Monday, July 25, 2016

Vida que não foi perdida



Pedro J. Bondaczuk


O ano de 1968 foi marcado por uma série de acontecimentos dramáticos, tanto na arena internacional, quanto no Brasil. Na França, os estudantes promoveram um histórico levante contra determinadas reformas que o governo pretendia promover no ensino.

No Oriente Médio, a tensão era imensa, pois fazia pouco tempo que a Guerra dos Seis Dias havia terminado, deixando suas seqüelas de ódio. Na América Latina, as democracias iam caindo, umas após outras, mediante o expediente, tão nosso conhecido, dos golpes de Estado. No Sudeste asiático, a guerra do Vietnã atingia seu momento crucial, ceifando multidões de jovens norte-americanos e vietnamitas, por uma causa que já nascia perdida. 

Mas um dos fatos mais chocantes, que comoveram a opinião pública pela frieza com que o ato foi praticado, ocorreu no dia 4 de abril desse ano. Na sacada do Hotel Lorraine, em Memphis, no Tennessee, um dos homens mais notáveis deste século, ganhador de mais de três centenas de prêmios internacionais, entre os quais um Nobel da Paz, era atingido por uma bala traiçoeira, uma única, que o prostrou sem vida ao solo.

Tratava-se de um negro, que tinha orgulho da sua cor, mas que possuía clarividência suficiente para entender que o valor de um homem não se mede pela coloração da sua pele, pela fé que professe, pela fortuna que possua ou pelo seu currículo universitário.

Martin Luther King Junior era o seu nome e ele batalhava por algo que, de tão simples que é, se torna um intrincado teorema, um complicadíssimo problema, maior do que as esotéricas questões da matemática superior, às quais apenas algumas mentes privilegiadas têm acesso.

Esse pacifista, que deve ser colocado ao lado de um Mahatma Gandhi (e que teve fim parecido ao do pai da independência indiana) queria fazer com que as pessoas entendessem que o valor de um ser humano se mede pela sua capacidade de servir, e não de ser servido. De amar, e não de ser amado. E de ir aos extremos do sacrifício para fazer valer essa causa.

Essa criatura pensante, que é imagem e semelhança da divindade, não pode ser medida pela cor que tenha. Não deve ser avaliada por sua saúde, beleza ou sua força física. Tudo isso é efêmero, passageiro e transitório. A morte nivela a todos.

Não pode, ainda, ser considerada pelo sexo com que nasceu, ou pelas crenças que adotou. Luther King definiu essa sua mensagem através da citação, num de seus sermões, de “If I Can Help Somebody”, de Bazel Androzzo, dizendo: “Se puder cumprir o meu dever de cristão. Se puder levar a salvação ao mundo ontem arrasado. Se puder difundir a mensagem como o Mestre a ensinou. Então a minha vida não terá sido em vão”. E a de Martin Luther King Junior, cidadão do mundo, não o foi.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 5 de abril de 1988)


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