O
anjo da guarda dos reféns
Pedro J. Bondaczuk
O norte-americano David Jacobsen tem tudo para estar
feliz hoje. Após um longo cativeiro no Líbano, em mãos de extremistas do grupo
xiita Jihad, foi libertado no domingo e já está numa base militar de seu país
na Alemanha Ocidental, à espera daquele momento que ele tanto esperou, por
longos 19 meses, que é o de rever seus familiares.
A exemplo de outros compatriotas que ganharam a
liberdade nos últimos tempos, esse ex-diretor do Hospital Americano de Beirute,
tem uma dívida de gratidão para com um homem notável. Este é um hábil
negociador, que conhece, praticamente, todos os meandros dos grupos radicais de
Beirute onde, freqüentemente, arrisca a vida, na tentativa de soltar algum
cativo. Referimo-nos ao negociador da Igreja Anglicana, o britânico Terry
Waite.
Seu nome não é daqueles que freqüentam, diariamente,
os noticiários. E nem poderia ser. Afinal, a sua missão, por ser de extrema
delicadeza, exige o máximo de discrição e de sigilo. Mas creia, o leitor, que
se não fosse o seu esforço diplomático, a sua paciência e seu talento
negociador, nem o padre Lawrence Jenco, libertado em 27 de julho passado, nem
Jacobsen e nem outro refém qualquer que conseguiu retornar são e salvo ao
convívio de sua família, estariam vivos a esta altura.
O Líbano, em guerra civil, é, compreensivelmente, um
país de alto risco para qualquer estrangeiro, principalmente se ele for
norte-americano, francês ou britânico. Mas nem os soviéticos escaparam do
dissabor de serem tomados como reféns ali, sendo que um de seus seqüestrados
acabou sendo morto, ao tentar reagir à sua captura.
Desde janeiro de 1984, cerca de 60 cidadãos, das
mais variadas nacionalidades, experimentaram o dissabor de um cativeiro nesse
país. Alguns tiveram pouca sorte e foram encontrados mortos dias mais tarde,
após ninguém ter reclamado sua liberdade. Muitos têm a desdita maior de serem
seqüestrados por traficantes de ópio do Vale de Bekaa, que exigem apenas
dinheiro por resgate. Esses, caso seus familiares não arranjem as importâncias
pedidas, estão, irremediavelmente, condenados à morte.
Os grupos radicais, por outra parte, periodicamente
renovam seus “estoques” de reféns. Foram os casos de três norte-americanos
feitos cativos, recentemente: o professor Frank Albert Reed, em 9 de setembro
passado; Joseph James Cicippio, três dias depois e o escritor de livros
infantis, Edward Austin Tracy, em 22 de outubro passado. Eles foram juntar-se
ao correspondente Terry Anderson, da agência AP e a Thomas Sutherland, há
tempos vivendo esse “inferno”, conforme Jacobsen classificou o cativeiro.
Mas, tanto os cativos que lograram voltar para casa,
quanto os que vivem o sobressalto diário de poderem ser executados a qualquer
mudança nos ventos políticos no Líbano, podem ter uma certeza. Alguém, muito
hábil, sereno e competente, está fazendo alguma coisa por eles.
Terry Waite não se esquece de suas aflições e usa
todos os meios possíveis (e, às vezes, até os impossíveis) para obter sua
liberdade. Está aí um homem de boa vontade, com todos os títulos e ações
necessários para uma indicação ao Nobel da Paz. Mas, mesmo que jamais venha a
ser lançado candidato a tal honraria (que há tempos já faz jus), certamente se
sentirá permanentemente recompensado quando puder ver gente, que na verdade nem
conhece pessoalmente e por cujas vidas se empenhou com tanto desvelo, como
Lawrence Jenco e David Jacobsen, retornando ao aconchego de suas famílias.
Moralmente, Terry Waite será um eterno premiado, pois é um autêntico promotor
da paz, num mundo, e numa era, tão conturbados, que levam a chancela da cega
violência.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 4 de novembro de 1986)
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