Sunday, January 22, 2017

Perestroika sustenta-se em 3 pilares


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, ao lançar seu projeto reformista, instituiu três pilares de sustentação para suas idéias: pôs, como objetivo, a revitalização do socialismo; como instrumento das mudanças, um Partido Comunista modificado e expurgado de corrupções e de corruptos e a democracia como meio de ação.

Todavia, não colocou nada disso como dogmas. Expressou, na introdução do livro "Perestroika, Novas Idéias para o Meu País e o Mundo": "Gostaria que ficasse claro que, embora o povo soviético seja a favor do socialismo --- e expliquei antes o porquê --- nós não estamos impondo nossos pontos de vista a ninguém. Cada um deve fazer sua própria escolha e a História o colocará em seu lugar".

Gorbachev, mais adiante, explica a razão de pretender revitalizar o socialismo, ao invés de substituí-lo simplesmente pelo capitalismo da forma como este é praticado na Europa Ocidental. Escreveu: "Atualmente, como disse a um grupo de figuras públicas americanas (Cyrus Vance, Henry Kissinger e outros), sentimos claramente, como nunca antes, que, devido ao sistema socialista e à economia planejada, as mudanças em nossa política estrutural surgem muito mais facilmente do que se estivéssemos em regime de iniciativa privada, ainda que tenhamos nossas próprias dificuldades. Queremos mais socialismo e, por isso, mais democracia".

Mas, isto seria possível? Utilizando a "ferramenta" a que o presidente soviético se propôs, ou seja, o Partido Comunista, não! A menos que haja o pluripartidarismo e eleições absolutamente limpas e sem cartas marcadas na União Soviética. A não ser que o eleitorado, livre e soberanamente, opte nas urnas pelo PC e que este aceite uma competição em pé de igualdade, baseada em princípios e idéias, com facções oposicionistas.

A própria palavra democracia tem se revestido de extrema ambigüidade através dos tempos. Qual o seu significado? Cada povo lhe atribui um próprio. Nenhum regime comunista do Leste europeu, mesmo as mais rígidas ditaduras, jamais admitiu que não fosse democrático. Tanto é que a totalidade dos países dessa região trazia grafada em seus próprios nomes oficiais essa expressão.

Há historiadores que asseguram, e demonstram, que a democracia pura, absoluta e portanto autêntica jamais existiu, nem tem condições de existir. O filósofo Sócrates se deixou condenar, em Atenas, à morte por ingestão de cicuta somente para demonstrar a impossibilidade da existência de um sistema que respeite às últimas conseqüências as opiniões alheias.

Propositadamente, fez uma autodefesa provocativa diante de seus juizes, tendente a obter como resultado sua condenação no célebre julgamento a que foi submetido. Desejava demonstrar à posteridade que a democracia, que tem como fundamento a livre expressão de idéias, é utópica. Afinal, seu delito --- o de corromper a juventude ateniense com princípios diversos dos defendidos pela cidade-Estado --- foi tipicamente um crime de consciência. E o filósofo conseguiu seu objetivo. Acabou condenado por aquilo que pensava.

O sistema democrático que mais se aproxima dos ideais de liberdade e respeito absoluto pelos direitos humanos é o dos Estados Unidos. Mas seria ele passivo de transplante? Daria certo em alguma outra parte? O historiador norte-americano Jacques Barzun acha que não: "A igualdade política pode ser conseguida por decreto, mas nunca a liberdade, pois trata-se de matéria de difícil definição, esquiva e fugidia a definições absolutas".

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 2 de abril de 1991).


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