Wednesday, January 11, 2017

Dias e idades



Pedro J. Bondaczuk


A insatisfação é a mola propulsora das grandes realizações. Claro, sozinha não basta para que conserte o mundo, com suas injustiças, dores e contradições. Isolada, soa a estéril frustração. Tem que vir, necessariamente, acompanhada de atos concretos, na tentativa de mudar o que precisa ser mudado e que não nos satisfaz. Mas são inúteis ações incompetentes, às cegas, sem nenhum preparo ou planejamento, que de antemão sinalizam para o fracasso. Elas devem ser não apenas persistentes, mas, sobretudo, competentes.

Sou dos tais que nunca me satisfaço com o que sou, tenho ou faço. Procuro sempre melhorar, como profissional, como artista e, sobretudo, como homem. Estudo, leio, pesquiso, reflito, debato, dialogo, discuto, critico, participo. Claro que tenho consciência de que jamais atingirei a perfeição, mas é ela que me serve de parâmetro, de objetivo, de meta a ser atingida.

Quanto a ter... não me refiro a dinheiro, a propriedades e a bens materiais que, ademais, ao morrer, não levarei para o túmulo. Ninguém é proprietário de fato de nada no mundo. Tem, sim, posse transitória das coisas (quando tem), enquanto for vivo. Depois...

Minha insatisfação mais aguda, todavia, refere-se ao fazer. Em vez de juntar objetos, que as convenções sociais consideram valiosos (e que não são), minha obsessão é a de dispersar. Ou seja, a de me doar ao máximo à família, aos amigos, aos conhecidos, aos desconhecidos, ao mundo e produzir, produzir, produzir, não para meu conforto pessoal, glória ou riqueza material, mas para suprir o que outros não podem ou não querem fazer.

Não há, a rigor, quem se satisfaça, por exemplo, com um dia aparentemente perfeito. Sempre fica a certeza de que, por melhor que tenha sido, faltou alguma coisa nele. E é bom que haja esse sentimento, desde que não levado a extremo. Aliás, o exagero não é bom em nada. Talvez, somente, no amor. Mas nisso... poucos (ou ninguém) exageram (infelizmente).

A insatisfação é a companhia freqüente do artista, não importa qual seja a sua arte. O pintor, diante de uma tela que todos julgam perfeita, sempre encontra algum defeito, alguma imperfeição, algum senão, para ele grave, mesmo que, por estratégia, não revele a ninguém. Acha que faltou, por exemplo, um pouco mais de sombra aqui, um tanto de luz ali, uma dobrinha na roupa do personagem retratado acolá, e assim por diante.

O escultor, por seu turno, acha que poderia desbastar a pedra um pouco mais na mão, nos pés ou no dorso da sua escultura. O compositor detecta uma nota a mais ou a menos em determinada composição, excesso ou ausência que só ele percebe. E assim por diante.

O cúmulo do insatisfeito, porém, é o escritor (refiro-me ao que o é, de fato, e não ao mero escrevinhador, que posa de gênio, sem que seja sequer redator comum). Não raro, os editores precisam confiscar seus textos – romances, contos, novelas etc. –, se não estes nunca serão publicados. Por mais perfeitas que as obras pareçam, o autor zeloso sempre vê nelas um parágrafo supérfluo, uma oração inadequada, um período desnecessário, algo a ser suprimido ou acrescentado. Meus amigos escritores sabem do que estou falando.    

Em relação aos anos da nossa vida, então, a insatisfação é muito mais extensa, aguda e freqüente. Não conseguimos caracterizar nenhuma das idades pelas quais passamos como perfeita. Aquela foi marcante, porque ganhamos, do nosso pai, o presente que tanto sonhávamos, mas sofremos a perda irreparável de algum parente que amávamos. Esta outra é inesquecível, porque conquistamos a primeira namorada e conhecemos as delícias e sofrimentos do amor. Todavia, fomos passados para trás, por ela nos haver trocado por um rival que, no nosso entender, nos era inferior em charme e beleza. Ah, o ano tal foi perfeito! Formamo-nos na faculdade, conseguimos um emprego rentável e uma posição social de prestígio e nos casamos. Mas... espera lá! Não foi nesse ano que nosso pai morreu?! E assim vai a vida.

Essa insatisfação, porém, não deve nos servir de motivo para desânimo, para que nos consideremos irremediáveis fracassados, contumazes perdedores (embora seja o que pareça) e nem para esculacho do nosso amor próprio. Tem que ser encarada – sempre, sempre e sempre – sejam quais forem as circunstâncias e ocorrências, como desafios dos quais não possamos (e não queiramos) recuar.

E por que os dias, principalmente os aparentemente mais perfeitos, nos parecem tão pobres, esfarrapados e medíocres? Por que nenhuma das idades por que passamos sequer se aproxima na nossa mente, nem de leve, da perfeição? Basicamente, por dois motivos.

O primeiro é que não os analisamos em conjunto, mas isoladamente. Isso faz uma diferença enorme. O poeta e romancista alemão, Johann Christinan Friedrich Holderlin, disse que se os víssemos em conjunto, veríamos neles “um grande caudal de vida e alegrias”. Concordo com ele. Mas não é como os vemos. 

E o segundo e principal motivo é que a perfeição é interdita a esse ser, tão contraditório, às vezes sublime, às vezes tétrico, às vezes a imagem e semelhança de Deus e às vezes a mais feroz e sanguinária das feras, embora, reitero, deva ser a meta, o alvo, o objetivo a ser perseguido incansavelmente e sem-cessar.


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