Saturday, July 09, 2016

Lições de um mestre insuspeito



Pedro J. Bondaczuk


O livreto intitulado “Operações Psicológicas na Guerra de Guerrilhas”, do qual o jornal norte-americano “The New York Times” publicou, anteontem, alguns trechos, está sendo classificado como um novo grande escândalo político nos EUA.

Não se trata, como o título da obra pode sugerir, de nenhum tratado do gênio desse tipo de guerra, o vietnamita Vo Nguyen Giap. Nem de subsídios à bibliografia a tal respeito de qualquer líder guerrilheiro da atualidade, como Sam Nujoma, da Swapo, Yasser Arafat, da OLP ou mesmo de um “Che” Guevara ou Fidel Castro.

O livro em questão, que ensina como neutralizar oficiais de um regime que se quer derrubar, o que dizer à opinião pública se um civil for morto ao tentar deixar uma cidade sitiada ou como conquistar o apoio de um povo, sublevando-o contra as autoridades constituídas, pasmem os leitores, é de autoria do Serviço de Inteligência norte-americano, a CIA.

Ele se destina a orientar os anti-sandinistas em sua luta para assumir o poder na Nicarágua (certamente saudosos dos tempos de corrupção e mazelas do ex-ditador Anastásio Somoza) e prega, ainda, entre outras coisas, a utilização de assassinatos políticos e até a contratação, “quando se fizer necessário”, de criminosos profissionais comuns para executar esse tipo de “missão”.

O que espanta em tudo isso é que a Casa Branca tem vindo com uma freqüência espantosa a público para deblaterar contra o terror. Aliás, nisso estamos de pleno acordo. Não há uma só pessoa de bom senso que defenda essa prática criminosa e insensata, que não dá o mínimo valor à vida dos semelhantes.

O presidente Ronald Reagan tem feito acusações até apaixonadas contra terroristas libaneses, iranianos, líbios, palestinos e tantos quantos agem sorrateiramente nas sombras nas inúmeras áreas de descontentamentos e conflitos do mundo. E as pessoas equilibradas só têm a concordar com ele neste particular.

Como agora um órgão essencial do governo norte-americano pode agir, em relação a um outro país ao qual não se declarou guerra, através dos mesmos métodos que tão freqüentemente condena, pelo menos perante a opinião pública mundial?

É claro que o regime sandinista não é composto por anjinhos tocando liras, nem a tática do “dominó” para a esquerdização da América Central é uma prática que esteja sendo executada por inocentes seminaristas. Mas essas são questões para nicaragüenses, salvadorenhos, guatemaltecos e hondurenhos resolverem por si sós.

As interferências dos EUA, nesse sentido, ou seja, para derrubar regimes esquerdistas instalados ou evitar que eles tomem o poder, sempre redundaram em desastres. O Vietnã do Sul caiu em mãos do do Norte após a intervenção de Tio Sam. A Coréia do Norte permanece mais forte do que nunca, mesmo após seis anos de guerra, depois de lutar contra os norte-americanos. E vai por aí afora.

Está aí um prato suculento para Walter Mondale no debate do próximo domingo. É um péssimo exemplo às pessoas que acreditam na sinceridade de propósitos do presidente Ronald Reagan. Conclui-se, depois disso, e com muita tristeza e preocupação, que a diferença entre Washington e Moscou, no trato com os demais países, está apenas na retórica. Quanto aos métodos, infelizmente, parece que ambos se igualam e se identificam.     

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 19 de outubro de 1984)


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