Justiça
e exemplo
Pedro J. Bondaczuk
A mídia, em especial a televisiva, redescobriu o
excelente filão que as notícias positivas podem representar. Reportagens, em
vários noticiosos das emissoras, shows para arrecadar alimentos para os
famintos e até exemplos marcantes de solidariedade de personagens de novelas
mostraram que os brasileiros ainda não se esqueceram dos desvalidos.
É óbvio que esta onda de generosidade não vai
alterar substancialmente a sombria realidade nacional. As coisas no País
somente vão mudar, de fato, quando todos e cada um resolverem assumir a sua
cidadania e cobrar, a quem de direito, providências para que o Brasil deixe de
ser a sociedade mais injusta do mundo.
A bem da verdade, gestos de nobreza, como os vistos
no Natal, de pessoas bem-intencionadas e nobres, que distribuíram alimentos e
brinquedos em favelas e nas ruas das grandes cidades, não são novos. Todos os
anos, criaturas muito especiais transformam em atos o que a maioria mantém
apenas em palavras.
Este ano, motivado, certamente, pela meritória
campanha do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, contra a fome, as
manifestações de solidariedade aumentaram a ponto de chamarem a atenção da
mídia. O fato de elas serem noticiadas, inclusive com destaque, tem dupla
vantagem. Em primeiro lugar, faz justiça aos que entendem o verdadeiro sentido
de cidadania e de humanidade.
Mas o aspecto mais importante é o da indução aos
generosos, mas que, mergulhados no turbilhão do dia-a-dia, não se dão conta da
feia realidade ao seu redor, e dos alienados imitarem os bons exemplos. A
sociedade, sempre que convocada, diz presente, quando se trata de alguma
promoção séria e sem segundas intenções, como a mobilização do incansável
Betinho.
Fazendo sua parte – que é uma minúscula gota de água
num oceano de carências – tem condições de cobrar do governo para que faça o
que dele se espera. Pode exigir dos políticos para que deixem o cinismo de lado
e não façam da miséria apenas tema de pomposos discursos, em épocas de
campanhas eleitorais, mas tenham nessa chaga social sua preocupação constante,
permanente, honesta e, sobretudo, prática.
Afinal, dos cem milhões de eleitores que lhes
garantem passaporte para seus ricos e confortáveis gabinetes em Brasília, a
maioria esmagadora é constituída por miseráveis.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 28 de dezembro de 1993)
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