Literatura e ideologia
Pedro
J. Bondaczuk
O tema que trago, hoje,
à baila é dos mais polêmicos e é daqueles que sempre que são tratados, geram
controvérsias e dividem opiniões. Foi levantado por um leitor, que não vê nada
de errado em utilizar a literatura como veículo de ideologias que preguem
justiça e liberdade dos povos. Creio que, retoricamente, todas apregoem isso.
Mas na prática... Particularmente, não gosto de misturar as coisas. Mas achar
que se pode fazer Literatura absolutamente neutra, sem nenhum ranço ideológico,
me parece imensa ingenuidade.
Na poesia, por exemplo,
oponho-me a poemas que mais pareçam panfletos de propaganda do que obras de
arte. A mistura de movimentos ideológicos com literários tende a ser mais
explosiva do que nitroglicerina. Salvo alguma exceção (que desconheço) acaba
por poluir a ambos. Ou seja, a ideologia e a Literatura.
Há, porém, um conceito,
mistura dos dois, que considero válido e justo. Refiro-me à “Negritude”. E por
que penso assim? Porque não é segredo para ninguém a forma vil e covarde com
que os povos da África foram tratados ao longo da chamada História Moderna
(iniciada com a queda de Constantinopla, em 1454).
Refiro-me a essa
indecência terrível e injustificável, que foi a escravidão, e à atitude de
rapina das potências européias, em relação ao continente negro, a tal da
“colonização”, empreendida pela França, Grã-Bretanha, Bélgica e Alemanha, a
partir de 1880.
René Maran, autor de
“Batouala”, é considerado, historicamente, como o precursor do movimento
“Negritude”. Mas o termo em si, e não propriamente o conceito que nomeou, foi
criado, em 1935, por Aimé Césaire. Esse escritor africano usou-o, pela primeira
vez, em um artigo que publicou no número três da revista “L’Étudient noir” (“O
Estudante Negro”).
Os criadores do
Negritude tinham em mente, pelo menos no início, a reivindicação da identidade
negra e de sua cultura perante a dos colonizadores e repressores dos povos
africanos. Não tinha, pois, conotação política.
Quem, no entanto, deu
impulso à idéia, fazendo dela mais do que mera corrente artística, notadamente
literária, foi um dos maiores poetas e intelectuais da África, presidente, por
décadas, do Senegal após a sua independência (que inclusive esteve no Brasil,
onde participou de histórica sessão da Academia Brasileira de Letras), Leopold
Sedar Senghor.
Negritude,
paulatinamente, transformou-se em ideologia política. A partir de 1947,
impulsionou o movimento maciço de libertação dos povos africanos, que
resultaria na independência da totalidade dos atuais países do continente. Essa
corrente de pensamento, que começou nas colônias francesas, espalhou-se logo
pela África inteira, mas acabou desvirtuada, enquanto corrente exclusivamente
literária.
Ressalte-se, a bem da
verdade, que vários intelectuais brancos, franceses, apoiaram,
entusiasticamente, o movimento. Jean-Paul Sartre foi um deles. O criador do
“existencialismo” definiu esse conceito da seguinte forma: “Negritude é a
negação da negação do homem negro”.
Posteriormente, alguns
escritores (negros e mestiços) condenaram o movimento. Alguns achavam-no
retórico demais, rústico e simplificador e, sobretudo, pouco prático. Outros,
por seu turno, entendiam o oposto, ou seja, que era muito radical.
O nigeriano Wole
Soyinka – ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura – justificou suas críticas,
em relação ao Negritude, da seguinte forma: “O tigre não declara sua
‘tigritude’ Salta sobre sua presa e a devora”.
Fora da África, o
movimento teve alguma repercussão (relativamente pequena) apenas na França e em
suas (ainda) colônias nas Antilhas e na Ásia. No Brasil, após a visita de
Senghor, chegou a se esboçar o surgimento de uma “literatura negra”. Mas não
teve, nem de longe, o impacto havido na África. E você, o que acha dessa
mistura de ideologia com Literatura? E, especificamente, do Negritude?
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