O
apartheid social
Pedro J. Bondaczuk
O problema dos chamados "homeless", ou
seja, das pessoas que não têm onde morar e dormem nas ruas, se agravou muito e
raramente se fala dele. O jornal Folha de S. Paulo, em sua edição de
sexta-feira (3 de junho de 1994), traz a história de um francês, que veio para
o Brasil em 1950, e que vive nessa vexatória situação.
Nesse caso, trata-se de um alcoólatra, que perdeu a
motivação e a alegria de viver depois que teve seu casamento desmanchado. Como
ele, há centenas, milhares de indivíduos em São Paulo e em outras metrópoles do
País que, por uma razão ou outra, perderam os bens, a família e, o que é pior,
o auto-respeito.
Entre os que estão cadastrados para o pouso em
abrigos do Estado, há pessoas desempregadas há dois, três, cinco e até oito
anos. São as vítimas de um modelo de "desenvolvimento" cínico,
perverso, que usa uma pseudo crise que se eterniza como álibi para aumentar a
defasagem na distribuição de renda em seu próprio proveito. E relatório das Nações
Unidas, divulgado esta semana, acentua que o Brasil, neste aspecto, é o segundo
colocado no mundo, perdendo a "primazia" para Botswana.
Essa legião de desesperados, que perdeu tudo, a
partir da dignidade que lhe foi surrupiada, é vítima dos planos econômicos sucessivos
que não deram certo, porque foram elaborados para não funcionar, sem
competência, sem sinceridade, sem vontade política de debelar a inflação, que
apenas penaliza o assalariado e o cidadão mais desprotegido.
E o contingente de "homeless" está longe de
diminuir. Pelo contrário, cresce a cada nova aventura empreendida pelos
políticos oportunistas e pelos frios tecnocratas, que transformaram o País num
laboratório para suas delirantes experiências.
Homens, mulheres e crianças têm seu presente
arruinado, seus futuros decididos nos gabinetes luxuosos de Brasília. São
forçados a se submeter à amarga experiência diária da rejeição, da frustração e
do abandono sem esperanças.
São brasileiros vítimas de um "apartheid"
mais desumano e brutal do que aquele que imperou na África do Sul, de 1948 até
a eleição de Nelson Mandela para a presidência, que é a segregação social. Quem
será o redentor desses humilhados e ofendidos? Quem lhes devolverá a
perspectiva da utilidade, da dignidade, do auto-respeito? Quem permitirá que
eles exerçam um direito que deveria ser inalienável, e que no entanto lhe é
negado: o da cidadania?
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 6 de junho de 1994).
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