Reformas
são oxigênio social
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente soviético, Mikhail Gorbachev, ao assumir o poder, em março de 1985,
com a morte de Constantin Chernenko, compreendeu até que ponto ia a diferença
entre o dogma socialista que aprendeu nos bancos escolares e nas doutrinações
ideológicas e a prática.
Na
teoria, o sistema vigente em seu país tinha tudo para funcionar. Era o
supra-sumo da perfeição, a instituição do Paraíso na Terra. Todos teriam acesso
à educação, à saúde, ao trabalho, à habitação e, felizes e realizados, seriam
produtivos, gerando riquezas que seriam partilhadas pela totalidade dos
cidadãos, sob as bênçãos do Estado soberano, numa sociedade sem classes, e por
isso sem lutas entre elas. Todavia, entre a teoria e a prática, entre a
retórica e a realidade existe uma distância enorme.
Em
pouco tempo o novo líder do Cremlin percebeu que aquilo que lhe ensinaram ser
democracia, era na verdade sua antítese. Que a cidadania se incorporava ao
sistema não por vontade própria, deliberadamente, mas mediante ameaças,
intimidações, prisões arbitrárias e trabalhos forçados.
Tratava-se,
pois, de uma ditadura em sua mais clássica definição. De paradisíaco não tinha
nada e era o mais odioso dos infernos. Não representava a preponderância
absoluta do proletariado, conforme apregoava o partido único, com seus
"diktats", verdadeiros dogmas para serem seguidos e nunca discutidos,
mas "sobre" ele.
Não
tardou, também, para que Mikhail Gorbachev entendesse o quanto havia de falso
na afirmação de que o Estado soviético havia criado uma sociedade sem classes,
igualitária, onde todos tinham idêntica liberdade e absoluta igualdade de
oportunidades. Pelo contrário.
Uma
elite de burocratas dispunha de todos os privilégios num país que, à exceção de
uma desproporcional força militar, o que havia para socializar era somente a
miséria. A cúpula do Partido Comunista, cujos líderes eram cultuados como
"deuses" revolucionários, contava com luxos e regalias que sequer os
czares jamais haviam tido. Tudo em nome do socialismo.
Três
classes estavam bem definidas: a dos que ocupavam cargos de direção no PC, a
dos militares e a do povo em geral. Esta última sim dispunha de igualdade: de
sofrimentos, carências e submissão. Era evidente para Gorbachev --- e o seria
para qualquer homem inteligente que se recusa a se aferrar a dogmas e deixar de
pensar --- a diferença entre o discurso socialista e a prática.
A
União Soviética era um país de fantasia, fora da realidade. Caminhava para o
abismo, para a dissolução, e pouca gente se dava conta disso. E aqueles que
percebiam esse fato não tinham coragem de falar, para não acabarem em algum dos
tantos "gulags" de que o país era farto, quando não em um manicômio
judiciário.
Qual
a solução para isso? A verdade, nua e crua, com todas suas implicações!
Mudanças profundas, não somente de conceitos, mas sobretudo de comportamento.
Gorbachev constatou, em seu livro "Perestroika", hoje um verdadeiro
clássico e "best-seller" mundial, que "a reforma política é o
oxigênio de que o organismo social necessita para viver". E aquele corpo
corrompido, cuja direção passou a lhe caber, o soviético, estava moribundo,
asfixiado de tanto dogma e de tanta corrupção.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de março de
1991).
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