

Ao menor sinal de abalo econômico, retira-se de imediato do mercado do país afetado em que aportou apenas para lucrar, sem dar virtualmente nenhum retorno, em geral deixando atrás de si uma quebradeira em massa.

As bolsas de valores, embora essenciais para capitalizar empresas, são na verdade um jogo. Quem não sabe jogá-lo, quem não tem nervos de aço para esse "pôquer financeiro" e aplica dinheiro que não possa ficar parado por longos prazos, à espera de retorno imediato ou de lucro fácil, geralmente se arruína.

Nestas baixas históricas nas bolsas de valores da Ásia, Europa, Estados Unidos e América Latina, dos últimos dias, gigantescas fortunas mudaram de mãos em questão de minutos. Há gente se arruinando, perdendo tudo o que tem. Em contrapartida, existem espertalhões, "jogando" estritamente dentro das regras do mercado acionário, triplicando ou mais seu capital.

A pergunta que se faz é: que efeito esse "terremoto financeiro" vai ter sobre a economia brasileira e, mais especificamente, sobre o real? A acreditar nas autoridades econômicas de Brasília, nenhum. Nada vai mudar. As políticas de câmbio e de juros serão mantidas. A moeda continuará sólida. Os juros prosseguirão nas alturas. E para sinalizar isso ao mercado, o Banco Central lançou, na terça-feira, um grande volume de papéis da dívida pública lastreados em dólar.

Ou seja, o governo não teme a súbita valorização da moeda norte-americana, em detrimento do real. Se isso acontecer, ele será o grande perdedor. Mas confia nas reservas cambiais que o País possui, de mais de US$ 60 bilhões, e nos recursos que deverão entrar no Tesouro, procedentes de investimentos externos e da privatização de estatais.

O Brasil escapou incólume da crise do México. Não foi abalado pelo cataclismo que afetou a Argentina. Sequer tomou conhecimento da débacle tailandesa. E se as previsões se concretizarem, terá tudo para sair ileso e ainda lucrar com mais esse abalo financeiro mundial, provando ter uma economia sólida e, por conseqüência, passando a atrair mais e mais capitais para financiar sua arrancada para o desenvolvimento. Assim seja!

(Texto escrito em 27 de outubro de 1997 e publicado como editorial na Folha do Taquaral).



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O adjetivo sábio

Pedro J. Bondaczuk

O adjetivo “sábio” é muito vago para o meu gosto. É aplicado, a torto e a direito, sem grande critério (diria, sem nenhum) até mesmo aos mais rematados imbecis, que mal-conseguem alinhavar uma ou outra frase de efeito, sem o mínimo conteúdo, e que passam, doravante, a ostentar esse pomposo galardão, aceito, sem maiores críticas e considerações, pelos basbaques. E estes, convenhamos, não faltam.

Não, querido leitor, não estou mal-humorado, “bilioso”, como diriam os antigos, querendo descarregar supostas frustrações no lombo do primeiro desavisado com que topar. Não se trata disso. Vamos bater um papo a respeito? Então, vamos lá!

A constatação do uso inadequado dessa palavra tão nobre (e, no entanto, tão ambígua) veio-me da leitura (na verdade, da décima releitura) do ensaio “A Vida sem Princípio”, publicado no livro “Desobedecendo”, do bom e velho Henry David Thoreau. Você não conhece quem foi esse ilustre sujeito? Que pena!

Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente (afinal, ele nasceu mais de um século antes de mim, em 12 de julho de 1817, na cidade norte-americana de Concord, onde também morreu, quase 45 anos depois, em 6 de maio de 1862), considero-o uma figura fascinante. Não foi por acaso que se tornou uma espécie de guru, de inspirador do movimento hippie.

Thoreau escreve, no referido ensaio: “Na maior parte dos casos faz-se um uso inteiramente equivocado do adjetivo sábio. Como pode alguém ser sábio se não consegue viver melhor que outros homens?” Sim, como? Que raio é, então, essa tal sabedoria? Para que serve, se não para uma vida produtiva, lúcida, equilibrada e feliz?

E Thoreau prossegue com suas instigantes perguntas: “Bastará ser mais matreiro e intelectualmente sutil? A Sabedoria está presente num trabalho enfadonho? Ou dará sempre a lição do seu próprio exemplo? Haverá uma sabedoria além daquela aplicada à vida? Ou será ela apenas o moleiro que mói a lógica mais requintada?”

