Thursday, July 07, 2016

Gorbachev testa o charme

Pedro J. Bondaczuk

O líder soviético Mikhail Gorbachev inicia, hoje, em Paris, a sua segunda viagem ao Exterior e a primeira ao Ocidente na qualidade de dirigente máximo de seu país. A única vez que deixou a União Soviética, após substituir a Constantin Chernenko, no Cremlin, em março passado, foi para ir a Varsóvia, participar da reunião que renovou por mais vinte anos o Pacto que leva o mesmo nome da capital polonesa, envolvendo seus aliados (o mais correto seria afirmar seus satélites) do Leste Europeu. E a primeira tarefa do secretário-geral do Partido Comunista da URSS não será das mais fáceis. Diríamos, até, que vai se constituir numa missão bastante indigesta.

Gorbachev, como é do conhecimento geral, se opõe tenazmente ao projeto do presidente norte-americano Ronald Reagan denominado "Iniciativa de Defesa Estratégica", que a imprensa já apelidou de "guerra nas estrelas" (nome que causa profunda irritação na Casa Branca). Mas precisa de aliados de peso, que não sejam do seu próprio bloco (por razões óbvias), de preferência entre os amigos dos Estados Unidos, para que a sua tese tenha alguma chance de sucesso.

Os países europeus, integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte, foram convidados por Reagan a participar da pesquisa desse sistema, que visa a criar um escudo defensivo espacial sobre o Ocidente, destruindo qualquer míssil soviético eventualmente disparado, em caso de guerra, em pleno espaço. Nenhum dos membros da Otan, contudo, mostrou grande entusiasmo em gastar preciosos dólares em algo de tão duvidosa eficácia. A Grã-Bretanha colocou em dúvida a viabilidade do projeto. A Alemanha Ocidental, embora não tenha dado resposta negativa direta, mostrou uma vacilação que equivale a uma gentil recusa. A França, por outro lado, embora não pertença à Otan, é considerada grande parceira e aliada natural dos Estados Unidos. E esta sim recusou abertamente a participação nas pesquisas da IDE. Mas não porque não creia na praticabilidade do projeto, ou porque tenha ficado impressionada com a argumentação de Moscou, contrária à militarização do espaço. É que os franceses têm o seu próprio plano defensivo, o "Eureka", com os mesmos objetivos do "guerra nas estrelas", mas envolvendo somente países europeus.

Certamente Gorbachev não seria tão ingênuo ao ponto de tentar convencer o presidente François Mitterrand não só a se voltar contra a iniciativa de Reagan, mas até de renegar a própria. Deve estar querendo, na verdade, sentir o clima no Ocidente, antes da verdadeira batalha de astúcia que terá de travar em Genebra, em 19 e 20 de novembro próximo. Certamente quer conferir a receptividade na opinião pública ocidental às suas últimas ofertas, que a despeito da barreira de sigilo armada em torno delas (por razões óbvias, às vésperas de tão importante reunião de cúpula), se resumem na redução de 50% nos arsenais ofensivos nucleares de ambas as superpotências.

O presidente Reagan parece ter gostado da proposta soviética. Mas ainda está desconfiado de tamanha "generosidade" e procura analisar o que há por trás dela. Afinal, entre esses dois poderosos adversários, nada é feito gratuitamente. Um busca permanentemente abrir brechas no flanco do outro e furar suas barreiras. É sempre na base do "toma lá, dá cá", em todos os campos de atividade. A tarefa de Gorbachev, nesta viagem, será a de convencer o presidente francês (que tem sido o mais duro governante da França em relação à União Soviética talvez desde 1917, mesmo sendo um socialista), que seu oferecimento não é apenas prudente. Mas é generoso e feito com um espírito aberto e de boa vontade. E se possível, arrancar de Mitterrand uma providencial crítica contra os Estados Unidos, mesmo que velada, para romper o monolitismo da Europa Ocidental em sua aliança com Washington.

Reagan, aliás, a esse propósito, está pagando para ver. Acredita que a passagem de Gorbachev pela França será benéfica para suas próprias posições, no sentido dele entender que o Ocidente está coeso em torno do princípio ideológico que escolheu. E que, após essa constatação, o líder russo compareça a Genebra não para um encontro social, mas para negociar com seriedade e pragmatismo. Que ambos ajam assim, é o que se espera, para que este mundo se torne um lugar um pouquinho mais seguro para se viver.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 2 de outubro de 1985)


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