Os quatro motores
Pedro J.
Bondaczuk
“A nave espacial Terra é movida
por quatro motores associados e, ao mesmo tempo, descontrolados: ciência,
técnica, indústria e capitalismo”. Esta lúcida (e oportuna) observação foi
feita por um dos maiores intelectuais da atualidade que, em julho de 2016 completou
95 anos de idade, e que segue firme e forte na inglória tarefa de tentar
esclarecer os néscios e, sobretudo, os que têm o poder e a prerrogativa da
tomada de decisões. Refiro-me ao francês Edgar Morin, homem de espírito
arejado, que soube se adaptar aos tempos atuais e usufrui, sem cerimônia, do
que a tecnologia tem de melhor.
Sou seu admirador incondicional
e, apesar da complexidade dos temas que aborda, “devorei” a maioria dos 50
livros que escreveu. Identifico-me de tal sorte com o seu pensamento, que não
deixei de citar suas observações em praticamente nenhuma das tantas palestras
que fiz tempos atrás por aí.
Sheila Grecco escreveu o seguinte
a seu respeito: “Edgar Morin detesta os estudiosos apocalípticos, assiste sem
preconceitos as telenovelas, gosta de western, usa laptop para escrever, navega
pela internet, tem paixão pelo Carnaval e pelas mulheres brasileiras, ri da
tecnoburocracia científica e, apesar disso ou exatamente por isso é um dos
maiores intelectuais franceses em atividade”. Eu diria que é um dos maiores não
somente da França, mas de todo o mundo, entusiasmos a parte.
Morin fez a observação, com que
abro mais este nosso periódico bate-papo, este tête-a-tête que para mim é tão agradável (espero que também o seja
para os leitores), em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 31 de
março de 2002, intitulado “Por uma globalização plural”. O grande problema, que
faz a espaçonave Terra vagar sem rumo, é que seus quatro motores se resumem, na
verdade, num só: capitalismo. Os outros três lhe estão subordinados por
completo. Ou seja, servem à minoria, ao um terço da população do planeta, que
subjuga, escraviza, domina e explora os outros dois terços.
Isso pode funcionar (como, de
fato, vem funcionando) por um certo tempo. Mas, por quanto? Antes que me colem
algum rótulo na testa, me apresso em revelar que não sou e nunca fui adepto do
comunismo. Não, pelo menos, daquele arremedo caricato de socialismo que existiu
na extinta União Soviética, entre 1917 e 1991. A falida e ora desmantelada
URSS nunca foi comunista. Não teve um único dos princípios básicos propostos
pelos criadores dessa tão sonhada utopia. Erich Fromm demonstrou isso, de
sobejo, em seu livro “A revolução da esperança”. Provou, por a + b, sem sombra
de dúvidas, que ali o que existiu foi uma das formas mais distorcidas e
perversas de capitalismo: o de Estado. Tratou-se de mero Estado policial. Não
poderia dar certo mesmo, como, de fato, não deu.
Para que a espaçonave Terra
pudesse seguir num rumo ordenado e lógico, teria, pois, que trocar um dos
motores. E substituí-lo por dois outros: o da solidariedade e o da justiça
social. Nem é necessário designar qual deveria ser o substituído. Claro que é o
deste vicioso, perverso e vil capitalismo selvagem, que fabrica famintos,
desesperados, irados e sem perspectiva zumbis, mortos-vivos sem objetivos e sem
esperança, aos bilhões. Utopia? Claro! Nenhum ser humano inteligente e
bem-informado vive sem uma!
E como seria feita essa “troca de
motores”? Edgar Morin recomenda que por meio da educação. Que se faça mediante
profunda mudança de mentalidade, através de um sincero, honesto e pragmático
diálogo entre o um terço privilegiado e os dois terços explorados dos
tripulantes e passageiros desta tão especial espaçonave. Afirma, em determinado
trecho do referido artigo: “Defendo que a educação do futuro deverá velar a
idéia da unidade da espécie humana, unidade que não encobre a sua diversidade e
diversidade que não encobre a sua unidade. Há uma unidade humana, que não é
dada somente pelos traços biológicos do homo sapiens. A diversidade não é
somente marcada pelos traços psicológicos, culturais, sociais do ser humano.;
Há uma diversidade biológica no seio da humanidade, há uma unidade não somente
cerebral, mas mental, psicológica e afetiva”.
Isto ainda é possível? Claro que
sim! Mas a troca de motores tem que ser feita com urgência urgentíssima,
precisa começar já, antes que o rumo equivocado da espaçonave Terra se torne
irreversível. Está claro, claríssimo para qualquer pessoa minimamente lúcida,
que o planeta está em rota da catástrofe. Não precisa ser nenhum apocalíptico
para perceber isso (e Morin nunca foi).
A cupidez desmesurada do um terço
privilegiado já causou danos, nas últimas três ou quatro gerações, que talvez
nem tenham mais conserto. E não me refiro aos prejuízos e desajustes sociais,
mas à depredação irresponsável e insensata do meio-ambiente. O efeito-estufa já
está aí, provocando desastres e mais desastres climáticos, para todo o mundo
ver e sentir. Mas as grandes corporações não estão nem aí para esses danos.
Continuam emporcalhando, depredando, destruindo o solo, as águas e, sobretudo,
o ar que garantem a vida tanto para os exploradores quanto para os
explorados.
Estamos longe, muito longe,
distantes anos-luz, portanto, do ideal exposto por Edgar Morin, em seus livros,
artigos, entrevistas e conferências. Ele próprio declara isso: “Ainda não
existe sociedade civil mundial e a consciência de que somos cidadãos da
Terra-Pátria é dispersa, embrionária. Ou seja, temos as infra-estruturas, mas
não as super-estruturas”. Ainda há tempo! Temo, todavia, que já possa ser um
tanto tarde. Certamente voltarei a esse instigante assunto.
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