Voto e democracia
Pedro J. Bondaczuk
O
sistema presidencialista de maior sucesso na história prepara-se para repetir,
no início de novembro, um ritual que nunca deixou de ser exercitado desde 1776.
A cada quatro anos, sejam quais forem as circunstâncias políticas, econômicas e
sociais vigentes, milhões de cidadãos têm acorrido às urnas para a escolha de
seu presidente.
O
notável é que nestes 216 anos circunstância alguma conseguiu interromper, ou
mesmo adiar, esta prática. É claro que nos referimos às eleições presidenciais
dos Estados Unidos. Elas são aquilo que mais se aproxima do conceito de
"democracia" no mundo contemporâneo. Aliás, trata-se do único país
com este sistema de governo --- pelo menos que vem de imediato à mente --- onde
essa escolha ocorreu com exemplar regularidade.
Seria
esta, todavia, a democracia ideal? Os Estados Unidos constituem uma sociedade
absolutamente vencedora, paradigma para os demais povos do mundo? Na ausência
de outra prática melhor, não deixa de ser caso para imitação. No entanto, está
longe, muito distante de se constituir num regime perfeito, que confira
igualdade de oportunidades a todos. Há enormes bolsões de miséria em meio à
opulência. Existe uma carga de preconceitos, especialmente raciais, intolerável
entre os norte-americanos. As comunidades afetadas são, sobretudo, a negra e a
hispânica.
O
país mais rico e poderoso do mundo atravessa um período de crise. A exemplo do
que ocorre no resto do Planeta, não se trata apenas de uma questão econômica. É
algo mais profundo, mais preocupante, mais perigoso. Entra nos terrenos moral,
político e estrutural.
É
o próprio capitalismo do "laissez faire" que passa por um severo
questionamento, agora que seu pólo oposto, seu antípoda, se revelou inadequado
e até desastroso como opção. A pergunta que se faz, amiúde, desde a espetacular
debacle do comunismo no Leste europeu, é se o sistema norte-americano, com toda
a sua excelência, é o substituto ideal para aqueles povos, que equilibre esses
países e os coloque na trilha do desenvolvimento sustentado, com justiça
social.
O
cientista político italiano, Norberto Bobbio, assinala: "A democracia,
admitamos, superou o desafio do comunismo histórico. Mas que meios e que ideais
ela tem para confrontar aqueles mesmos problemas dos quais nasceu o desafio
comunista?"
Está
aí o grande repto para os defensores do liberalismo autêntico, não o de
fachada. Não daquilo que se convencionou chamar de "capitalismo
selvagem", que se preocupa unicamente com a geração e acumulação de
riquezas, sem levar em conta o objetivo básico dessa prática, que seria o da
distribuição equitativa do que for gerado, para proporcionar conforto, bem
estar, saúde e evolução mental, se não a todos, pelo menos à maioria dos
homens.
Fica,
para reflexão, a observação do ensaísta Alan Ryan, quando constata: "Para
utilizar o jargão atual, não é preciso um cientista nuclear, muito menos um
marxista sofisticado, para perceber que existe algo de seriamente errado na
sugestão de que o capitalismo do 'laissez faire' triunfou sobre a alternativa
socialista. Por acaso triunfou?!
(Artigo
publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 13 de setembro de 1992).
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