Friday, July 22, 2016

O anjo da guarda dos reféns



Pedro J. Bondaczuk


O norte-americano David Jacobsen tem tudo para estar feliz hoje. Após um longo cativeiro no Líbano, em mãos de extremistas do grupo xiita Jihad, foi libertado no domingo e já está numa base militar de seu país na Alemanha Ocidental, à espera daquele momento que ele tanto esperou, por longos 19 meses, que é o de rever seus familiares.

A exemplo de outros compatriotas que ganharam a liberdade nos últimos tempos, esse ex-diretor do Hospital Americano de Beirute, tem uma dívida de gratidão para com um homem notável. Este é um hábil negociador, que conhece, praticamente, todos os meandros dos grupos radicais de Beirute onde, freqüentemente, arrisca a vida, na tentativa de soltar algum cativo. Referimo-nos ao negociador da Igreja Anglicana, o britânico Terry Waite.

Seu nome não é daqueles que freqüentam, diariamente, os noticiários. E nem poderia ser. Afinal, a sua missão, por ser de extrema delicadeza, exige o máximo de discrição e de sigilo. Mas creia, o leitor, que se não fosse o seu esforço diplomático, a sua paciência e seu talento negociador, nem o padre Lawrence Jenco, libertado em 27 de julho passado, nem Jacobsen e nem outro refém qualquer que conseguiu retornar são e salvo ao convívio de sua família, estariam vivos a esta altura.

O Líbano, em guerra civil, é, compreensivelmente, um país de alto risco para qualquer estrangeiro, principalmente se ele for norte-americano, francês ou britânico. Mas nem os soviéticos escaparam do dissabor de serem tomados como reféns ali, sendo que um de seus seqüestrados acabou sendo morto, ao tentar reagir à sua captura.

Desde janeiro de 1984, cerca de 60 cidadãos, das mais variadas nacionalidades, experimentaram o dissabor de um cativeiro nesse país. Alguns tiveram pouca sorte e foram encontrados mortos dias mais tarde, após ninguém ter reclamado sua liberdade. Muitos têm a desdita maior de serem seqüestrados por traficantes de ópio do Vale de Bekaa, que exigem apenas dinheiro por resgate. Esses, caso seus familiares não arranjem as importâncias pedidas, estão, irremediavelmente, condenados à morte.

Os grupos radicais, por outra parte, periodicamente renovam seus “estoques” de reféns. Foram os casos de três norte-americanos feitos cativos, recentemente: o professor Frank Albert Reed, em 9 de setembro passado; Joseph James Cicippio, três dias depois e o escritor de livros infantis, Edward Austin Tracy, em 22 de outubro passado. Eles foram juntar-se ao correspondente Terry Anderson, da agência AP e a Thomas Sutherland, há tempos vivendo esse “inferno”, conforme Jacobsen classificou o cativeiro.

Mas, tanto os cativos que lograram voltar para casa, quanto os que vivem o sobressalto diário de poderem ser executados a qualquer mudança nos ventos políticos no Líbano, podem ter uma certeza. Alguém, muito hábil, sereno e competente, está fazendo alguma coisa por eles.

Terry Waite não se esquece de suas aflições e usa todos os meios possíveis (e, às vezes, até os impossíveis) para obter sua liberdade. Está aí um homem de boa vontade, com todos os títulos e ações necessários para uma indicação ao Nobel da Paz. Mas, mesmo que jamais venha a ser lançado candidato a tal honraria (que há tempos já faz jus), certamente se sentirá permanentemente recompensado quando puder ver gente, que na verdade nem conhece pessoalmente e por cujas vidas se empenhou com tanto desvelo, como Lawrence Jenco e David Jacobsen, retornando ao aconchego de suas famílias. Moralmente, Terry Waite será um eterno premiado, pois é um autêntico promotor da paz, num mundo, e numa era, tão conturbados, que levam a chancela da cega violência.     
 
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 4 de novembro de 1986)


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