Modelo
exaurido
Pedro J. Bondaczuk
O presidente Fernando Collor está comandando, desde
sexta-feira, um superencontro de seus ministros, previsto para durar 30 horas,
com o objetivo de traçar estratégias para seus quase dois anos e meio de
governo. Entre outros temas, estão sendo debatidas medidas objetivando um
reaquecimento gradual da economia, sem perder de vista o combate à inflação,
visando a atenuar o impacto social provocado pela recessão, que atormenta e
empobrece a todos desde 1990.
A reforma fiscal está na pauta, embora, com ela,
pelo que se tem conhecimento, a pesada carga tributária que se abate sobre a
sociedade não venha a ser atenuada. Pelo contrário, pode, até, ser agravada.
Os contribuintes que entregaram, nesta semana, sua
declaração do Imposto de Renda, sentiram a voracidade do Leão. Poucas vezes as
pessoas tiveram diante de si normas tão perversas, que não lhes permitiram
abatimento praticamente nenhum do rendimento bruto – como aluguéis ou despesas
com instrução – quanto agora.
O que foi descontado na fonte no correr do ano não
sofreu qualquer correção, ao contrário do que ocorreu com a tabela para o
cálculo final do tributo. Conseqüência: quem ganha, por exemplo, até dez
salários mínimos, dificilmente escapou da mordida do Leão, embora esta
remuneração esteja muitíssimo distante de satisfazer as necessidades de um
cidadão de classe média.
O atual governo, que assumiu em meio a tantas
promessas de estabilidade e justiça social, está devendo muito à sociedade. Sob
o pretexto do combate à inflação, estagnou o País, que já perdeu toda a década
de 1980 na busca de seu desenvolvimento e corre o risco de perder mais uma.
A política recessiva, comandada pelo ministro da
Economia, Marcílio Marques Moreira, se tem seus defensores – aqueles que não
vêm sendo penalizados pela paralisia, diria, catatonia econômica – conta com
adversários de respeito, mesmo em partidos tradicionalmente afinados com o
Planalto, como é o caso do PDS.
O deputado federal e ex-ministro Delfim Netto, em
entrevista publicada na revista institucional “Dow Notícias” – edição do
trimestre janeiro-fevereiro-março de 1992 – afirmou que no Brasil há “a
metrópole estatal e a colônia privada”. E observou: “O setor privado precisa se
convencer que é colônia...ele é escravo...Tem que pagar para que a metrópole
viva bem. Veja esta recessão que nós estamos vivendo, ela não atingiu o governo
em nada, nem os funcionários públicos. Ninguém vê um funcionário público
aposentado morrer numa fila. Eles têm aposentadoria integral, melhores salários,
todas as vantagens sociais e mais a garantia de emprego. E o setor privado
corre todos os riscos”.
A propósito dos aposentados, todos viram, chocados,
na televisão, o episódio – em absoluto o único – da morte de Jesus Maria
Pereira de Medeiros numa fila do INSS em Niterói, na terça-feira. Pessoas
idosas, doentes, algumas em cadeiras-de-rodas, passam noites inteiras em
quilométricas filas, expostas às intempéries, para receber minguados Cr$ 96
mil, como foi o caso do cidadão falecido.
Onde estão as apregoadas medidas desburocratizantes,
que não conseguiram acabar com essa perversidade contra os idosos e enfermos?
Tudo não passou de propaganda enganosa. A respeito da inflação, o ex-ministro
ressaltou que a maior parte da culpa cabe ao próprio governo, incapaz de
controlar o déficit público e, principalmente, por ser o único que tem o poder
de emitir moeda mesmo que sem lastro.
Delfim admitiu que o setor público pode, até, ter
parcela da responsabilidade pelas taxas inflacionárias terem estacionado no
incômodo patamar dos 20%. Mas justificou: “Eu estou convencido que, numa larga
medida, a inflação é um mecanismo pelo qual a colônia privada se defende da
capacidade da metrópole estatal. Se não houvesse inflação, a colônia privada
estaria morta. Eles teriam comido o fígado da gente. A inflação é que impede
que eles se divirtam como um canibal, com os nossos fígados”.
É indispensável, portanto, que tanto o presidente
Collor, quanto seus ministros, se convençam de que a recessão já esgotou o
caráter “didático” que o governo possivelmente pretendeu lhe dar. E, pior, está
exaurindo o próprio País, colocado hoje num estado muito próximo de uma
convulsão social.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 17 de maio de 1992)
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