Lições
de um mestre insuspeito
Pedro J. Bondaczuk
O livreto intitulado “Operações Psicológicas na
Guerra de Guerrilhas”, do qual o jornal norte-americano “The New York Times”
publicou, anteontem, alguns trechos, está sendo classificado como um novo grande
escândalo político nos EUA.
Não se trata, como o título da obra pode sugerir, de
nenhum tratado do gênio desse tipo de guerra, o vietnamita Vo Nguyen Giap. Nem
de subsídios à bibliografia a tal respeito de qualquer líder guerrilheiro da
atualidade, como Sam Nujoma, da Swapo, Yasser Arafat, da OLP ou mesmo de um
“Che” Guevara ou Fidel Castro.
O livro em questão, que ensina como neutralizar
oficiais de um regime que se quer derrubar, o que dizer à opinião pública se um
civil for morto ao tentar deixar uma cidade sitiada ou como conquistar o apoio
de um povo, sublevando-o contra as autoridades constituídas, pasmem os
leitores, é de autoria do Serviço de Inteligência norte-americano, a CIA.
Ele se destina a orientar os anti-sandinistas em sua
luta para assumir o poder na Nicarágua (certamente saudosos dos tempos de
corrupção e mazelas do ex-ditador Anastásio Somoza) e prega, ainda, entre
outras coisas, a utilização de assassinatos políticos e até a contratação,
“quando se fizer necessário”, de criminosos profissionais comuns para executar
esse tipo de “missão”.
O que espanta em tudo isso é que a Casa Branca tem
vindo com uma freqüência espantosa a público para deblaterar contra o terror.
Aliás, nisso estamos de pleno acordo. Não há uma só pessoa de bom senso que
defenda essa prática criminosa e insensata, que não dá o mínimo valor à vida
dos semelhantes.
O presidente Ronald Reagan tem feito acusações até
apaixonadas contra terroristas libaneses, iranianos, líbios, palestinos e
tantos quantos agem sorrateiramente nas sombras nas inúmeras áreas de
descontentamentos e conflitos do mundo. E as pessoas equilibradas só têm a
concordar com ele neste particular.
Como agora um órgão essencial do governo
norte-americano pode agir, em relação a um outro país ao qual não se declarou
guerra, através dos mesmos métodos que tão freqüentemente condena, pelo menos
perante a opinião pública mundial?
É claro que o regime sandinista não é composto por
anjinhos tocando liras, nem a tática do “dominó” para a esquerdização da
América Central é uma prática que esteja sendo executada por inocentes
seminaristas. Mas essas são questões para nicaragüenses, salvadorenhos,
guatemaltecos e hondurenhos resolverem por si sós.
As interferências dos EUA, nesse sentido, ou seja,
para derrubar regimes esquerdistas instalados ou evitar que eles tomem o poder,
sempre redundaram em desastres. O Vietnã do Sul caiu em mãos do do Norte após a
intervenção de Tio Sam. A Coréia do Norte permanece mais forte do que nunca,
mesmo após seis anos de guerra, depois de lutar contra os norte-americanos. E
vai por aí afora.
Está aí um prato suculento para Walter Mondale no
debate do próximo domingo. É um péssimo exemplo às pessoas que acreditam na
sinceridade de propósitos do presidente Ronald Reagan. Conclui-se, depois
disso, e com muita tristeza e preocupação, que a diferença entre Washington e
Moscou, no trato com os demais países, está apenas na retórica. Quanto aos
métodos, infelizmente, parece que ambos se igualam e se identificam.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 19 de outubro de 1984)
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