Traições e surpresas
Pedro J.
Bondaczuk
O escândalo “Irã-Contras”, já apelidado por muitos meios
de comunicação de “Irangate”, numa evidente alusão a um outro “affaire”
escandaloso, verificado há 14 anos (o “Wattergate”) e que determinou a renúncia
do ex-presidente Richard Nixon, aparentemente está chegando aos seus momentos
culminantes.
Colocamos a questão no
condicional por uma razão muito simples. De acordo com matéria enviada de Nova
York pelo correspondente da agência UPI, Mark Schwed, esta questão já está
enchendo o público norte-americano. Quem disse isso, também, foi o jornalista
Ted Koppel, da rede ABC de televisão, que explicou: “Devo dizer que no meu modo
particular de ver essa história de Irã, as pessoas estão achando tudo isso mais
do que irritante. Quando produzimos nossas matérias sobre o caso, nossos
índices de audiência caem”.
O telespectador de lá, portanto,
é como o nosso, brasileiro. Gosta de ver ação em seu receptor de TV, embora
isso possa ser prejudicial à formação das crianças e até produzir mais
violência urbana, através do condicionamento que o vídeo, uma espécie de
poderoso olho hipnotizador, nos dá.
O norte-americano gosta mesmo de
grandes desastres de automóvel, tiroteios intermináveis, sucessões de golpes
violentos, quando não cenas picantes de sexo. É por isso que a televisão de lá,
e por conseqüência seus produtores de cinema, produzem tantos filmes destinados
a inteligências menores do que as de um macaco. Esse é um reflexo dos tempos
confusos e violentos em que vivemos.
Mas em relação ao “Irangate”, os
depoimentos públicos estão trazendo à luz da opinião pública (àquela minoria
esclarecida que lê jornais e revistas e procura sempre estar bem informada)
revelações dramáticas. É verdade que muita coisa já se desconfiava que fosse da
forma que se está revelando ser. Ou seja, que o presidente Ronald Reagan está
implicado até o pescoço no escândalo. Que o pivô de toda a operação foi o
tenente-coronel Oliver North, considerado herói nacional pelo mandatário. Que
inúmeros empresários, da ala mais conservadora do país, participaram ativamente
da arrecadação ilegal de fundos para os contras. Nada disso, portanto, chega a
ser tão dramático ou surpreendente.
Mas há revelações paralelas da
imprensa que são, no mínimo, chocantes. Como a do jornal The New York Times, na
semana passada, dando conta de que, enquanto o chanceler sandinista Miguel
D’Escoto Brockman, era recebido em Pequim com toda a pompa, os chineses estavam
embarcando mísseis Sam 7, de fabricação soviética, para os mercenários
treinados e financiados pelos Estados Unidos.
Aliás, toda essa questão merece o
rótulo que lhe foi dado anteontem pelo presidente da comissão investigadora do
Senado, senador Daniel Inouye, democrata do Estado do Hawaí: “É lamentável e
sórdida”. Tem traições, negociatas e inúmeros atos imorais procedentes de todas
a parte. Como o financiamento dado pela Arábia Saudita, pretensamente o mais
fiel aliado do Iraque no Golfo Pérsico, ao Irã (teoricamente seu inimigo), para
que o regime dos aiatolás pudesse pagar o armamento vendido pelos Estados
Unidos, que sequer têm relações diplomáticas com os persas.
Detalhes escabrosos, aliás,
deverão vir à tona, não tenham dúvidas. Depois ainda há quem estranhe que haja
tantos movimentos terroristas espalhados pelo mundo! Há quem critique a grande
massa por se alienar das questões políticas. Há quem queira dar lições de moral
ao público, deplorando, do alto de uma torre de marfim, determinados costumes e
comportamentos.
Por isso, só se pode dar razão ao
historiador britânico, Arnold Toynbee quando afirma que a civilização ocidental
está em franco declínio e caminha para a extinção do seu ciclo. Escândalos como
este e como outros tantos, talvez até piores, mas que acabam sendo encobertos
por uma pesada cortina de silêncio, mais do que justificam o desabafo de Alvin
Toffler, quando diz: “Não é apenas a cólera que os cidadãos sentem hoje em
relação aos líderes políticos e oficiais, mas desgosto e desprezo”.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 7
de maio de 1987).
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