Friday, January 27, 2017

Modelo concentracionista


Pedro J. Bondaczuk


A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que acaba de ser divulgada pelo IBGE, mostra, entre outras coisas, quem realmente é o prejudicado com a crise econômica que afetou o País ao longo de toda a década de 1980 e ameaça se prolongar nestes últimos dez anos do milênio. São os 95% dos brasileiros --- cerca de 143 milhões de pessoas --- que ficaram mais pobres no período, com a maior concentração de renda nas mãos dos 5% restantes.

Quem, por exemplo, é o mais afetado pelo presente quadro recessivo e com alta inflação? Evidentemente, aquele que depende das oscilações da política econômica para garantir seu emprego e seu minguado rendimento, cada vez menor --- as estatísticas comprovam isso --- e que não possui nenhuma salvaguarda para a proteção da corrosão inflacionária.

Os cerca de 7,5 milhões de brasileiros que detêm em suas mãos 39,4% da riqueza nacional, embora estejam sendo penalizados com o crédito curto e juros de fazer inveja ao mais avaro dos agiotas --- os protestos, falências e concordatas mostram isso --- dispõem de inúmeros meios para proteger seu dinheiro.

Podem investir em imóveis, em títulos diversos, em ouro, em dólar, quando não o remeter ao Exterior. Em meados da década passada, numa estimativa de uma entidade multilateral com sede nos Estados Unidos, divulgou-se que cerca de US$ 150 bilhões de capitais do Brasil --- bem mais do que nossa dívida externa --- tinham sido expatriados por seus detentores, para a Suíça, Bahamas, Ilhas Virgens e os inúmeros "paraísos fiscais" espalhados pelo mundo afora.

Que futuro esperar, objetivamente, de uma sociedade estabelecida nesses moldes? Não é necessário ser nenhum profeta e nem perito em sociologia para prever futuras e indesejáveis confrontações. Caso o modelo concentracionista não seja alterado urgentemente, é mera questão de tempo o agravamento das dificuldades.

A concentração de renda, entre outras coisas, encolhe o mercado. Havendo menos gente para comprar, será preciso fabricar quantidades menores de produtos, empregar menos trabalhadores, gerar menos impostos e assim por diante. Daí a necessidade de romper o círculo vicioso e de se evitar a recessão e, o pior, a "estagflação". Daí a urgência de se combater a inflação mediante fórmula pactuada , e não ditada de cima para baixo.

Toda uma geração está tendo a qualidade de vida comprometida e arrisca-se a deixar um quadro de "terra arrasada" como herança para os descendentes. Isso é mais trágico quando se raciocina dentro da lógica e se conclui que o tempo perdido em agruras, preocupações e carências, jamais será devolvido para quem quer que seja. Afinal, a existência de cada indivíduo é única, sem direito a "replay".

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 15 de novembro de 1990).


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