Pois é, o que é “saber”? Que tipo de conhecimento é o indispensável? Esse enciclopédico, que você pode encontrar na hora em que quiser ou precisar, em qualquer boa enciclopédia ou o que lhe possibilite relacionamentos sólidos e positivos para ambas as partes, que advém, somente, de uma fértil vivência?

Thoreau – acrescento, a título de informação – foi, além de ensaísta, poeta, naturalista e filósofo. É considerado clássico da literatura norte-americana, estudado em todas as escolas do país, desde o ensino fundamental ao universitário. E, insisto: foi uma pessoa fascinante.

Por exemplo, tão logo se formou em Harvard, decidiu isolar-se disto que se convencionou chamar de “civilização”. Optou por viver em uma tosca cabana, às margens do Lago Walden, em um local selvagem e isolado, com o objetivo de “contemplar a natureza”. Passou dois anos ali, sem ir à cidade sequer para comprar o essencial, como fósforos, querosene, sal, açúcar etc.

Prosseguindo em suas reflexões, no ensaio “A Vida sem Princípio”, Thoreau faz as seguintes indagações: “É pertinente perguntar se Platão ganhava sua vida melhor ou com mais sucesso que seus contemporâneos – ou teria ele, como outros, sucumbido às dificuldades da vida? Terá sido apenas pela indiferença ou pela empáfia que ele aparentemente prevaleceu sobre alguns deles? Ou será que sua vida foi mais fácil pelo fato de uma tia sua ter se lembrado de incluí-lo entre seus herdeiros?”

Pois é, podemos considerar o autor de “A República” sábio apenas pelos seus escritos, ou devemos averiguar sua vida para descobrir se agiu, ou não, com sabedoria? Você, certamente, já notou, esperto leitor, que Thoreau utiliza o método socrático, ou seja, o das sucessivas indagações, para tentar descobrir a verdade. E eu, que não sou bobo e nem nada, claro, imito seu procedimento.

Se você ainda não está totalmente convencido da importância desse sujeito, lhe informo que ele foi o formulador original do conceito de “desobediência civil”, que foi levado, quase um século depois, às últimas conseqüências pelo “pai” da independência indiana, Mohandas Karamanchand Gandhi. E pelos “hippies”, em seus protestos, nos anos 60, contra a guerra do Vietnã.

Voltando, porém, ao tema do nosso bate-papo, Thoreau chega à seguinte conclusão sobre essa questão do uso do adjetivo sábio: “As maneiras pelas quais se sustenta a maioria dos homens, isto é, a sua vida, nada mais são do que expedientes circunstanciais, uma fuga do verdadeiro sentido da vida; isso ocorre principalmente porque os homens não conhecem nada melhor, mas em parte porque também não querem nada melhor”. E não é verdade?

Convém dar mais algumas “pinceladas” no acanhado perfil que tracei desse sujeito espetacular. Foi, por exemplo, amante inveterado da natureza (o que o mais distraído dos distraídos leitores já deve ter percebido). Foi um abolicionista ferrenho, considerando a escravidão uma das maiores (se não a maior) das patifarias humanas.

Thoreau não gostava de notícias (que, no seu entender, poluíam “a nossa mente, templo de reflexões, com banalidades”). Opunha-se ao trabalho que não fosse prazeroso (degradava o homem). Outras esquisitices suas: era panteísta, místico, solteirão convicto e renitente e contrário ao que convencionamos chamar de “boas maneiras” (que chamo de “frescuras”) que classificava como uma forma refinada de hipocrisia. Foi ou não foi, portanto, um sujeito fascinante? Pelo menos não tinha papas na língua (ou na caneta com que produzia seus textos). Nele, sim, o adjetivo “sábio” cabe, exato, como uma luva!



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Saturday, July 29, 2017

DA GLÓRIA AO OSTRACISMO FOI UM PASSO

Carolina Maria de Jesus foi uma dessas pessoas que sentiram a realidade da miséria na carne. Dizem que seu livro, “Quarto de despejo”, publicado no início dos anos 60, é, até hoje, o maior best-seller brasileiro de todos os tempos, informação que não posso comprovar ou desmentir, por não contar com dados precisos a respeito. Mas esse diário de uma catadora de papéis, semi-analfabeta, negra, pobre e favelada, vendeu milhões de exemplares, foi traduzido para diversas línguas, deu projeção nacional e internacional à autora e fez com que, temporariamente, tivesse uma vida melhor. Mas, cruelmente, ela foi devolvida, em pouco tempo, à sua hedionda realidade e findou por morrer na miséria, a mesma com a qual conviveu a vida toda. O que foi feito com o fantástico lucro gerado por seu livro? Ninguém sabe e ninguém viu.


