Saturday, July 30, 2016

Líder, agora, terá que ouvir reprimenda


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, após permanecer por 63 horas em Cuba, quando reverteu uma recepção relativamente fria das autoridades cubanas, transformando-a numa triunfal despedida, ontem, desembarcou em Londres, onde foi recebido com as honras normalmente dispensadas pelos ingleses somente a seus mais estreitos aliados.

Nessa sua nova visita, contudo, o dirigente vai encontrar uma realidade diferente da anterior. Em Cuba, ele é que partiu para a ofensiva, embora com toda a diplomacia que já demonstrou possuir, fazendo críticas sutis, mas objetivas, ao anacronismo econômico cubano e à sua rigidez ideológica.

Na Grã-Bretanha, todavia, terá que ouvir certas reprimendas. Ou seja, precisará  “engolir” algumas pílulas amargas, em especial no que se refere aos direitos humanos em seu país. É verdade que neste aspecto Gorbachev já tem algo de positivo (muito positivo se comparado com o que acontecia antes, nesse campo, na época dos seus antecessores) para apresentar.

Não há quem não admita que na União Soviética de agora há bem mais liberdade do que na de 1985. Mas ainda existem determinados focos de resistência, que precisam ser eliminados. Há, ainda, presos políticos no país, que convém que sejam postos em liberdade. Subsistem alguns campos de trabalhos forçados, que precisam ser fechados. E Gorbachev deve estar consciente disso.

Por tal razão, não deverá se assustar muito com as críticas, até porque já manifestou, em várias ocasiões, estar disposto a acabar com todos os abusos que porventura existam. Essa posição foi manifestada, por exemplo, recentemente, em Genebra e em Viena. Isso levou, inclusive, o ex-secretário de Estado dos Estados unidos, George Shultz, em geral frio e comedido, a, num arroubo de entusiasmo, propor que o próximo congresso acerca dos Direitos Humanos seja realizado em Moscou.

Todavia, enquanto existir uma pessoa oprimida por causa de suas idéias; enquanto um único cidadão for encaminhado a manicômios, como se fosse louco, por divergir das diretrizes do Partido Comunista; enquanto um só dissidente passar pelo vexame dos interrogatórios agressivos e da estreita vigilância da KGB, convém que o presidente soviético seja, de fato, chamado às falas.

É verdade que a visita de Gorbachev à Grã-Bretanha terá também amenidades. Afinal, jamais, no pós-guerra (e mesmo antes disso), as relações anglo-soviéticas (talvez desde 1917), estiveram tão boas. Facilitou isso a amizade pessoal que o dirigente do Cremlin fez com a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, mesmo antes de chegar ao poder.

Recorde-se que quando Constantin Chernenko estava às portas da morte, o homem que viria a ser seu sucessor se encontrava em Londres. E que “a dama de ferro” prognosticou um grande futuro para ele. E acertou em cheio em suas previsões.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 6 de abril de 1989).


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