Tuesday, July 05, 2016

Mortalidade infantil


Pedro J. Bondaczuk


A mortalidade infantil, especialmente no Terceiro Mundo, está em níveis alarmantes. Enquanto isso, o mundo gasta US$ 1 trilhão por ano para fabricar armas. A quantidade de óbitos entre as crianças atingiu, conforme as últimas informações do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, a extraordinária cifra de 40 mil por dia.

Isso vem a ser a metade dos mortos norte-americanos durante os 14 anos de duração da guerra do Vietnã. É, portanto, um massacre digno de Hitler. Só que, ao contrário das vítimas desse ditador, tal carnificina não ocorre no calor de uma feroz batalha, mas é perpetrada, cotidianamente, pela miséria. E, o que é pior, pelo descaso dos que poderiam fazer alguma coisa para evitar essa perda de precioso potencial humano, mas não o fazem.

Metade das vítimas, todas com menos de cinco anos de idade, poderia, todavia, ser salva, com programas de custo bastante baixo e de resultados imediatos. Essas mortes não são causadas por doenças incuráveis. Ocorrem em virtude da fome, da subnutrição, da falta de higiene e de suas seqüelas, como a diarréia, o sarampo e outros males até mais simples de serem curados.

Tão ruim, todavia, quanto essas cifras (ou, quem sabe, até pior), é a cínica e desavergonhada exploração que se faz, para diversos fins (e nenhum deles nobres), nos mais variados recantos mundiais, desses pequeninos.

É verdade que eles são protegidos por leis nacionais e internacionais. Simpósios, conferências e reuniões são realizados, periodicamente, defendendo os seus direitos. Até um Ano Internacional da Criança foi instituído em 1979. Mas, pelo visto, tudo, ou boa parte, não passou de autopromoção de políticos, sequiosos por notoriedade.

Milhares de crianças são maculadas, diariamente, de maneira precoce, em sua inocência. Algumas, até, são usadas como buchas de canhão, por fanáticos irresponsáveis, que envergonham a própria condição humana. Um número incalculável acostuma-se a formas disfarçadas de escravidão desde tenra idade, para servir aos poderosos.

Uma espécie que escraviza, degrada, sevicia e deixa morrer à míngua sua própria descendência, está, mesmo, muito doente. Deve parar, urgentemente, para pensar e reciclar sua compreensão do mundo e seus anseios de vida, antes que seu mal se torne absolutamente incurável.

Desceu, na escala animal, ao mais baixo grau de racionalidade, ou, talvez, de desencanto para com os semelhantes. Nenhuma outra besta, por mais bronca e degenerada que seja, age dessa forma.

Milhares de bandidos, frios e desumanos, e de prostitutas, amargas e infelizes, estão sendo fabricados, dia-a-dia, sob as vistas indiferentes de quem poderia evitar esse processo degenerativo. A verdade é que o mundo está jogando fora, pelo esgoto de uma cobiça crescente e sem sentido, e de uma insensibilidade incompreensível, a sua derradeira reserva. Seu patrimônio mais valioso e preservável: a infância.

E o que será deste planeta sem as crianças, que são, ou exterminadas, ou tornadas compulsoriamente adultas, com os vícios e contradições inerentes a essa condição? Sim, o que será?!!

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 14 de maio de 1985).


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