Astro do Cremlin
Pedro J. Bondaczuk
A
visita que o líder soviético, Mikhail Gorbachev, fez à França, nesta semana,
encerrada ontem com seu retorno a Moscou, deve ter rendido, certamente, os
dividendos que o Cremlin esperava. É verdade que o secretário-geral do Partido
Comunista da URSS não conseguiu convencer o presidente francês, François
Mitterrand, a estabelecer negociações diretas com o seu país quanto à redução
de arsenais nucleares na Europa, proposta feita na quinta-feira, quando do pronunciamento
que fez na Assembléia Nacional francesa. Da Grã-Bretanha, outro país visado,
ele ouviu apenas uma cautelosa resposta à sua oferta, o que não deixa de ser
uma pequena vitória. Certamente, Gorbachev nem isso esperava.
O
triunfo maior do líder soviético foi pessoal. Ele simplesmente encantou a
imprensa do Ocidente com a sua defesa apaixonada da política do seu país, com o
seu poder de comunicação inédito em termos de Cremlin e com um bom-humor
comparável ao do pitoresco camponês (que findou por cair em desgraça em fins da
década de 60 na URSS), Nikita Kruschev. Confirmou, com isso, a primeira
impressão que havia deixado aos jornalistas quando, em dezembro do ano passado,
conseguiu conquistar, em Londres, a admiração até da gélida e fleumática primeira-ministra
britânica, Margaret Thatcher.
E
a sua esposa Raísa? Foi uma sensação! Algo absolutamente inédito em se tratando
da mulher de qualquer dirigente do Cremlin desde a implantação do comunismo na
antiga Rússia, em 1917. Elegante, bonita, desembaraçada e inteligente, causou
um verdadeiro furor no "jet set" internacional. O costureiro Yves
Saint-Laurent até organizou um desfile exclusivo de sua casa em sua homenagem,
evento completamente fora do convencional e até pouco tempo atrás absolutamente
impensável para receber a esposa de algum líder soviético. Durante a
apresentação dos caríssimos e luxuosos modelos, ela portou-se como qualquer
grande dama ocidental. Com classe, interesse e fazendo perguntas e observações
pertinentes (algumas até mesmo maliciosas, como a indagação se o principal
requisito para usar minissaias é ter pernas bonitas).
Na
companhia da esposa de Mitterrand, a não menos elegante Daniele, Raísa visitou
teatros e museus, como o de Picasso, e teve a oportunidade de apreciar a obra
do imortal espanhol, execrado em muitos círculos acadêmicos de Moscou como
símbolo da "decadência burguesa ocidental". Mas nessa disputa
estrelística, Mikhail Gorbachev não ficou em momento algum em segundo plano. E
não foi apenas no contato direto com os jornalistas, a cujas perguntas
respondeu sempre de improviso (ao contrário de seus antecessores, que nunca
dispensavam textos adredemente preparados) e usando fábulas e anedotas da gente
simples de seu país para ilustrar. A mesma sensação ele causou quando da visita
à fábrica de automóveis Peugeot. Ou nos jantares com Mitterrand, que não
conseguia esconder um certo fascínio por sua personalidade (se bem que não
demonstrasse nenhum entusiasmo por sua política).
Essa
espécie de exame do Ocidente a um dos personagens principais do grande drama
que se desenvolve atualmente no palco mundial, envolvendo a produção cada vez
maior de armas com um poder destruidor incalculável em sua exata dimensão e,
principalmente o fato do examinado ter sido aprovado naquilo que diz respeito à
capacidade de impressionar logo no primeiro contato, faz entrever um encontro
muito interessante, em 19 e 20 de novembro próximos, em Genebra. Se de um lado
há um Gorbachev esperto e fascinante, do outro há alguém não menos hábil e
simpático. Um homem capaz de inverter antipatias profundas e transformá-las em
simpatias absolutas. Um político polêmico, às vezes contraditório, mas
reconhecidamente dos melhores comunicadores já surgidos em todos os tempos
dentro desse campo de atividade. Há um Ronald Reagan.
Se
a reunião de Genebra não trouxer os resultados que dela o mundo todo espera, ou
seja, uma dramática freada na vertiginosa corrida armamentista e uma reversão
acentuada no atual mau relacionamento entre as superpotências, pelo menos numa
coisa será, certamente, bem sucedida. Na curiosidade despertada em toda a
comunidade internacional em torno dos seus dois principais astros. Será, sem
dúvida, um enorme show de "estrelismo", no mais tradicional estilo
hollywoodiano.
(Artigo
publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 6 de outubro de
1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment