Tuesday, January 10, 2017

Traições e surpresas



Pedro J. Bondaczuk


O escândalo “Irã-Contras”, já apelidado por muitos meios de comunicação de “Irangate”, numa evidente alusão a um outro “affaire” escandaloso, verificado há 14 anos (o “Wattergate”) e que determinou a renúncia do ex-presidente Richard Nixon, aparentemente está chegando aos seus momentos culminantes.

Colocamos a questão no condicional por uma razão muito simples. De acordo com matéria enviada de Nova York pelo correspondente da agência UPI, Mark Schwed, esta questão já está enchendo o público norte-americano. Quem disse isso, também, foi o jornalista Ted Koppel, da rede ABC de televisão, que explicou: “Devo dizer que no meu modo particular de ver essa história de Irã, as pessoas estão achando tudo isso mais do que irritante. Quando produzimos nossas matérias sobre o caso, nossos índices de audiência caem”.

O telespectador de lá, portanto, é como o nosso, brasileiro. Gosta de ver ação em seu receptor de TV, embora isso possa ser prejudicial à formação das crianças e até produzir mais violência urbana, através do condicionamento que o vídeo, uma espécie de poderoso olho hipnotizador, nos dá.

O norte-americano gosta mesmo de grandes desastres de automóvel, tiroteios intermináveis, sucessões de golpes violentos, quando não cenas picantes de sexo. É por isso que a televisão de lá, e por conseqüência seus produtores de cinema, produzem tantos filmes destinados a inteligências menores do que as de um macaco. Esse é um reflexo dos tempos confusos e violentos em que vivemos.

Mas em relação ao “Irangate”, os depoimentos públicos estão trazendo à luz da opinião pública (àquela minoria esclarecida que lê jornais e revistas e procura sempre estar bem informada) revelações dramáticas. É verdade que muita coisa já se desconfiava que fosse da forma que se está revelando ser. Ou seja, que o presidente Ronald Reagan está implicado até o pescoço no escândalo. Que o pivô de toda a operação foi o tenente-coronel Oliver North, considerado herói nacional pelo mandatário. Que inúmeros empresários, da ala mais conservadora do país, participaram ativamente da arrecadação ilegal de fundos para os contras. Nada disso, portanto, chega a ser tão dramático ou surpreendente.

Mas há revelações paralelas da imprensa que são, no mínimo, chocantes. Como a do jornal The New York Times, na semana passada, dando conta de que, enquanto o chanceler sandinista Miguel D’Escoto Brockman, era recebido em Pequim com toda a pompa, os chineses estavam embarcando mísseis Sam 7, de fabricação soviética, para os mercenários treinados e financiados pelos Estados Unidos.

Aliás, toda essa questão merece o rótulo que lhe foi dado anteontem pelo presidente da comissão investigadora do Senado, senador Daniel Inouye, democrata do Estado do Hawaí: “É lamentável e sórdida”. Tem traições, negociatas e inúmeros atos imorais procedentes de todas a parte. Como o financiamento dado pela Arábia Saudita, pretensamente o mais fiel aliado do Iraque no Golfo Pérsico, ao Irã (teoricamente seu inimigo), para que o regime dos aiatolás pudesse pagar o armamento vendido pelos Estados Unidos, que sequer têm relações diplomáticas com os persas.

Detalhes escabrosos, aliás, deverão vir à tona, não tenham dúvidas. Depois ainda há quem estranhe que haja tantos movimentos terroristas espalhados pelo mundo! Há quem critique a grande massa por se alienar das questões políticas. Há quem queira dar lições de moral ao público, deplorando, do alto de uma torre de marfim, determinados costumes e comportamentos.

Por isso, só se pode dar razão ao historiador britânico, Arnold Toynbee quando afirma que a civilização ocidental está em franco declínio e caminha para a extinção do seu ciclo. Escândalos como este e como outros tantos, talvez até piores, mas que acabam sendo encobertos por uma pesada cortina de silêncio, mais do que justificam o desabafo de Alvin Toffler, quando diz: “Não é apenas a cólera que os cidadãos sentem hoje em relação aos líderes políticos e oficiais, mas desgosto e desprezo”.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 7 de maio de 1987).

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