Confiança como premissa
Pedro J. Bondaczuk
O
secretário de Defesa norte-americano, Casper Weinberger, intransigente defensor
da Iniciativa de Defesa Estratégica do presidente Ronald Reagan, sistema que
visa a destruir mísseis nucleares soviéticos poucos minutos após eles serem
disparados, formando uma espécie de escudo espacial ao redor dos Estados Unidos
e de países aliados, está tentando, desde ontem, uma árdua tarefa. A de
convencer seus parceiros europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte
que a União Soviética está violando alguns acordos sobre controle armamentista.
Entre estes, evidentemente, enumera (ou coloca no topo da lista), o Tratado ABM, que veda às superpotências a
construção de armas destinadas a impedir uma "mútua destruição
assegurada", doutrina vigente na atualidade e que estabelece o raciocínio
de que, enquanto cada um dos dois gigantes do mundo tiver consciência de que
pode ser eliminado sumariamente do mapa, não tomará qualquer iniciativa para
deflagrar uma guerra atômica.
Pelas
reações iniciais mostradas pelos parceiros da Otan, parece que Weinberger não
terá o sucesso que pretendia na tarefa. Ele mantém, com o secretário de Estado,
George Shultz, uma controvérsia, que está retardando uma posição da Casa Branca
quanto a esse importante tema, o da chamada "guerra nas estrelas", na
reunião de cúpula que o presidente norte-americano Ronald Reagan e o líder
soviético, Mikhail Gorbachev, vão realizar, dentro de exatos 20 dias, em
Genebra. O primeiro defende a tese de que os russos não são confiáveis. Que
tudo fazem para burlar acordos e tratados sobre controle armamentista. Em suma,
que são uns incorrigíveis trapaceiros. Por essa razão, deseja impor a tese de
que a Iniciativa de Defesa Estratégica, em fase inicial de pesquisas, não deve
se limitar apenas a meros estudos quanto à sua viabilidade. Quer que, qualquer
que seja o resultado da reunião entre Reagan e Gorbachev, em Genebra, a
"guerra nas estrelas" seja transposta para o plano prático.
O
secretário de Estado, George Shultz, que ainda nesta semana deverá manter um
encontro reservado com o líder soviético no Cremlin, tem uma posição diferente.
Não que se oponha ao projeto do escudo espacial, longe disso. Mas acha que se
Moscou oferecer algo realmente substancial em troca de seu arquivamento, a
Iniciativa de Defesa Estratégica deve se limitar apenas à fase das pesquisas.
Até porque, entende, se os Estados Unidos forem para Genebra aferrados a uma
posição apriorística, rígida, esse importante encontro de notáveis estará
fadado ao inexorável fracasso, com conseqüências imprevisíveis para todos e no
mínimo trágicas.
A
julgar pelas reações cautelosas dos ministros da Defesa dos países integrantes
da Otan, reunidos desde ontem em Bruxelas, a tese de Shultz, visivelmente a mais
racional, está prevalecendo. E isso em menos de uma semana após a reunião de
emergência de Ronald Reagan com os representantes das seis nações mais ricas do
mundo, cinco das quais integrantes da aliança atlântica. O que equivale a dizer
que a posição do presidente norte-americano parece pender para o lado de seu
secretário de Estado, a despeito das pressões quase irresistíveis que sofre da
extrema-direita em seu país.
Se
duas pessoas forem para uma mesa de negociações desconfiadas previamente de que
tudo o que for acertado será descumprido pela outra parte, é melhor que nem
iniciem esse processo negociador. A base elementar para qualquer acordo é a
confiança de que o outro lado respeitará o que for acertado. Esse clima de
desconfiança recíproca é que levou as superpotências à atual enrascada. A
iniciarem uma corrida desesperada para o abismo, sem que saibam, ou possam, ou
queiram usar algum dispositivo que consiga parar essa disparada para a mútua
destruição.
É
verdade que a indústria armamentista nuclear emprega, hoje, direta ou
indiretamente, milhares de pessoas em todo o mundo. Movimenta a parte mais
substancial dos recursos financeiros gerados por toda a humanidade. Dá
oportunidades a pesquisas sofisticadas e dispendiosas. Mas nem o mais
insensível dos líderes é tão tolo a ponto de não perceber que todo esse
trabalho não está construindo nada. A não ser que esteja fabricando "a
corda com a qual todos seremos enforcados". Muita coisa estará, portanto,
em jogo em Genebra para que se arrisque tudo apenas porque um interlocutor não
confia no outro. E Weinberger desconfia dos russos...
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 30 de outubro de
1985)
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