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Queda de uma ditadura é espetáculo patético


Pedro J. Bondaczuk


A queda de um ditador, se é verdade que se constitui em motivo de festa para os que creem na democracia e, principalmente, para o povo subjugado por ele, não deixa de ser um espetáculo patético. Traz uma série de lições sobre a natureza humana e sobre a fragilidade do poder. Não fossem os crimes e mazelas que esses caudilhos insensíveis cometeram, eles poderiam até ser dignos de piedade.

As ditaduras têm um período de apogeu, que é aquele momento perigoso em que geralmente os ditadores acabam sendo atacados por uma espécie de paranoia. A subserviência dos parasitas que orbitam em torno do poder, praticando toda a sorte de desatinos, encarcerando inocentes, torturando mulheres e velhos, e prendendo pessoas que ousam discordar de suas atitudes atrabiliárias, faz com que o caudilho ser sinta quase como um deus. Julga-se, então, senhor da vida e da morte de quem ouse se lhe opor. Os psiquiatras têm até um nome para essa patologia, mais disseminada do que se pensa: “hubris”. Ou seja, a pretensão de ser igual aos deuses.

O patetismo do fim de uma ditadura fica mais claro com o que está acontecendo atualmente nas Filipinas, onde o outrora todo poderoso Ferdinand Marcos vê o poder, que deteve a ferro e fogo por mais de vinte anos. Lhe fugir, como “um peixe escorregadio”, conforme define Garcia Marquez, por entre os dedos. Os que se locupletaram à sua sombra em duas décadas, confirmando a afirmação que os ratos são os primeiros a abandonar o navio, quando este está prestes a afundar, debandam um a um. Oportunistas e despidos de qualquer senso ético, bandeiam-se para a oposição, antes que não seja mais possível.

Alguns, mais cegos (ou talvez mais paranoicos), não enxergam o óbvio ao redor. Ainda acreditam serem dotados dos instrumentos atrabiliários que manejaram por anos e falam em resistência, sobretudo quando o presidente vem à televisão tartamudear: “Não tenho intenções de renunciar. Não tenho intenções de ceder a presidência. Não tenho intenções de comprometer a decisão do povo. Controlo os militares. Não vou abandonar a presidência”. Foi o que Ferdinand Marcos declarou em rede de TV para todo o país.

Patético, não é mesmo? E o caudilho arrematou, ladeado pela mulher, pelos filhos e netos: “Defenderemos a República até a última gota de nosso sangue”. Seria bom se ele não abandonasse mesmo as Filipinas, embora isso pudesse resultar em combates. Seria bom que o ditador fosse preso e julgado por sua infinidade de delitos, para que não escapasse impune, defendendo, de quebra, aquilo que os filipinos arrancaram com seus braços , em anos de trabalho, para gozar de uma agradável “aposentadoria” no exterior, como aconteceu com Jean-Claude Duvalier, no Haiti. Como aconteceu, também, com o déspota cínico e sanguinário, Jean-Bedel Bokassa, da República Centro-Africana, asilado atualmente em um castelo francês e que ainda tem o desplante de se queixar que a pensão vitalícia que o governo da França lhe dá é insuficiente para alimentar seus cinquenta e tantos filhos. Como, enfim, tantos outros, que acabaram colhendo incontáveis benefícios pelos crimes que cometeram.

Ferdinand Marcos parece não entender que o seu período de graça está terminando. Que da mesma forma com que se serviu do povo de seu país, os puxa-sacos que orbitaram ao seu redor se serviram dele para satisfazer seus propósitos. Não se deu conta que os tempos, hoje, são muito diferentes de quando assumiu o governo das Filipinas. Não há mais uma Guerra do Vietnã, a assustar os Estados Unidos. O avanço comunista na Ásia “empacou” no atoleiro do Camboja. A China, atualmente, não tem nenhum interesse de exportar nenhuma revolução e os soviéticos, na era de Gorbachev, estão mais preocupados em recuperar a falida economia interna do que em entrar em novas aventuras, como a do Afeganistão.

O mundo vive um novo momento e muito caudilho ainda não se apercebeu. Não foi por acaso que dois deles já “rodaram”, apenas no corrente ano. Outros serão, fatalmente, também levados de roldão e irão parar no esgoto da História. O estrebuchar de mais este regime de força parece muito com a luta de um louco para escapar de uma camisa-de-força. E o leitor há de convir: embora não seja digno de pena, não deixa de ser patético o por do sol de uma ditadura, não importa qual seja.



(Artigo publicado na editoria Internacional, do Correio Popular, em 25 de fevereiro de 1986).

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