Há
milhões de refugiados esquecidos
Pedro J. Bondaczuk
O mundo vem acompanhando, desde meados do corrente
mês, através de imagens de televisão e radiofotos publicadas em jornais, cenas
chocantes das aflições de um povo, condenado, através da História, a não ter
uma pátria: os curdos do Norte do Iraque. Imagens de crianças mortas, de fome e
de frio, sendo sepultadas por seus pais, de pessoas brigando, desesperadamente,
por um pouco de comida, dormindo ao relento ou em frágeis barracas de campanha,
expostas à chuva e ao frio, comovem e, ao mesmo tempo, revoltam a opinião
pública.
Para socorrer essa gente foi montada a maior
operação de ajuda a refugiados de que se tem notícia na história. E, aliás,
para quem gastou US$ 1,5 bilhão por dia para manter soldados no Golfo Pérsico,
durante a recente guerra contra o Iraque, tal missão humanitária está longe de
ser um favor. É apenas uma obrigação.
Evidentemente, ninguém pode negar a necessidade dos
curdos de serem ajudados na atual circunstância. A pergunta que se faz, porém,
é: se não se tratasse de cidadãos que tentaram depor Saddam Hussein do poder,
alguém se preocuparia em lhes prestar socorro?
Neste exato momento, cerca de 21 milhões de
africanos, em pelo menos seis países, estão na iminência de morrer de fome e,
no entanto, nenhum jornal, nenhuma emissora de televisão, nenhum editorialista
sequer mencionaram este fato.
Etiópia, Somália, Sudão, Angola, Moçambique e Níger
estão passando, mais uma vez, pelo drama das secas, que arrasaram sua
incipiente agricultura. Além do mais, os cinco primeiros da relação enfrentam
sangrentas guerras civis, que já duram mais de uma década, o que vem
desorganizando suas economias, por si sós já extremamente frágeis.
Ressalte-se que estes refugiados estão sem ter o que
comer não em conseqüência da reação de seus respectivos governantes, como no
caso dos curdos, que fogem da repressão do ditador que tentaram derrubar. São
pessoas que não têm ânimo sequer para andar, quanto mais para lutar contra
regimes ou para criar alguma eventual pátria.
Suas esperanças não chegam tão longe, não passam do
momento presente. Estes 21 milhões de seres humanos se contentam com uma
simples porção de farinha para prover sua alimentação de hoje. Um pedaço de
pão, mesmo que seco, lhes seria como o manjar dos deuses.
O que se percebe, portanto, é que a ajuda
humanitária que é concedida a refugiados nos dias que correm nunca é
desinteressada. Além disso, está revestida de uma aura de indisfarçável
preconceito. No que a fome de um etíope, ou de um sudanês, ou de um angolano
difere daquela que um curdo sente?
Por que a morte de uma dessas crianças africanas não
se reveste da mesma carga emocional que cerca a de um rebelde iraquiano?
Frise-se que, a despeito de ser a maior missão humanitária da história, a operação
de socorro no Curdistão está envolvendo, proporcionalmente, uma soma ridícula
de dinheiro. Algo como o equivalente ao gasto de alguns míseros minutos diários
dos US$ 1,5 bilhão por dia, jogados fora durante a guerra.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 27 de abril de 1991)
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