Tuesday, January 31, 2017

Modelo exaurido



Pedro J. Bondaczuk


O presidente Fernando Collor está comandando, desde sexta-feira, um superencontro de seus ministros, previsto para durar 30 horas, com o objetivo de traçar estratégias para seus quase dois anos e meio de governo. Entre outros temas, estão sendo debatidas medidas objetivando um reaquecimento gradual da economia, sem perder de vista o combate à inflação, visando a atenuar o impacto social provocado pela recessão, que atormenta e empobrece a todos desde 1990.

A reforma fiscal está na pauta, embora, com ela, pelo que se tem conhecimento, a pesada carga tributária que se abate sobre a sociedade não venha a ser atenuada. Pelo contrário, pode, até, ser agravada.

Os contribuintes que entregaram, nesta semana, sua declaração do Imposto de Renda, sentiram a voracidade do Leão. Poucas vezes as pessoas tiveram diante de si normas tão perversas, que não lhes permitiram abatimento praticamente nenhum do rendimento bruto – como aluguéis ou despesas com instrução – quanto agora.

O que foi descontado na fonte no correr do ano não sofreu qualquer correção, ao contrário do que ocorreu com a tabela para o cálculo final do tributo. Conseqüência: quem ganha, por exemplo, até dez salários mínimos, dificilmente escapou da mordida do Leão, embora esta remuneração esteja muitíssimo distante de satisfazer as necessidades de um cidadão de classe média.

O atual governo, que assumiu em meio a tantas promessas de estabilidade e justiça social, está devendo muito à sociedade. Sob o pretexto do combate à inflação, estagnou o País, que já perdeu toda a década de 1980 na busca de seu desenvolvimento e corre o risco de perder mais uma.

A política recessiva, comandada pelo ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, se tem seus defensores – aqueles que não vêm sendo penalizados pela paralisia, diria, catatonia econômica – conta com adversários de respeito, mesmo em partidos tradicionalmente afinados com o Planalto, como é o caso do PDS.

O deputado federal e ex-ministro Delfim Netto, em entrevista publicada na revista institucional “Dow Notícias” – edição do trimestre janeiro-fevereiro-março de 1992 – afirmou que no Brasil há “a metrópole estatal e a colônia privada”. E observou: “O setor privado precisa se convencer que é colônia...ele é escravo...Tem que pagar para que a metrópole viva bem. Veja esta recessão que nós estamos vivendo, ela não atingiu o governo em nada, nem os funcionários públicos. Ninguém vê um funcionário público aposentado morrer numa fila. Eles têm aposentadoria integral, melhores salários, todas as vantagens sociais e mais a garantia de emprego. E o setor privado corre todos os riscos”.

A propósito dos aposentados, todos viram, chocados, na televisão, o episódio – em absoluto o único – da morte de Jesus Maria Pereira de Medeiros numa fila do INSS em Niterói, na terça-feira. Pessoas idosas, doentes, algumas em cadeiras-de-rodas, passam noites inteiras em quilométricas filas, expostas às intempéries, para receber minguados Cr$ 96 mil, como foi o caso do cidadão falecido.

Onde estão as apregoadas medidas desburocratizantes, que não conseguiram acabar com essa perversidade contra os idosos e enfermos? Tudo não passou de propaganda enganosa. A respeito da inflação, o ex-ministro ressaltou que a maior parte da culpa cabe ao próprio governo, incapaz de controlar o déficit público e, principalmente, por ser o único que tem o poder de emitir moeda mesmo que sem lastro.

Delfim admitiu que o setor público pode, até, ter parcela da responsabilidade pelas taxas inflacionárias terem estacionado no incômodo patamar dos 20%. Mas justificou: “Eu estou convencido que, numa larga medida, a inflação é um mecanismo pelo qual a colônia privada se defende da capacidade da metrópole estatal. Se não houvesse inflação, a colônia privada estaria morta. Eles teriam comido o fígado da gente. A inflação é que impede que eles se divirtam como um canibal, com os nossos fígados”.

É indispensável, portanto, que tanto o presidente Collor, quanto seus ministros, se convençam de que a recessão já esgotou o caráter “didático” que o governo possivelmente pretendeu lhe dar. E, pior, está exaurindo o próprio País, colocado hoje num estado muito próximo de uma convulsão social.    

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 17 de maio de 1992)


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