No princípio era o verbo...
Pedro J. Bondaczuk
O
meu mundo é o das palavras. Pesquiso-as, sorvo-as, bebo-as, uso-as, faço delas
minha voz, minha vez, minha forma de ser e de dizer presente diante dos meus
pares. São meu instrumental, meu ar, minha luz intelectual, o alimento do meu
espírito, a matéria-prima dos meus sonhos, dos meus versos, das minhas elucubrações.
São a minha forma de ganhar o pão sagrado e indispensável de cada dia. São meu
credo, meu objetivo, minha alegria e minha preocupação. Desde que surgiu o
primeiro ser inteligente no mundo, vivemos por palavras, lutamos por palavras,
morremos por palavras.
Os
grandes líderes da espécie humana, os guardiões do sagrado ou do profano; os
mestres sublimes como Cristo, Buda, Maomé, Lincoln, Gandhi; ou os verdugos do
gênero humano, como Alexandre, Júlio César, Átila, Napoleão ou Hitler; os
poetas e os profetas; os filósofos e os feiticeiros; os disseminadores das
ciências e os arautos do obscurantismo fizeram delas o seu instrumental de luz
ou de trevas, de liberdade ou de opressão, de inteligência ou de ignorância. de
grandeza ou de miséria.
Nunca
vou me cansar de lê-las, de estudá-las, de aprendê-las, de dissecá-las, de
entendê-las, de utilizá-las para dar corpo aos meus sonhos. E como são
caprichosas! Como são mutantes, volúveis, instáveis, sensíveis! Pablo Neruda
lembrou, em um magistral poema: "Uma idéia inteira muda porque uma palavra
mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase
que não a esperava e que lhe obedeceu. Têm sombra, transparência, peso, plumas,
pêlos, têm tudo o que se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto
transmigrar de pátria, de tanto ser raízes. São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem
no féretro escondido e na flor apenas desabrochada..."
Diz-se
que o homem foi feito "à imagem e semelhança de Deus". Esta
parecença, porém, estes sutis traços semelhantes, essa identidade que nos torna
"filhos" do Criador do Universo, não estão no físico, no tamanho, no
peso, na altura, na beleza, na glória ou na resistência. O homem é pequeno, é
frágil, é feio, é miserável e é fraco. A "semelhança" reside na
possibilidade mágica, fantástica, miraculosa de se comunicar através de signos
coerentes e inteligíveis para todos. Nessa magia, nesse encantamento, nesse
milagre que é a palavra. Porquanto, "no princípio era o verbo...",
que sempre pré-existiu e continuará existindo quando (ou se) já não mais houver
matéria, energia, cosmo, espaço, vazio...
O
professor norte-americano Stephen Greenblatt lembra que "nossas palavras
estão cheias de vestígios que sequer compreendemos completamente quando
falamos, de vozes que existiram no passado e silenciaram, estão mortas. Nossas
vidas estão cheias das presenças fantasmagóricas de nossos ancestrais, de
nossos pais, de nossos avós, das figuras que nos tocam e em relação às quais
tentamos nos situar". Sinto que a única chance que tenho para que, com a
minha morte (fatalidade impossível de evitar) não desapareçam todos os vestígios
de que existi, amei, odiei, trabalhei, sofri, fui feliz, acertei, errei e
aspirei à imortalidade, é a palavra.
Mas
essa essência da sabedoria universal requer talento no trato. Exige que quem
dela se utilize – quer no relacionamento corriqueiro do cotidiano, quer na
nobreza do raciocínio – o faça com
competência, com atenção, com carinho. Mark Twain alertou que "palavras
são como granadas. Quando usadas inadequadamente, explodem". Seu uso
desastrado propicia desentendimentos, conflitos, separações, ódios, incompreensões,
guerras e mortes. Frustram, humilham, aborrecem, desanimam, matam.
O
poeta Fagundes Varela, considera-a a "mais forte das armas, a mais firme,
a mais certeira", que provoca os maiores estragos na alma humana. Daí as
noites insones e a faina incansável dos dias para entendê-las, dominá-las,
absorvê-las, aprender a manejá-las com cuidado, com amor, com competência, para
construir, para consolar, para engrandecer, para solidarizar, para defender os
indefesos, para condenar as injustiças, para reivindicar direitos. A tarefa é
superior às minhas forças e os resultados são incertos. Faço parte dessa
confraria dos sonhadores, desses criadores de castelos imaginários e de mundos
inexistentes, conhecidos como "escritores". Por isso, como Guilhaume
Apollinaire, rogo às gerações futuras, ao que daqui a dez, quinze, vinte, cem
anos ou mais eventualmente lerem estas linhas: "Piedade para nós, que
exploramos as fronteiras do irreal!!!"
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