Sunday, January 22, 2017

Perguntas da vida


Pedro J. Bondaczuk


Gosto dos idealistas, das pessoas de coração puro, dos que nunca se omitem e daqueles que jamais se deixam abater pelo desânimo e pelo derrotismo, mesmo nas piores e mais dramáticas circunstâncias da vida. Procuro acalentar esse ideal de solidariedade, grandeza de espírito e justiça, e tentar realizá-lo, a despeito da minha insignificância e dele parecer, cada vez mais, à medida que o tempo passa, utópico e irrealizável.

Minha esperança é como a daquele personagem de Machado de Assis, que previa uma incrível era de felicidade na Terra e que assegurava: “Os tempos serão retificados. O mal acabará; os ventos não espalharão mais, nem os germes da morte, nem o clamor dos oprimidos, mas tão somente a cantiga do amor perene e a bênção da universal justiça”.

Este é um ideal, convenhamos, pelo qual vale a pena viver e, se preciso, até mesmo morrer, para que os que amamos gozem, finalmente, das suas benesses. Considero-me um lutador, desses tinhosos, que nunca se dão por vencidos. Como um boxeador aguerrido, vou muitas vezes à lona. Mas quando o árbitro chega a oito, em sua contagem para declarar o vencedor, e o adversário já comemora o nocaute, ergo-me novamente e parto para a luta. Posso perdê-la, sem dúvida, pois não sou nenhum super-homem, mas procuro fazê-lo com honra, por pontos, e nunca através de um golpe definitivo que me suprima os sentidos.

Quando criança, diziam que eu era um moleque “marrudo”. Era desses garotos que nunca abaixam a crista para ninguém. Não que fosse mal-criado, pois meus pais exigiam que sempre respeitasse os mais velhos. Contudo, jamais levava qualquer desaforo para casa, fosse de quem fosse. Hoje já faço parte da turma do “deixa disso”, mas nem sempre.

Lembro-me de um episódio que diz bem da minha personalidade tinhosa. Na primeira escola que estudei, ainda menininho, havia um sujeito grandão que se impunha a toda a meninada na base da pancada. Todos o temiam e, no recreio, sempre gostava de dar alguns cascudos em um ou outro menino, menor do que ele. Ninguém tinha coragem de denunciá-lo à professora. “Seria pior”,  todos argumentavam.

Um dia, nem sei porque, cismei de encarar o valentão. Claro que tomei uma surra histórica, dessas de deixarem lembranças por semanas. Não me dei por vencido. Durante um tempão, todos os dias, provocava o tal xerifão para briga e o resultado era sempre o mesmo. Eu apanhava mais do que boi ladrão, quando invade uma horta para comer alface! Vivia machucado e meus pais atribuíam isso ao fato de eu ser muito “desastrado”. Mas nem me passou pela cabeça em desistir. Cismei porque cismei que tinha que derrotar aquele sujeito, não importava como e nem quando, nem que para isso tivesse que perder um olho, vários dentes e algumas costelas.

Até já havia virado rotina na escola. Dava o horário de recreio, e lá ia eu brigar com o tal bam-bam-bam. E apanhar, claro! Mas a molecada me respeitava, por minha suposta coragem. Até que um dia, nem mesmo sei como, acertei um soco preciso, exato, medido, que levava toda a força da minha raiva e da minha frustração, bem na pontinha do queixo do valentão. E este desabou como um saco de batatas. Aproveitei o ensejo, quando, surpreso, o adversário estava grogue, sem qualquer reação, para subir sobre ele e desferir-lhe uma saraivada de golpes, até que nos apartassem. Para minha infelicidade, quem apartou foi justamente a diretora. Mais essa!

E eu, que havia apanhado do tal sujeito por semanas, sem que ninguém da direção da escola soubesse ou sequer desconfiasse, fui suspenso, na única vez em que fui o vencedor, e tive que me entender com o meu pai que, creiam, não me presenteou com nenhuma medalha ou troféu. A partir desse dia, o tal xerifão nem passava perto de mim. Cortava volta. Claro que fiquei popular entre a meninada. Mal esse pessoal sabia que eu esperava, com medo enorme, a vingança do grandão que, para a minha felicidade, nunca aconteceu. Ele era mais forte, mas não tão “marrudo” quanto eu.

O interessante de toda essa história é que, passado um ano, conversamos numa boa, como duas pessoas civilizadas. E percebemos que tínhamos infinitamente mais coisas em comum  do que diferenças. Tornamo-nos amigos inseparáveis, “unha e carne”, conforme se costuma dizer. Desde então, jamais trocamos uma única palavra áspera sequer. Posso dizer que essa tem sido a amizade mais sólida e duradoura de toda a minha vida. Nenhum outro amigo mostrou tanta lealdade, tamanho afeto, tão grande solicitude quando aquele ex-verdugo da minha tenra infância. A vida é mesmo gozada, concordam?  

A derrota de hoje pode se transformar, como num passe de mágica, no sucesso de amanhã. O mesmo vale em relação às tristezas, frustrações e a tudo o que nos chateia e deprime em determinada ocasião. Por isso, recuso-me a ser pessimista e a manifestar desencanto com o mundo, mesmo face tanta patifaria e sacanagem com que topo no meu cotidiano. Evito de questionar a vida e descobrir os desnecessários “porquês”. Pode parecer alienação, mas não é. É idealismo! Nunca me sai da memória uma frase que li há anos, atribuída a Aristóteles, que diz: “O melhor é sair da vida como de uma festa: nem sedento, nem bêbado”. É o que procuro sempre fazer. Ou seja, nunca me embriagar com o sucesso. Mas, em contrapartida, também jamais deixar um ideal para trás, que me deixe “sedento” de alcançá-lo. Marrudo, como sou, tento, tento e tento obtê-lo, até que consiga. E dificilmente deixo de conseguir.

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