Emoção e razão
Pedro
J. Bondaczuk
As pessoas mudam, com o
passar dos anos, e não somente na aparência, com o progressivo envelhecimento,
mas em praticamente todos os aspectos daquilo que são. Gostos, reações e
maneiras de encarar o mundo se alteram, ao sabor das circunstâncias e das
experiências que temos. Nem sempre, todavia, essas mudanças são para melhor.
Não raro, significam mais deterioração do que eventual espécie de evolução.
Estas considerações vêm
a propósito de um pedido (por sinal, bastante estranho), feito por um leitor,
através de e-mail. Ele solicitou (vejam só!) que eu traçasse meu próprio perfil
psicológico. Não vejo razão para isso – afinal, não sou tão importante a ponto
de merecer tamanha atenção –, até porque sou uma soma de vários “Pedros”, que
foram se incorporando àquele menino ingênuo e deslumbrado, que há mais de meio
século deixou sua Horizontina natal, em busca de experiências, conhecimentos e
oportunidades.
Para não dizerem,
todavia, que estou fugindo da raia, posso dizer que sou um misto de emoção e
razão. “Isso não vale!”, pode reclamar, irritado, meu insistente interlocutor.
“Todas as pessoas são a soma dessas duas características”, acrescentaria o
curioso leitor. De fato. Mas há infinitas graduações na personalidade de cada
pessoa, a ponto de não existirem duas que sejam rigorosamente iguais. E,
reitero, elas variam ao longo do tempo, ao sabor das experiências e das
circunstâncias.
Mudei, e muito, no
correr dos anos. Um exemplo (mesmo que não seja dos mais inteligentes, mas nem
por isso menos revelador)? Quando criança, eu detestava jiló. Minha mãe, quando
queria castigar minha incompreensível (para ela) rebeldia e imensa (conforme
garantia) teimosia, preparava esse “acepipe” (para alguns), para meu supremo
desgosto e indefectível chateação. Com o tempo... nem precisava mais preparar a
“guloseima”. Bastava ameaçar de fazê-lo e conseguia me controlar.
Os anos passaram, meu
gosto mudou bastante (não sei se para pior ou melhor, já que se trata de
avaliação bastante subjetiva), adquiri milhares de quilômetros rodados...
Enfim, meus conceitos e preferências, hoje, são bastante diferentes daqueles
saudosos e verdes anos. E o jiló, que tanto detestei quando menino, é,
atualmente, um dos meus pratos preferidos! Como explicar tamanha mudança? Creio
que não haja explicação.
Recebi uma educação
racional, diria cartesiana, baseada, principalmente, na lógica. Fosse me
comportar com base na forma como fui educado, seria um sujeito todo razão
(inteligência), que Fernando Pessoa classifica de “realista”. Ocorre que não
sou robô, programado para executar determinadas tarefas, de uma certa maneira,
que não muda jamais.
Com o tempo, e com a
predominância dos hormônios sobre os neurônios, na louca e descomprometida
juventude, tornei-me um feixe ambulante de emoções. Reagia conforme os
sentimentos do momento, sem muito raciocínio ou reflexão. Os anos foram
passando e minha personalidade foi sendo moldada conforme as circunstâncias que
tive de encarar. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Continuei emotivo, sem
dúvida, mas com o necessário tempero do raciocínio.
A emoção pura,
instintiva, é sentimento. É reta, direta, específica, quente e subjetiva.
Engendra as artes, notadamente a poesia. Já a razão é inteligência, no sentido
lato, o da capacidade de entender tudo o que nos cerca e o que sentimos. É
circular, indireta, genérica, fria e objetiva. É a ferramenta do cientista e
dos que elaboram obras materiais, nem sempre devidamente valorizadas, mas
indispensáveis ao padrão de vida dito civilizado.
Qual dos dois é mais
importante? Diria, ambos. Tanto a emoção, quanto a razão, desde que bem
dosados, são essenciais a uma pessoa equilibrada e, portanto, sábia.
Provavelmente nem os robôs conseguem ser racionais, e só racionais, o tempo
todo. Bela parábola nesse sentido é a trajetória de Andrew, personagem vivido
por Robin Williams, no filme “O homem bicentenário” (“Bicentennial man” em
inglês), dirigido por Chris Columbus que contou, também, no elenco, com as
interpretações de Sam Neil e Embeth Davidtz.
O enredo foi inspirado
em duas histórias do mestre da ficção científica, Isaac Asimov, fundidas numa
só. Ou seja, no livro “The positronic man” (creio que não tenha sido traduzido
para o português”) e no conto “O homem bicentenário”, que deu título à
película.
O robô Andrew, da série
NDR-14, foi projetado para servir os humanos. Todavia, não se sabe por qual
motivo, se por defeito ou em decorrência de evolução, se afeiçoou à família à
qual servia. E a afeição evoluiu de tal maneira, que lhe valeu o certificado
que tanto aspirava: o de humano. Ou seja, conheceu e passou a ter emoções. Com
isso, ganhou, até, “o direito de morrer”, como qualquer outra pessoa, como eu,
como você, como Barak Obama, como Donald Trump, como Shimon Peres...
Embora todos tenhamos
(posto que em diferentes graduações, reitero), tanto emoção, quanto razão, em
determinadas pessoas (e em certas ocasiões), uma predomina sobre a outra.
Fernando Pessoa vê, nisso, resultados diferentes. “Os realistas realizam
pequenas coisas, os românticos, grandes. Um homem deve ser realista para ser
gerente de uma fábrica de tachas. Para gerir o mundo deve ser romântico. É
preciso um realista para descobrir a realidade; é preciso um romântico para
criá-la”, afirma o poeta dos heterônimos.
O meu lado racional
contribuiu para que eu fosse jornalista. O emocional, fez de mim um poeta. E
não abro mão de nenhuma dessas duas características. Satisfeita a sua
curiosidade a meu respeito, insistente leitor? Provavelmente não! Mas é o
máximo do que sei e posso revelar a meu respeito...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment