Gorbachev testa o charme
Pedro J. Bondaczuk
O
líder soviético Mikhail Gorbachev inicia, hoje, em Paris, a sua segunda viagem
ao Exterior e a primeira ao Ocidente na qualidade de dirigente máximo de seu
país. A única vez que deixou a União Soviética, após substituir a Constantin
Chernenko, no Cremlin, em março passado, foi para ir a Varsóvia, participar da
reunião que renovou por mais vinte anos o Pacto que leva o mesmo nome da
capital polonesa, envolvendo seus aliados (o mais correto seria afirmar seus
satélites) do Leste Europeu. E a primeira tarefa do secretário-geral do Partido
Comunista da URSS não será das mais fáceis. Diríamos, até, que vai se
constituir numa missão bastante indigesta.
Gorbachev,
como é do conhecimento geral, se opõe tenazmente ao projeto do presidente
norte-americano Ronald Reagan denominado "Iniciativa de Defesa
Estratégica", que a imprensa já apelidou de "guerra nas
estrelas" (nome que causa profunda irritação na Casa Branca). Mas precisa
de aliados de peso, que não sejam do seu próprio bloco (por razões óbvias), de
preferência entre os amigos dos Estados Unidos, para que a sua tese tenha
alguma chance de sucesso.
Os
países europeus, integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte,
foram convidados por Reagan a participar da pesquisa desse sistema, que visa a
criar um escudo defensivo espacial sobre o Ocidente, destruindo qualquer míssil
soviético eventualmente disparado, em caso de guerra, em pleno espaço. Nenhum
dos membros da Otan, contudo, mostrou grande entusiasmo em gastar preciosos
dólares em algo de tão duvidosa eficácia. A Grã-Bretanha colocou em dúvida a
viabilidade do projeto. A Alemanha Ocidental, embora não tenha dado resposta
negativa direta, mostrou uma vacilação que equivale a uma gentil recusa. A França,
por outro lado, embora não pertença à Otan, é considerada grande parceira e
aliada natural dos Estados Unidos. E esta sim recusou abertamente a
participação nas pesquisas da IDE. Mas não porque não creia na praticabilidade
do projeto, ou porque tenha ficado impressionada com a argumentação de Moscou,
contrária à militarização do espaço. É que os franceses têm o seu próprio plano
defensivo, o "Eureka", com os mesmos objetivos do "guerra nas
estrelas", mas envolvendo somente países europeus.
Certamente
Gorbachev não seria tão ingênuo ao ponto de tentar convencer o presidente
François Mitterrand não só a se voltar contra a iniciativa de Reagan, mas até
de renegar a própria. Deve estar querendo, na verdade, sentir o clima no
Ocidente, antes da verdadeira batalha de astúcia que terá de travar em Genebra,
em 19 e 20 de novembro próximo. Certamente quer conferir a receptividade na
opinião pública ocidental às suas últimas ofertas, que a despeito da barreira
de sigilo armada em torno delas (por razões óbvias, às vésperas de tão
importante reunião de cúpula), se resumem na redução de 50% nos arsenais
ofensivos nucleares de ambas as superpotências.
O
presidente Reagan parece ter gostado da proposta soviética. Mas ainda está
desconfiado de tamanha "generosidade" e procura analisar o que há por
trás dela. Afinal, entre esses dois poderosos adversários, nada é feito
gratuitamente. Um busca permanentemente abrir brechas no flanco do outro e
furar suas barreiras. É sempre na base do "toma lá, dá cá", em todos
os campos de atividade. A tarefa de Gorbachev, nesta viagem, será a de
convencer o presidente francês (que tem sido o mais duro governante da França
em relação à União Soviética talvez desde 1917, mesmo sendo um socialista), que
seu oferecimento não é apenas prudente. Mas é generoso e feito com um espírito
aberto e de boa vontade. E se possível, arrancar de Mitterrand uma providencial
crítica contra os Estados Unidos, mesmo que velada, para romper o monolitismo
da Europa Ocidental em sua aliança com Washington.
Reagan,
aliás, a esse propósito, está pagando para ver. Acredita que a passagem de
Gorbachev pela França será benéfica para suas próprias posições, no sentido
dele entender que o Ocidente está coeso em torno do princípio ideológico que
escolheu. E que, após essa constatação, o líder russo compareça a Genebra não
para um encontro social, mas para negociar com seriedade e pragmatismo. Que
ambos ajam assim, é o que se espera, para que este mundo se torne um lugar um
pouquinho mais seguro para se viver.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 2 de outubro de
1985)
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