Mistura perigosa
Pedro
J. Bondaczuk
Há uma tendência, que
começou a ganhar corpo em meados dos anos 70 do século XX, e que hoje está
bastante disseminada: a de misturar realidade e ficção em um só caldeirão,
notadamente em contos e romances.
Não me refiro à
ambientação, que sempre existiu. Ou seja, ao recurso de situar a história
inventada em determinado período da História real, trazendo à baila um ou outro
fato realmente ocorrido. Isso já vem sendo feito há muito, muitíssimo tempo. A
novidade (não mais tão nova assim, convenhamos) é tomar figuras públicas de
grande notoriedade e projeção como personagens e fazê-las “viver” enredos
fictícios.
Dan Brown, entre outros
tantos, faz isso muito bem. Não desaprovo esse procedimento, mas ele envolve
certos riscos, aos quais convém que se esteja atento. Por exemplo, o escritor
não pode colocar esse personagem de carne e osso em situações vexatórias, em
que ele, de fato, nunca esteve e nem nas que impliquem em atos de burla à lei.
Se o fizer, corre o risco de levar um baita processo por calúnia, injúria ou
difamação (ou os três juntos). E, nesses casos, sequer adiantará argumentar que
a Justiça está lhe tolhendo a “liberdade de expressão”. Não estará. Essa só é
válida quando se trata de “fatos”, de verdades, de acontecimentos e ainda assim
quando se tem a devida comprovação do que se afirma.
Utilizo muito esse
recurso de misturar ficção e realidade, mas apenas em relação à ambientação das
minhas histórias. Quando escrevo, por exemplo, algum conto que situo, digamos,
no Carnaval de 2001, coloco meus personagens no Sambódromo do Rio de Janeiro,
em um desfile real de escolas de samba, com os enredos e fantasias da ocasião.
Ou em algum dos tantos salões que promovem bailes carnavalescos, com as
fantasias que os participantes de fato usaram, as músicas que as orquestras
tocaram e a decoração verdadeira que havia.
Quando a história que
me proponho a contar ocorre em 1964, menciono o golpe militar e até recorro a
manchetes de jornais da época, que noticiaram esse fato (na versão deles, da
qual, hoje, muitos certamente se envergonham, mas que não podem alterar).
Mesmo não utilizando
personalidades verdadeiras como personagens, via de regra ocorrem equívocos por
parte de leitores que às vezes me assustam e outras me constrangem. Exemplo?
Recentemente, publiquei um conto em uma revista de grande circulação em que meu
personagem central integra uma quadrilha de ladrões de relógios da marca
“Rolex’. O bando realmente existia e agia como o descrito. O personagem em
questão, porém, e tudo o que ele fez no enredo, saíram da minha imaginação. Não
foi assim que muitos leitores interpretaram. Recebi várias manifestações
positivas, mas, uma, em particular, causou-me grande surpresa e uma certa
aflição..
A pessoa que me
escrevia cumprimentava-me pela “detalhada reportagem” que havia acabado de ler.
Ora, ora, ora. Não era reportagem coisa nenhuma! Tratava-se de puríssima
ficção. Junto com o conto, havia, até, uma observação, no rodapé do texto,
ressaltando esse caráter ficcional. Não adiantou. Pelo menos o leitor que me
escreveu, certamente, passou batido por essa nota. Minha história era tão
verossímil (no entender dele) que lhe pareceu mera reportagem (sem demérito
nenhum, claro, para este tipo de matéria que é o coração e a alma do bom
jornalismo).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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