Antes do nascimento
Pedro
J. Bondaczuk
O nosso nascimento é a
culminância de um processo que começou num tempo remotíssimo, que ninguém tem ciência de “quando” e “como”
se originou, por não haver o mínimo registro dessa origem. Todavia, a lógica
indica que somos descendentes diretos do casal original (foi Adão e Eva? Foi
outro? Qual?) que um dia surgiu sobre a Terra. Se ele não existisse, não
estaríamos aqui, encarando essa aventura fascinante e misteriosa, e, ao mesmo
tempo, tão dramática, assustadora e cheia de riscos, da qual desconhecemos o
epílogo (embora possamos intuir).
Arthur Schopenhauer
(citado por Jorge Luiz Borges no livro “História da Eternidade”), levanta, a
respeito, instigante questão, que pode não ser prática (e não é), mas que não
deixa de ser interessante para reflexão. Convido-o, pois, paciente leitor, a
refletir comigo. O filósofo alemão constata, para em seguida indagar: “Uma
infinita duração precedeu ao meu nascimento: o que fui eu enquanto isso?”.
Nada?! Não pode ser!
Afinal, pela lei de transformação da matéria, “na natureza nada se cria, nada
se perde, tudo se transforma”. Portanto, não fui criado. Transformei-me de
“algo”. Ademais, só vida pode gerar outra vida. Portanto, existo não a partir
da minha concepção (e muito menos do meu nascimento), mas desde o instante em
que o primeiro casal humano passou a existir. Ou estou errado?
Partículas
infinitésimas de DNA, do que viriam a ser os meus genes, existiam desde então e
foram se combinando, através dos milênios, no relacionamento de cada um dos
casais que se tornaram meus ancestrais, até desembocar na combinação final dos
meus pais.
O miraculoso de tudo
isso é que em cada ejaculação, bilhões de espermatozóides, potencialmente
férteis, podem fecundar cerca de um milhar de óvulos, para formar um novo ser.
No entanto, em cada etapa desse milenar processo, apenas um vingou. E isso vale
para todos os machos e fêmeas dos quais tenho nem que seja infinitésima
característica, a partir do casal original.
Daí não ser impróprio,
e muito menos errado, concluir que sou “um milagre”. Volta, porém, a pergunta
de Schopenhauer: “O que fui eu enquanto isso?”. E o filósofo alemão responde:
“Metafisicamente, poderia talvez responder-me: ‘Eu sempre fui eu; quer dizer,
todos que disseram eu durante esse tempo não eram outros senão eu’”. Há alguma
falha, alguma contradição, algum erro de princípio nesse raciocínio? Claro que
não!
Minha contribuição,
nesta miraculosa “cadeia de vida”, que teve início com o primeiro casal humano,
já dei, na geração dos meus quatro filhos. O quanto de mim coube a cada um
deles? Quais as características, exclusivamente minhas, cada qual herdou? O
quanto delas vão transmitir para meus netos (por enquanto, só tenho dois)?
Quais? Por que umas e não outras? Perguntas, perguntas e mais perguntas. E a
resposta é uma só: não sei e certamente
jamais irei saber.
Mas fica nova questão
no ar (esta apenas minha): Depois de sobreviver, da origem do homem até hoje,
minha morte será, de fato, o epílogo dessa tão longa e misteriosa aventura? A
lógica indica que não. Pelo menos enquanto houver algum descendente que
transmita infinitésimas partículas do que sou e dessa tão grande herança
genética que carrego.
Se em algum ponto dessa
cadeia de sucessão houver uma interrupção... Aí, zás! Não restará mais nada,
absolutamente nada de mim, provavelmente sequer lembranças. A responsabilidade
pela minha sobrevivência, e a desse ramo da árvore da vida que represento, por
enquanto, está a cargo dos meus dois netos. Se, por alguma razão qualquer, eles
não quiserem (e, por conseqüência) não tiverem filhos... Essa decisão irá
decretar a minha morte. Esta, sim, definitiva e irreparável.
Isso tudo que foi dito
enseja nova conclusão, absolutamente lógica. Se a espécie humana começou com um
único casal, surgido sabe-se lá como e de onde (alhures? De outros planetas de
outras estrelas? Criado por Deus? Fruto de suposta evolução?), somos todos, de
uma forma ou de outra, a humanidade toda, todos os homens e mulheres do
Planeta, não importa a cor ou características físicas e mentais, parentes.
Ou será que a espécie
se originou de diversos casais? Caso a conclusão fosse essa, de quantos? Mas,
ainda assim, pelas características comuns, sempre haveria um par, um só, que
teria gerado todos esses diversos casais. Não há como refutar, portanto o nosso
parentesco. Onde a verdade? E, a pergunta final: por que não nos amamos?!!!
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