Conflito bem administrado
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente Mikhail Gorbachev foi fustigado, ontem, por
uma saraivada de críticas por parte de reformistas radicais e contumazes
conservadores, no terceiro dia de sessões do 28º Congresso do Partido Comunista
da União Soviética.
Os telespectadores
norte-americanos, que torcem, como num filme de “cowboy”, pelo “mocinho”, no
caso o líder do Cremlin (as três maiores redes de TV dos Estados Unidos, NBC,
CBS e ABC, além da Cable News, transmitem todos os detalhes do encontro
diretamente de Moscou), devem estar assustados com esse assédio.
Provavelmente estão achando que o
popularíssimo estadista (fora da URSS, evidentemente) está com os dias contados
e que com ele irão embora todas as conquistas que proporcionou. Que a abertura
do Leste europeu, a reunificação das Alemanhas e as reformas soviéticas rumo à
economia de mercado podem ficar comprometidas.
Nada mais enganador. Já vai
distante o tempo em que o Partido Comunista possuía o poder absoluto na União
Soviética e demonstrava um invejável monolitismo. Hoje há tantas divisões,
facções tão inconciliáveis entre si, que de forma alguma a agremiação
conseguirá consenso sequer para tirar Gorbachev da Secretaria Geral. Isto,
mesmo sabendo que tanto os reformistas radicais, quanto os ferozes
conservadores, não morrem de amores pelo presidente.
Os primeiros acham que ele está
em “cima do muro”, acendendo uma vela para Deus e outra para o Diabo. Os
segundos, juram que o líder está “afundando” o país, ao implodir o partido,
pois aprenderam, desde a infância, que a nação e a agremiação eram a mesma
coisa, quando evidentemente não são. Gorbachev não está nada preocupado com o
assédio dos dois extremos. Ele sabe o que está fazendo. Administra, com
conhecimento de causa, os antagonismos.
A prova de que o presidente tem a
situação sob absoluto controle é que na primeira votação, feita no congresso,
para a escolha de quem iria presidir a importantíssima Comissão de
Normatização, obteve quase 3.600 votos dos 4.683 delegados. Ou seja, quase o
triplo dos que lhe foram contrários.
Se o seu objetivo não fosse o de
modernizar o partido, poderia facilmente fazer um profundo expurgo em suas
fileiras, retirando radicais e conservadores. Mas é exatamente isto que ele não
deseja. Pretende fazer com que os “cabeças duras” entendam que o país vive
novos tempos e que são irreversíveis.
Quer, sobretudo, que a agremiação
aprenda a conviver com outras entidades políticas, colaborando com elas, ao
invés de as massacrar. Caso contrário, o que tende a acontecer é o PC
desaparecer do mapa soviético, num estúpido processo de autofagia.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 5
de julho de 1990).
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