Mercado de valores
Pedro
J. Bondaczuk
A evolução material e
espiritual dos povos é diretamente proporcional aos valores que criam, testam e
consolidam. Alguns são perpétuos, posto que ambíguos, como verdade, justiça,
liberdade, solidariedade e vai por aí afora. Outros, envelhecem e são ultrapassados.
Caem no esquecimento em duas ou três gerações.
Há ocasiões em que se
derrubam valores e não se criam novos que os substituam. Nelas, a humanidade
regride até quase a barbárie. Em outras, contudo, gerações brilhantes e
criativas multiplicam princípios, idéias e conceitos e legam à posteridade um
bem que é inestimável. A história caminha, pois, com os passos de um bêbado: um
para frente e dois para trás. E assim vamos nós.
André Malraux escreveu:
“Entre 18 e 20 anos, a vida é como um mercado onde se compram valores, não com
dinheiro, mas com atos. A maior parte das pessoas não compra nada”. Concordo
com ele, em termos. Ou seja, apenas parcialmente. Essa aquisição de princípios
acontece não apenas na idade que ele citou, mas em todas as outras. Vivemos
“comprando valores” que norteiem nossos passos e nos façam proceder melhor, com
mínima coerência, na bolsa da vida.
São raras, por exemplo,
as verdades absolutas, aceitas unanimemente, sem nenhuma contestação, dadas sua
lógica e clareza. A maioria dos conceitos tidos como verdadeiros por uns, é
contestada por outros, e isso vale tanto em questões de moral, quanto de
comportamento, de ciência, de arte etc.etc.etc.
Muitos princípios
científicos, por exemplo, tidos, por longo tempo, como exatos, um dia são
derrubados por novas descobertas. Por milênios os homens acharam que a Terra
fosse plana, como uma mesa, e que o sol e as estrelas giravam ao seu redor.
Hoje, qualquer criança recém-alfabetizada sabe que isso não é verdade.
Muitas das ações
consideradas morais (não confundir com legais), em passado não muito distante,
hoje são consideradas o oposto, e vice-versa. Uma delas? A escravidão! Outro aspecto a se considerar é que há
pessoas que atribuem valor excessivo à inteligência, como se ela fosse infalível.
Acham, por essa razão,
que ela jamais as induzirá ao erro. Não é bem assim. Quanto mais inteligente
uma pessoa for, maiores serão as possibilidades de se equivocar, já que a
quantidade de assuntos sobre os quais irá refletir é infinitamente mais ampla do
que a do néscio. Este pensa pouco e, por isso, não erra tanto.
Afinal, o que vem a ser
a tão decantada inteligência? Por definição, não é nada mais que a capacidade
de “entender” o que nos cerca, (tanto o concreto, quanto o abstrato). E o
entendimento, convenhamos, não é infalível e sequer sinônimo de sabedoria.
Os verdadeiros
inteligentes conferem mil vezes ou mais o que veem, ouvem ou leem, antes de
chegarem a qualquer conclusão. Desconfiam de armadilhas que possam estar
escondidas atrás dos fatos e que os induzam a erros (e não raro, induzem
mesmo).
O que ambicionamos,
mesmo, é reproduzir, na Terra toda, o bíblico Jardim do Éden. E há algum mal
nesse desejo, nesse sonho, nessa utopia, nessa idealização? Claro que não! O
errado é nos limitarmos a sonhar com o Paraíso, sem nada fazer para que tudo
não se limite ao terreno abstrato dos sonhos. Temos é que agir. Temos que
perpetuar os valores que herdamos e os multiplicar “ad infinito”. Temos que
“viver” a justiça, e não apenas falarmos dela.
A rigor, cada pessoa
imagina o Paraíso de uma forma diferente, peculiar, própria, de acordo com seus
gostos e anseios. Para uns, trata-se de um lugar de eterna alegria, de
absoluta, completa e ininterrupta confraternização entre todas as pessoas e
todas as espécies, sem dores, injustiças e nem maldades.
Para estes, ali o leão
é manso como um gatinho e brinca de apostar corrida com o cordeiro e não há
hierarquias ou poder. Ademais, ninguém pensa em passar quem quer que seja para
trás. Para outros, porém, o Paraíso é uma festa sem fim, com as melhores
comidas e bebidas, onde tudo é perfeito e belo.
As maneiras de pintar
esse lugar ideal, do qual a morte terá sido banida, como se vê, têm milhões,
quiçá bilhões de versões, materiais ou espirituais, dependendo de quem o
imagina. Um dos caminhos para se chegar a essa utópica sociedade (talvez o
único, sabe-se lá) é justamente a criação, o cultivo e a vivência de valores.
Que eles, portanto, não
fiquem, apenas, no terreno da teoria ou das boas-intenções. Que sejam
plenamente exercitados, se não por todos (já que a unanimidade é praticamente
impossível, quando não burra), pelo menos por uma expressiva maioria.
Mas todos têm, bem no
íntimo, a sua versão particular de mundo ideal.
Da minha parte, às vezes sou tentado a projetar o Paraíso da mesma forma
que Jorge Luís Borges, que escreveu: “Sempre imaginei que o Paraíso será uma
espécie de biblioteca”. Quem sabe se não é? Confesso que me satisfaria,
razoavelmente, se fosse apenas isso. Enquanto meu sonho não se concretiza,
todavia, sigo, como aplicado investidor, “comprando valores na bolsa da vida”.
Até quando?!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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