Poesia é feita com
palavras
Pedro
J. Bondaczuk
O que é, ao fim e ao
cabo, a poesia? Há uma infinidade de definições desse gênero pioneiro e nobre
da Literatura. Algumas são tão extensas que chegam a configurar (sem exagero)
verdadeiros ensaios e, ainda assim, não captam sua abrangência. Outras pecam pela
ambiguidade (pudera!). Mas, entre as tantas definições que conheço, prefiro a
seguinte, do filósofo da arte e poeta francês Paul Valery, por sua óbvia
objetividade: "Poesia é a tentativa de representar ou de restituir por
meio da linguagem articulada aquelas coisas ou aquela coisa que os gestos, as
lágrimas, as carícias, os beijos, os suspiros procuram obscuramente
exprimir". Ou seja, é uma obra literária que tem, como matéria-prima
essencial, “a palavra”. Seu uso inadequado, ou relaxado, “camufla” a emoção que
inspirou o poema e não traduz, portanto, com a exatidão pretendida o que o
poeta desejou exprimir.
O leitor mais crítico
certamente observará (não sem completa razão): “Espera aí, meu! A comunicação,
seja ela qual for (e não necessariamente a literária) não depende
umbilicalmente da palavra para cumprir seu objetivo, o do entendimento entre
duas ou mais pessoas?!”. Claro que sim! Comunicar-se por gestos pode, até,
eventualmente, funcionar. Mas raramente é eficaz. Eu diria que nunca. Mas...
Se, na comunicação objetiva, de um fato, de um pensamento, de um desejo, ou
seja lá do que for, ela é essencial, imaginem para coisas subjetivas e
abstratas como emoções e sentimentos!!!
Ambroise-Paul-Toussaint-Jules
Valery (nome completo do poeta simbolista francês e filósofo da arte, nascido
em Sete em 30 de outubro de 1871 e falecido em Paris, em 20 de julho de 1945),
justifica assim sua definição: "O poeta é uma espécie singular de
tradutor, que traduz o discurso ordinário em ‘linguagem dos deuses’. Seu trabalho
interno consiste não em procurar palavras para suas idéias, mas em procurar
idéias para suas palavras e seus ritmos predominantes". Admito que nem
todos pensam como ele. Um dos que divergem de Valery é o escritor Érico
Veríssimo. Em determinado trecho do capítulo 14 do seu romance “Olhai os lírios
do campo”, o festejado romancista gaúcho escreve: “Aí está... A verdadeira
poesia é a poesia da máquina, da pedra, dos arranha-céus. Nova York é um poema
de pedra e cimento armado – mas não se trata de poesia feita de palavricas
açucaradas e sim de expressões duras e fortes como o aço. E flexíveis também”.
Érico, todavia,
refere-se, certamente, à poesia latente, a que existe por toda a parte, mas que
nem todos conseguem captar, quanto mais consubstanciar de forma concreta,
racional e inteligível, em texto. Mesmo esta (ou principalmente esta) precisa
de palavras para se concretizar e,
objetivamente existir. Em reforço, todavia, à definição de Paul Valery, pincei
duas declarações de Victor Hugo (de seu livro, um tanto raro, “William
Shakespeare”, lançado no Brasil pela Editora Campanário). A primeira é esta: “O
poeta na verdade faz mais do que contar, ele mostra. Os poetas têm em si um
refletor, a observação, e um condensador, a emoção; daí esses grandes espectros
luminosos que saem do cérebro deles, e que se vão flamejando para sempre na
tenebrosa muralha humana”. A segunda é mais obscura, mas nem por isso menos
real. Diz: “Deixemos passar a lógica de Deus. É nessa lógica que o poeta bebe a
sua fantasia”. Mas tudo isso só pode ser expresso, insisto, com palavras. E,
quando não houver nenhuma que se adéqüe ao que se propõe a expressar, o poeta
recorre á criação de neologismos lógicos, coerentes e inteligentes, ou, como
faz mais vezes, lança mão de metáforas adequadas, enfáticas e expressivas.
Paul Valery escreve, no
ensaio “Poesia e pensamento abstrato”: "O poeta desperta no homem através
de um acontecimento inesperado, um incidente externo ou interno: uma árvore, um
rosto, um ‘motivo’, uma emoção, uma palavra. E às vezes é uma vontade de
expressão que começa a partida, uma necessidade de traduzir o que se sente; mas
às vezes é, ao contrário, um elemento de forma, um esboço de expressão que
procura sua causa, que procura um sentido no espaço da minha alma... Observem
bem esta dualidade possível de entrada em jogo: às vezes, alguma coisa quer se
exprimir, às vezes, algum meio de expressão quer alguma coisa para
servir". E não é? Fico pensando o que Valery diria caso lesse estes meus
óbvios comentários.
Suponho que diria algo
parecido ao que escreveu em seus “Cadernos”, sob o título de “A síntese da
poesia”:
“Zombam
de você,
que
tentou fazer
a
síntese da poesia.
Eles
têm razão,
mas
você também não está errado”.
Pelo menos espero não
estar
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