Bendita rotina!
Pedro J. Bondaczuk
A maioria das pessoas que
conheço, e com as quais convivo, queixa-se, amiúde, da vida rotineira que leva.
As reclamações vão desde o trabalho realizado, que não seria o de seus sonhos,
ao casamento, que caiu na monotonia e não raro acaba desfeito, com rusgas,
ressentimentos, mágoas e sofrimentos para todos os envolvidos. E as queixas não
param por aí. Passam, ainda, desde o tipo de lazer que os queixosos têm à
disposição, aos seus relacionamentos de amizade. E vão por aí afora.
Essas pessoas, no entanto,
reclamam, reclamam, mas não movem uma só palha para promover benéficas mudanças
em suas vidas. Conformam-se com o cotidiano banal, sempre igual, rotineiro e
sem graça. Mas seria mesmo assim? É possível que todos os dias sejam, de fato,
“iguais”, ou pelo menos parecidos? Claro que não! Em alguns, por exemplo, o sol
brilha intenso e, em outros, chove. Uns são de verão, com calor sufocante e,
não raro, com chuva no final do período; outros, são de inverno (ou de primavera,
ou de outono), mais frescos ou até mesmo gelados. Já aí há uma impossibilidade
da existência de rotina, monotonia, marasmo.
Ademais, por mais rotineiro que
seja o trabalho que a pessoa exerça, todos os dias têm coisas novas
acontecendo. Basta que se esteja atento para identificá-las. São, em geral,
pequenos incidentes diários (positivos ou negativos), mas que marcam nosso
cotidiano. Ora é o chefe, que dá uma bronca homérica, que a pessoa que a recebe
invariavelmente considera injusta, mesmo tendo cometido algum erro ou se
mostrado impontual, ou desatento ou improdutivo. Ora é um colega que nos ajuda
(ou nos atrapalha). Ora somos promovidos, ou preteridos numa promoção,
dependendo do nosso empenho profissional, capacidade e utilidade na empresa. E,
quando somos demitidos... aí sim, há uma quebra violenta de rotina. Essa
mudança, porém, ninguém aprecia. Não há, pois, dois dias rigorosamente iguais.
O mesmo ocorre em casa, na
escola, nos encontros com os amigos, com namoradas e em outros tantos atos da vida.
Da minha parte, confesso, gosto da rotina. E vou mais longe: eu mesmo
estabeleço uma, no meu dia a dia, para organizar e gerenciar tudo o que preciso
fazer. Sou uma pessoa extremamente metódica (meus críticos garantem que até
exagero e que sou obsessivo) e busco racionalizar meu tempo, que é o grande
capital de que disponho.
E como é essa minha rotina
diária? Revelo-a, sem pudor, até para atender a dezenas de pedidos, feitas por
leitores, curiosos em conhecer um pouco mais a meu respeito. Como não tenho o
que esconder, lá vão alguns detalhes de como é meu cotidiano. De antemão
reconheço que falta espaço para a vida social. Mas quando temos algum objetivo que lutamos para alcançar, alguma
coisa sempre acaba sendo sacrificada. Afinal, um dia tem, somente, dezesseis
horas úteis, e nem um segundo a mais. Minha rotina matinal permanece a mesma há
já quase um quarto de século. Já a vespertina, que era uma até 2013, é bem
outra nestes quase três últimos anos. Aliás, em 2007 já descrevi como ela era
então. De lá para cá, a rigor, pouca coisa mudou. A maior mudança é que troquei
as atividades jornalísticas pela dedicação exclusiva e integral à Literatura. A
parte da manhã não teve nenhuma alteração. Continuo acordando, sempre,
invariavelmente, na mesma hora, seja dia útil ou final de semana, ou então,
feriado. E cumpro todo um ritual, o mesmíssimo por anos e anos, no mínimo
trinta. E ai daquele que me obrigue a deixar de cumprir um único ponto desse
rito pessoal e cotidiano!
Após despertar, dedico cinco
minutos para meditação. Abstraio-me dos problemas e fixo-me num só tema, que
analiso ângulo por ângulo. Antes, leio algum poema, ou trecho já marcado de
algum livro, para balizar tais reflexões. Feito isso, antes mesmo da higiene
pessoal, tomo uma xícara de café preto, bem forte, que me desperta de vez, e
cuido da aparência. Tomo banho, faço barba, escovo os dentes, penteio-me e
quando termino, estou prontinho para começar a jornada diária. Infelizmente,
tenho o mau-hábito (diria, péssimo) de não me alimentar pela manhã.
