Vida
que não foi perdida
Pedro J. Bondaczuk
O ano de 1968 foi marcado por uma série de
acontecimentos dramáticos, tanto na arena internacional, quanto no Brasil. Na
França, os estudantes promoveram um histórico levante contra determinadas
reformas que o governo pretendia promover no ensino.
No Oriente Médio, a tensão era imensa, pois fazia
pouco tempo que a Guerra dos Seis Dias havia terminado, deixando suas seqüelas
de ódio. Na América Latina, as democracias iam caindo, umas após outras,
mediante o expediente, tão nosso conhecido, dos golpes de Estado. No Sudeste
asiático, a guerra do Vietnã atingia seu momento crucial, ceifando multidões de
jovens norte-americanos e vietnamitas, por uma causa que já nascia
perdida.
Mas um dos fatos mais chocantes, que comoveram a
opinião pública pela frieza com que o ato foi praticado, ocorreu no dia 4 de
abril desse ano. Na sacada do Hotel Lorraine, em Memphis, no Tennessee, um dos
homens mais notáveis deste século, ganhador de mais de três centenas de prêmios
internacionais, entre os quais um Nobel da Paz, era atingido por uma bala
traiçoeira, uma única, que o prostrou sem vida ao solo.
Tratava-se de um negro, que tinha orgulho da sua
cor, mas que possuía clarividência suficiente para entender que o valor de um
homem não se mede pela coloração da sua pele, pela fé que professe, pela
fortuna que possua ou pelo seu currículo universitário.
Martin Luther King Junior era o seu nome e ele
batalhava por algo que, de tão simples que é, se torna um intrincado teorema,
um complicadíssimo problema, maior do que as esotéricas questões da matemática
superior, às quais apenas algumas mentes privilegiadas têm acesso.
Esse pacifista, que deve ser colocado ao lado de um
Mahatma Gandhi (e que teve fim parecido ao do pai da independência indiana)
queria fazer com que as pessoas entendessem que o valor de um ser humano se
mede pela sua capacidade de servir, e não de ser servido. De amar, e não de ser
amado. E de ir aos extremos do sacrifício para fazer valer essa causa.
Essa criatura pensante, que é imagem e semelhança da
divindade, não pode ser medida pela cor que tenha. Não deve ser avaliada por
sua saúde, beleza ou sua força física. Tudo isso é efêmero, passageiro e
transitório. A morte nivela a todos.
Não pode, ainda, ser considerada pelo sexo com que
nasceu, ou pelas crenças que adotou. Luther King definiu essa sua mensagem
através da citação, num de seus sermões, de “If I Can Help Somebody”, de Bazel
Androzzo, dizendo: “Se puder cumprir o meu dever de cristão. Se puder levar a
salvação ao mundo ontem arrasado. Se puder difundir a mensagem como o Mestre a
ensinou. Então a minha vida não terá sido em vão”. E a de Martin Luther King
Junior, cidadão do mundo, não o foi.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 5 de abril de 1988)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment