Ausências
catastróficas
Pedro J.
Bondaczuk
Há três características essenciais cuja ausência, se
houver, nos será catastrófica: inteligência, sentimento e vontade. Todas têm
que estar presentes simultaneamente, para nos tornar úteis, produtivos e humanos.
Se faltar uma delas, mas contarmos com as outras duas, ainda poderemos nos
defender, posto que não muito bem. Sem as três, contudo, seremos piores do que
os mais obtusos animais.
A inteligência nos capacita a entender quem somos,
onde estamos e a que viemos. Conheço pessoas que são, digamos, um tanto
obtusas, com capacidade de entendimento beirando o grau zero. Seu quociente de
inteligência, o tal do QI, é bem abaixo da média. Todavia, são extremamente
emotivas, e com emoções positivas, por isso, contam com um círculo enorme de
afetos. Dotadas de vontade férrea, recebem orientação de parentes e amigos e
acabam se dando bem.
Os sentimentos nos aproximam dos semelhantes, numa
troca mútua e benigna de emoções. Conheço, igualmente, muitos que, além de
curtos de inteligência, são verdadeiras pedras de gelo em termos de emoções.
Não se empolgam e nem se emocionam com nada e ninguém. Têm tudo, pois, para
serem perdedoras e se virem marginalizadas na sociedade. Contam, porém, com um
fator que considero essencial, irresistível, capaz de realizações notáveis e
feitos surpreendentes: a vontade.
Com ela, superam limitações mentais e afetivas,
caem, caem e caem (sucessivamente), mas jamais se dão por vencidas. Levantam,
“sacodem a poeira e dão a volta por cima”. A determinação é seu grande recurso
para enfrentar (e quase sempre vencer) tudo e todos. São pessoas que,
sobretudo, agem. Pois é a vontade que nos mobiliza à ação.
Podemos, é verdade, sobreviver sem a inteligência,
mas então andaremos às cegas pelo mundo. Sem sentimentos, não teremos motivação
para fazer o que quer que seja. E sem vontade, não passaremos de parasitas
vivendo às custas alheias. Como se vê, a ausência de uma dessas
características, se não nos incapacita de vez, limita as nossas chances de
sucesso e até (ou principalmente) de felicidade.
Sou, por força das atividades que exerço – de
jornalista e escritor – persistente e incansável observador de pessoas. Claro
que não tenho como saber o que realmente pensam ou sentem. Ninguém tem essa
capacidade. Observo, porém, seu comportamento, suas atitudes, suas ações face
diversos desafios e como fazem para tentar para superar dificuldades.
Mesmo que não queira e, não raro me sinta
constrangido, sou, na verdade, grande bisbilhoteiro. É dessas observações,
contudo, que pinço, por exemplo, os personagens dos meus contos e novelas. Daí
sua verossimilhança, característica minha que chama a atenção dos críticos que
a consideram minha maior virtude. Em termos de personagens, não crio nada.
Limito-me a “copiar” os bilhões que existem por aí.
Conheço pessoas de inteligência brilhante. Têm
capacidade de compreensão muito acima da média e criatividade de causar inveja
aos mais hábeis e consagrados artistas. Além de inteligentes, têm sensibilidade
à flor da pele. Emocionam-se com facilidade e não têm vergonha de expressar
emoções. Riem quando sentem vontade, choram se for o caso de chorar, irritam-se
e não dissimulam a irritação, enfim, têm sentimentos e não relutam em
expressá-los.
À primeira análise, têm tudo para serem vencedoras.
Mas... algumas não são. Por que? Porque lhes falta um fator que julgo
essencial: vontade. São fantásticas planejadoras, mas na hora de colocar os
planos em
prática... Despertam simpatias, mas nunca aprofundam
relacionamentos. São criativas, mas não sabem o que fazer com tanta
criatividade. Desperdiçam oportunidades atrás de oportunidades e sempre têm uma
desculpa engatilhada, na ponta da língua, para explicar esse desperdício.
Tempos atrás, escrevi uma crônica sobre um amigo que
é assim. O sujeito conta com um talento inato de escritor. Cria histórias com
desfechos surpreendentes, mas nunca as põe no papel. Perdem-se, todas, ao
vento, nas narrativas que faz aos companheiros de bar, onde passa dias
inteiros, sem fazer absolutamente nada, a não ser jogar conversa fora.
A mulher, ingênua, confia em seu talento e trabalha
feito uma escrava para sustentar a casa e os caprichos e a vagabundagem do
genial marido, eterna “promessa de escritor”. Mas nunca passou (e duvido que
passe) disso: mera promessa.
Lamento quando vejo casos assim, já que não há tanta
abundância de talentos no mundo que se possa desperdiçar um tão palpável,
apenas por falta de vontade. Sem se dar conta, essa pessoa deixa de ser livre.
No caso, é escravo da mulher.
Caso essa opte, um dia, pela separação (e é o que
julgo que fatalmente, em determinado momento, vai acontecer), esse meu amigo
estará num “mato sem cachorro”. Sabe, é verdade, como se sustentar. Mas não
quer. Prefere morrer à míngua. E não se trata de nenhum doente. Tem saúde para
dar e vender.
O médico argentino, naturalizado brasileiro, Idel
Becker, completa esse raciocínio, ao ponderar: “Sem inteligência, o homem é
cego; sem sentimento, inerte; sem vontade, escravo”. A ausência dessas três
características, principalmente quando simultânea, é ou não é, pois,
catastrófica?! É catástrofe maior do que o choque de um meteorito ou cometa com
a Terra.
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