O passo seguinte, pois, é ler os
jornais do dia (pelo menos três impressos e outro tanto da internet) e comparar
a edição de cada um deles. Faz parte da minha profissão, embora esteja afastado
dela há já quase três anos! Sou editor há mais de quatro décadas e ainda
considero-me como tal! Asseado e bem-informado, ligo o meu computador, para
conferir a correspondência eletrônica. Separo os e-mails que precisem ser
respondidos, arquivo os importantes e “deleto” (desculpem-me o neologismo, que
já se incorporou à nossa linguagem comum) os spams e tantas outras bobagens que
enviam para a minha caixa postal. De 2006 a 2009, era uma rotina nessa parte do
dia. De 2009 a 2013, passou a ser outra. E de 2013, aos dias de hoje, é uma
terceira, um tanto diferente das outras duas.
De 2006 a 2009, tão logo conferia
a correspondência eletrônica, encaminhava, à redação do Comunique-se, os textos
dos colunistas-fixos do dia (que eram três de cada vez) e dos
colaboradores eventuais (dois
diariamente) para o “Literário”, do qual era (e ainda sou) o editor. Na
ocasião, esse espaço era uma das seções desse prestigioso portal jornalístico.
Esse material era devidamente revisado e
editado e só então remetido ao Comunique-se. A partir de abril de 2009, o
“Literário” ganhou autonomia e foi transformado num blog autônomo. Sofreu
algumas alterações pontuais conservadas até hoje, quando está próximo de
completar onze anos ininterruptos (o que irá ocorrer em 27 de março de 2017).
Mas o passo seguinte não sofreu
nenhuma alteração. É o da postagem da crônica, de um artigo retirado do meu
arquivo jornalístico e da reflexão diária, redigidos previamente na véspera, no
meu blog “O Escrevinhador”, espaço que trato com o maior carinho e atenção e
que mantenho desde dezembro de 2006, com postagens rigorosamente diárias. É
voltado exclusivamente à minha produção (literária e jornalística). O passo
seguinte, até 2010, era acessar o extinto Orkut. Postava, então, na comunidade
criada em minha homenagem. uma meditação e, eventualmente, algum texto mais
extenso, sempre de caráter literário, antes de conferir os scraps recebidos,
que respondia à noite, quando retornasse do trabalho. A partir de 2010, até
hoje, só mudei mesmo a rede social. O Orkut foi substituído pelo Facebook.
O passo seguinte era (e ainda é)
a redação de crônicas novas (geralmente, escrevo duas por dia), que eram e que
são enviadas aos dez sites da internet em que sou cronista fixo. A esta altura,
já são 16 horas. Até 2013, era o momento de me aprontar para cumprir minha
jornada diária na redação do jornal (ou dos jornais) em que então trabalhava
como editor, que, não raro, entrava pela madrugada. Desde 2013, quando passei a
gozar efetivamente da minha aposentadoria (aposentei-me em 1997, mas continuei
trabalhando, com registro em carteira, recolhimento de INSS e tudo mais, por
dezesseis anos, enquanto a lei me permitia), esse passo não é mais necessário.
Não tenho mais que ir a lugar algum. .
Naquela época, ao voltar para
casa, tomava um banho morno e relaxante, jantava e partia para a última etapa
da minha rotina. Respondia, rigorosa e meticulosamente, todos os e-mails
recebidos, fazia a programação para o dia seguinte e editava os textos que
seriam postados na próxima manhã no “Literário”. Hoje (desde 2013) não preciso
mais disso. Não saio de casa para absolutamente nada. Depois da janta,
portanto, além de responder os e-mails que têm que ser respondidos, dou uma
última passada no Facebook e no Twitter e só então, desligo o computador. Ufa!
A jornada chegou ao fim! Da obrigação, parto, de imediato, para a satisfação.
Depois de ler, por cronometrada e
exata meia hora, algum livro selecionado na véspera, dou por encerrada a
jornada que tanto me satisfaz. Vivo para isso. Vem, então, o melhor momento do
dia. Ou seja, aquele em que dou a devida e plena atenção à amada esposa, com a
qual sou casado há 42 anos, que me acompanha, estimula e compreende e que tem a
imensa paciência de esperar que eu cumpra, rigorosamente, sem deixar de fora
nenhum passo, a minha estafante, mas bendita rotina. Cumprida a obrigação
conjugal (que, claro, é a coisa mais prazerosa de todos os meus dias e da minha
vida inteira), faço uma breve oração e... durmo. De imediato, como uma pedra! E
sem necessidade de nenhum sonífero ou calmante! Afinal, ninguém é de ferro, não
é mesmo?! O meu dia é chato? Provavelmente o leitor dirá que sim! Mas não troco
essa “chatice” por nada deste mundo. Bendita rotina que me organiza, me
fortalece e me mantém lúcido, saudável e vivo!
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