A vez é dos bentevis
Pedro J. Bondaczuk
As andorinhas deixaram Campinas –
que neste 14 de julho de 2016 completa 242 anos de fundação - há mais de meio
século, conforme tratei em recente crônica, para nunca mais voltar. Ficaram,
todavia, os pardais, sabiás e bentevis. Dos primeiros nem quero tratar, pois
existem em praticamente todas as cidades do mundo e não apresentam nenhum
atrativo especial, a não ser a sua quantidade. São tantos, que emprestam seu
nome à gíria da moeda de menor valor entre nós, as cédulas de R$ 1. Aliás, nos
tempos do velho e quase inútil cruzeiro, principalmente naquele período de
hiperinflação galopante no País (de triste memória, por sinal) essa designação
caía até melhor.
As andorinhas se foram? Pior para
elas! Quanto aos sabiás... Bem, talvez trate deles numa outra ocasião. Hoje,
proponho-me a abordar uma ave que há, em Campinas, em relativa profusão e desde
antes do primeiro homem haver posto os pés por aqui, quando estas paragens eram
conhecidas como Mato Grosso de Jundiaí, por suas características de mata
fechada, com grande quantidade de árvores gigantescas, em especial o jequitibá.
Hoje, desse espécime nativo resta um único e solitário “herói da resistência”,
em frente ao Paço Municipal. Havia, não faz muito, dois, mas um deles não
resistiu à inclemência do tempo e foi posto a pique por um vendaval, num desses
temporais que vira e mexe se abatem, subitamente, sobre a cidade. A ave a que
me refiro (e o leitor inteligente já percebeu) é o bentevi (conhecido como
kiskadi em Portugal).
Nas árvores, em frente à minha
casa, no bairro Jardim Chapadão (exata divisa com o Castelo), há vários ninhos
desses pássaros que me acordam todas as manhãs com seus cantos estridentes,
como que saudando a alvorada. Acostumei-me com eles e sinto uma falta incrível
dos mesmos quando viajo e não os ouço nos hotéis em que me hospedo nas cidades
pelo Brasil afora. Já fazem parte da minha rotina diária. Incorporaram-se,
definitivamente, na minha vida.
Gosto dos bentevis e por uma
série de motivos. Um deles, por exemplo, é o seu aspecto, o seu jeito, a sua
plumagem. São bonitos na sua coloração amarela viva (no ventre, com uma listra
branca no alto da cabeça). Aliás, parte do seu nome científico (Pitangus
Sulphuratus) deve-se exatamente a essa cor. Sulphuratus, em latim, quer dizer
enxofre. E este, qualquer criança sabe, é amarelo. Os índios chamavam esse
pássaro de “Pitangaguassu” (pitanga grande). Realmente, ele guarda alguma
remota semelhança com essa fruta, tão deliciosa, e que me desperta tantas
lembranças da infância.
Na Argentina, o nome pelo qual é
conhecido não condiz nada, nada, com seu porte. Ali é chamado de “Bichofeo”.
Que injustiça! Acho, como já declarei, o bentevi belíssimo! Mas é uma questão
de gosto que, afinal, não se discute. Os bolivianos chamam-no de “Frio”, apesar
do calor que parece emanar, quer no porte, na plumagem, quer no seu canto,
apressado e nervoso. Mas o nome é o que menos importa.
Outra característica do bentevi
que me fascina é a sua fidelidade. Os ornitólogos dizem (e quem sou eu para contestar
os especialistas?) que se trata de uma ave monogâmica. O casal, depois de se
conhecer, fica junto por toda a vida. Macho e fêmea compartilham as
responsabilidades e constroem, juntos, o ninho, com capim e pequenas ramas de
vegetais, em galhos de árvores geralmente bem-cerradas. É muito comum, todavia,
vê-los em cavidades de postes. Afinal, há tempos que já se adaptaram às
cidades, em convivência pacífica com os homens (alguns) e se tornaram pássaros
urbanos.
Uma terceira característica que
me agrada nos bentevis é a sua coragem. Após a fêmea postar os ovos, o casal
defende, com vigor, o território ao redor do ninho, podendo ser agressivo com
outras aves, ou até mesmo com animais (como os gatos) caso se sintam ameaçados.
Por essa razão, os ornitólogos classificam-nos na família dos tiranídeos (de
tirano).
Com apenas 24 centímetros de
comprimento, é comum ver-se os valentes e ousados bentevis dando rasantes em
aves de rapina muito maiores do que eles, principalmente em gaviões, caso ousem
invadir o seu território. E quase sempre, põem os invasores para correr, a
poder de certeiras bicadas. Êta avezinha corajosa!
Andorinhas?! Para quê os
campineiros as quereriam?! Afinal, não foram elas que se mostraram infiéis e
nos abandonaram, provavelmente para sempre?! Que fiquem onde escolheram viver!
Salve, isso sim, os fidelíssimos bentevis, que nos acordam cedo, cedíssimo,
para esta aventura, não raro inglória, da sobrevivência e que neste amanhecer
de 14 de julho de 2016, como sempre fazem, saudaram, e com especial entusiasmo,
os 242 anos desta metrópole vibrante que tanto amamos!!!
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