Saturday, July 23, 2016

Astro do Cremlin


Pedro J. Bondaczuk


A visita que o líder soviético, Mikhail Gorbachev, fez à França, nesta semana, encerrada ontem com seu retorno a Moscou, deve ter rendido, certamente, os dividendos que o Cremlin esperava. É verdade que o secretário-geral do Partido Comunista da URSS não conseguiu convencer o presidente francês, François Mitterrand, a estabelecer negociações diretas com o seu país quanto à redução de arsenais nucleares na Europa, proposta feita na quinta-feira, quando do pronunciamento que fez na Assembléia Nacional francesa. Da Grã-Bretanha, outro país visado, ele ouviu apenas uma cautelosa resposta à sua oferta, o que não deixa de ser uma pequena vitória. Certamente, Gorbachev nem isso esperava.

O triunfo maior do líder soviético foi pessoal. Ele simplesmente encantou a imprensa do Ocidente com a sua defesa apaixonada da política do seu país, com o seu poder de comunicação inédito em termos de Cremlin e com um bom-humor comparável ao do pitoresco camponês (que findou por cair em desgraça em fins da década de 60 na URSS), Nikita Kruschev. Confirmou, com isso, a primeira impressão que havia deixado aos jornalistas quando, em dezembro do ano passado, conseguiu conquistar, em Londres, a admiração até da gélida e fleumática primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher.

E a sua esposa Raísa? Foi uma sensação! Algo absolutamente inédito em se tratando da mulher de qualquer dirigente do Cremlin desde a implantação do comunismo na antiga Rússia, em 1917. Elegante, bonita, desembaraçada e inteligente, causou um verdadeiro furor no "jet set" internacional. O costureiro Yves Saint-Laurent até organizou um desfile exclusivo de sua casa em sua homenagem, evento completamente fora do convencional e até pouco tempo atrás absolutamente impensável para receber a esposa de algum líder soviético. Durante a apresentação dos caríssimos e luxuosos modelos, ela portou-se como qualquer grande dama ocidental. Com classe, interesse e fazendo perguntas e observações pertinentes (algumas até mesmo maliciosas, como a indagação se o principal requisito para usar minissaias é ter pernas bonitas).

Na companhia da esposa de Mitterrand, a não menos elegante Daniele, Raísa visitou teatros e museus, como o de Picasso, e teve a oportunidade de apreciar a obra do imortal espanhol, execrado em muitos círculos acadêmicos de Moscou como símbolo da "decadência burguesa ocidental". Mas nessa disputa estrelística, Mikhail Gorbachev não ficou em momento algum em segundo plano. E não foi apenas no contato direto com os jornalistas, a cujas perguntas respondeu sempre de improviso (ao contrário de seus antecessores, que nunca dispensavam textos adredemente preparados) e usando fábulas e anedotas da gente simples de seu país para ilustrar. A mesma sensação ele causou quando da visita à fábrica de automóveis Peugeot. Ou nos jantares com Mitterrand, que não conseguia esconder um certo fascínio por sua personalidade (se bem que não demonstrasse nenhum entusiasmo por sua política).

Essa espécie de exame do Ocidente a um dos personagens principais do grande drama que se desenvolve atualmente no palco mundial, envolvendo a produção cada vez maior de armas com um poder destruidor incalculável em sua exata dimensão e, principalmente o fato do examinado ter sido aprovado naquilo que diz respeito à capacidade de impressionar logo no primeiro contato, faz entrever um encontro muito interessante, em 19 e 20 de novembro próximos, em Genebra. Se de um lado há um Gorbachev esperto e fascinante, do outro há alguém não menos hábil e simpático. Um homem capaz de inverter antipatias profundas e transformá-las em simpatias absolutas. Um político polêmico, às vezes contraditório, mas reconhecidamente dos melhores comunicadores já surgidos em todos os tempos dentro desse campo de atividade. Há um Ronald Reagan.

Se a reunião de Genebra não trouxer os resultados que dela o mundo todo espera, ou seja, uma dramática freada na vertiginosa corrida armamentista e uma reversão acentuada no atual mau relacionamento entre as superpotências, pelo menos numa coisa será, certamente, bem sucedida. Na curiosidade despertada em toda a comunidade internacional em torno dos seus dois principais astros. Será, sem dúvida, um enorme show de "estrelismo", no mais tradicional estilo hollywoodiano.

(Artigo publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 6 de outubro de 1985)


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