Tuesday, July 26, 2016

Escritor que sacrificou a vida pela justiça


Pedro J. Bondasczuk

Emile Zola é uma das figuras maiúsculas da Literatura, e não somente a francesa, mas mundial. Faz jus a essa avaliação principalmente por seu talento (óbvio), mas também por sua generosidade e seu senso de solidariedade (que levou ás últimas conseqüências). Afinal, raras celebridades arriscam seu prestígio (não importa de que tamanho e conquistado por qual razão) como ele fez em relação ao capitão de origem judia, Alfred Dreyfus, expulso do Exército francês e enviado à terrível prisão da Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, acusado de traição, por supostamente haver espionado em favor da Alemanha. Mas não espionou. Todo o processo contra esse até então obscuro oficial foi uma baita armação – com testemunhos falsos, “provas” plantadas e outras tantas mutretas – motivada pelo mais escrachado e vil preconceito. Todos, na França, se calaram diante dessa tremenda injustiça. Aliás, todos não. Emile Zola não se calou.

Ele bem que poderia ter ficado à margem do debate sobre a suposta culpabilidade de Dreyfus, que não era seu parente e nem mesmo amigo. Não tinha, portanto, nenhuma espécie de vínculo com o militar e muito menos qualquer interesse pessoal. Ninguém o condenaria caso não se metesse na questão, que não lhe dizia respeito. Mas a injustiça cometida causava-lhe náusea. E Zola não conseguiu conter sua indignação. Batalhou, com as armas que tinha – a precisão do seu texto e a clara exposição de argumentos inatacáveis – para que a verdade viesse á tona e o absurdo erro judiciário fosse reparado. Em 1898, escreveu, e publicou em jornais e revistas, uma série de artigos, com fatos sonegados da justiça e com argumentação sólida e inquestionável, comprovando, por a + b, a inocência do infeliz condenado. O mais, contundente e detalhado foi o famoso “J’acuse”, com o subtítulo “Carta a Felix Faure” (o então presidente da França), publicado no jornal literário “Aurore”.

Esse texto era tão incisivo que provocou uma reviravolta completa no caso e levou à revisão do processo, dando-lhe nova dimensão, resultando não só na libertação de Alfred Dreyfus, mas, sobretudo, anos depois, em 1906, quando Zola já estava morto, na completa reabilitação do oficial. Já o escritor... teve uma série de contratempos por sua ousadia e generosidade. Após a publicação de J'accuse, por exemplo, foi processado por difamação e condenado a um ano de prisão. É certo que não foi parar atrás das grades. Ao saber da condenação, Zola, prudentemente, partiu para o exílio na Inglaterra. Após seu regresso, quando já não corria o risco de ser preso dada a evolução positiva do processo, publicou, no "La Vérité en marche", vários artigos sobre o caso.

Mas tudo indica que pagou com a própria vida por seu amor à justiça e por sua ousadia em desafiar os poderosos e defender com paixão suas convicções. Há fartos indícios de que foi assassinado, embora as investigações sobre sua morte não tenham chegado a nenhuma conclusão. Em 29 de Setembro de 1902, Emile Zola morreu misteriosamente em seu apartamento da rue de Bruxelles. Causa da morte: inalação de uma quantidade letal de monóxido de carbono proveniente de uma chaminé defeituosa. Ora, ora, ora... Não lhe parece, astuto leitor, uma “armação”, digna de figurar em alguma das tantas histórias de espionagem, quando grupos e pessoas poderosos querem se livrar de adversários incômodos, sem deixar vestígios? Ninguém me convence que a morte de Zola foi acidental. Estou, isto sim, convencidíssimo, mesmo sem nenhuma prova concreta, que o escritor foi assassinado por poderosos inimigos políticos que desafiou, e de certa forma humilhou, sobretudo a alta cúpula militar.

Apesar do seu apaixonado e vigoroso ativismo político, sou admirador, principalmente, da sua intensa, competente e sumamente criativa ação literária. Emile Zola é um dos meus paradigmas, dos meus referenciais, dos modelos que tento humildemente seguir, desde que, há cinquenta e tantos anos, li seu primeiro romance. E não deixei de lê-lo nunca mais. Deliciei-me, e aprendi demais, em especial com a série “Os Rougon-Macquart”, constituída de vinte novelas, que considero um clássico da literatura de todos os tempos. Fascinam-me, em especial, aquelas que considero suas principais características (literárias e de personalidade): indignação com as injustiças, críticas acerbas às diferenças entre as várias classes sociais e a utilização da História como pano de fundo para seus enredos, muitos dos quais belos casos de amor.

Anos atrás, escrevi um ensaio sobre Emile Zola em que destaquei o fato dele utilizar recursos jornalísticos para escrever ficção, o que parece paradoxal e incompatível, mas que o escritor naturalista (é considerado o “pai do Naturalismo”) conseguiu, habilmente, viabilizar. Essa façanha impressionou-me tanto, que intitulei o referido texto de “O repórter do imaginário”. Li, praticamente, tudo o que escreveu (muitos de sua quase centena de livros li no original, em francês, por não haverem sido publicados no Brasil) e não há um único que eu não tenha gostado ou feito qualquer restrição. Zola também tratou de uma epidemia, de cólera, no seu pouco conhecido livro “Os mistérios de Marselha”, obra que escreveu na juventude e que foi uma espécie de ensaio para a monumental produção que viria a empreender anos depois. Tratarei, no entanto, desse romance nos próximos comentários.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: