Escritor que sacrificou
a vida pela justiça
Pedro
J. Bondasczuk
Emile Zola é uma das
figuras maiúsculas da Literatura, e não somente a francesa, mas mundial. Faz
jus a essa avaliação principalmente por seu talento (óbvio), mas também por sua
generosidade e seu senso de solidariedade (que levou ás últimas conseqüências).
Afinal, raras celebridades arriscam seu prestígio (não importa de que tamanho e
conquistado por qual razão) como ele fez em relação ao capitão de origem judia,
Alfred Dreyfus, expulso do Exército francês e enviado à terrível prisão da Ilha
do Diabo, na Guiana Francesa, acusado de traição, por supostamente haver
espionado em favor da Alemanha. Mas não espionou. Todo o processo contra esse
até então obscuro oficial foi uma baita armação – com testemunhos falsos,
“provas” plantadas e outras tantas mutretas – motivada pelo mais escrachado e
vil preconceito. Todos, na França, se calaram diante dessa tremenda injustiça.
Aliás, todos não. Emile Zola não se calou.
Ele bem que poderia ter
ficado à margem do debate sobre a suposta culpabilidade de Dreyfus, que não era
seu parente e nem mesmo amigo. Não tinha, portanto, nenhuma espécie de vínculo
com o militar e muito menos qualquer interesse pessoal. Ninguém o condenaria
caso não se metesse na questão, que não lhe dizia respeito. Mas a injustiça
cometida causava-lhe náusea. E Zola não conseguiu conter sua indignação.
Batalhou, com as armas que tinha – a precisão do seu texto e a clara exposição
de argumentos inatacáveis – para que a verdade viesse á tona e o absurdo erro
judiciário fosse reparado. Em 1898, escreveu, e publicou em jornais e revistas,
uma série de artigos, com fatos sonegados da justiça e com argumentação sólida
e inquestionável, comprovando, por a + b, a inocência do infeliz condenado. O
mais, contundente e detalhado foi o famoso “J’acuse”, com o subtítulo “Carta a
Felix Faure” (o então presidente da França), publicado no jornal literário
“Aurore”.
Esse texto era tão
incisivo que provocou uma reviravolta completa no caso e levou à revisão do
processo, dando-lhe nova dimensão, resultando não só na libertação de Alfred
Dreyfus, mas, sobretudo, anos depois, em 1906, quando Zola já estava morto, na
completa reabilitação do oficial. Já o escritor... teve uma série de
contratempos por sua ousadia e generosidade. Após a publicação de J'accuse, por
exemplo, foi processado por difamação e condenado a um ano de prisão. É certo
que não foi parar atrás das grades. Ao saber da condenação, Zola,
prudentemente, partiu para o exílio na Inglaterra. Após seu regresso, quando já
não corria o risco de ser preso dada a evolução positiva do processo, publicou,
no "La Vérité en marche", vários artigos sobre o caso.
Mas tudo indica que
pagou com a própria vida por seu amor à justiça e por sua ousadia em desafiar
os poderosos e defender com paixão suas convicções. Há fartos indícios de que
foi assassinado, embora as investigações sobre sua morte não tenham chegado a
nenhuma conclusão. Em 29 de Setembro de 1902, Emile Zola morreu misteriosamente
em seu apartamento da rue de Bruxelles. Causa da morte: inalação de uma
quantidade letal de monóxido de carbono proveniente de uma chaminé defeituosa.
Ora, ora, ora... Não lhe parece, astuto leitor, uma “armação”, digna de figurar
em alguma das tantas histórias de espionagem, quando grupos e pessoas poderosos
querem se livrar de adversários incômodos, sem deixar vestígios? Ninguém me
convence que a morte de Zola foi acidental. Estou, isto sim, convencidíssimo,
mesmo sem nenhuma prova concreta, que o escritor foi assassinado por poderosos
inimigos políticos que desafiou, e de certa forma humilhou, sobretudo a alta
cúpula militar.
Apesar do seu
apaixonado e vigoroso ativismo político, sou admirador, principalmente, da sua
intensa, competente e sumamente criativa ação literária. Emile Zola é um dos
meus paradigmas, dos meus referenciais, dos modelos que tento humildemente
seguir, desde que, há cinquenta e tantos anos, li seu primeiro romance. E não
deixei de lê-lo nunca mais. Deliciei-me, e aprendi demais, em especial com a
série “Os Rougon-Macquart”, constituída de vinte novelas, que considero um
clássico da literatura de todos os tempos. Fascinam-me, em especial, aquelas
que considero suas principais características (literárias e de personalidade):
indignação com as injustiças, críticas acerbas às diferenças entre as várias
classes sociais e a utilização da História como pano de fundo para seus
enredos, muitos dos quais belos casos de amor.
Anos atrás, escrevi um
ensaio sobre Emile Zola em que destaquei o fato dele utilizar recursos
jornalísticos para escrever ficção, o que parece paradoxal e incompatível, mas
que o escritor naturalista (é considerado o “pai do Naturalismo”) conseguiu,
habilmente, viabilizar. Essa façanha impressionou-me tanto, que intitulei o
referido texto de “O repórter do imaginário”. Li, praticamente, tudo o que
escreveu (muitos de sua quase centena de livros li no original, em francês, por
não haverem sido publicados no Brasil) e não há um único que eu não tenha
gostado ou feito qualquer restrição. Zola também tratou de uma epidemia, de
cólera, no seu pouco conhecido livro “Os mistérios de Marselha”, obra que
escreveu na juventude e que foi uma espécie de ensaio para a monumental
produção que viria a empreender anos depois. Tratarei, no entanto, desse
romance nos próximos comentários.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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