Thursday, July 28, 2016

Finalmente um avanço para o entendimento



Pedro J. Bondaczuk


As superpotências estão mais próximas do que nunca estiveram de um acordo simplesmente histórico, que se concretizado, vai deixar o continente europeu livre das indesejáveis armas nucleares. Estados Unidos e União Soviética parecem, finalmente, falar a mesma linguagem no que diz respeito a mísseis de alcance intermediário.

Mas esse entendimento, se obtido, terá um significado muito mais amplo do que possa parecer àqueles que estejam analisando a questão apenas na sua superfície. Significará o primeiro pacto, desde que foram desenvolvidas as armas atômicas, para a redução de algum dos tantos tipos desses armamentos.

Os dois acordos Salts firmados anteriormente, um na década de 60 e outro na de 70, foram somente limitatórios. Isto é, não desmontaram nenhum dos mísseis existentes. Apenas limitaram a fabricação de novos que tenham o caráter estratégico.

A mesma coisa aconteceu com o pacto de antibalísticos. No entanto, desta vez, a coisa é mais radical e isso não deixa de ser motivo para intensa torcida daqueles que aspiram a um porvir para a espécie humana no sentido de que tudo dê certo e uma razão de comemoração, caso as negociações cheguem a bom termo.

Talvez seja muito cedo para afirmar algo tão definitivo, mas tudo leva a crer (e esta opinião já vem sendo esposada, embora ainda timidamente, por vários líderes da Europa Ocidental), que a ascensão de Mikhail Gorbachev à liderança do Cremlin foi uma bênção para a humanidade.

Ele faz parte de uma outra geração soviética, descomprometida com um passado policialesco e com a guerra fria. É flexível, cordato, esclarecido. E, principalmente, transmite uma aura de confiança e de seriedade.

Note o leitor que, até abril de 1985, quando ele sucedeu a Konstantin Chernenko, a União Soviética se recusava a negociar qualquer limitação das armas nucleares. Os russos haviam até mesmo se retirado da mesa de negociações, em Genebra, em 1982. Por essa razão, a “corrida para a morte” atingiu níveis paroxísticos. Armas e mais armas passaram a ser fabricadas aos borbotões diariamente, dos dois lados, cada uma mais certeira e arrasadora do que a outra.

Gorbachev, assim que ascendeu ao poder, acertou de imediato com os norte-americanos a volta do seu país às negociações em torno do desarmamento. Reuniu-se duas vezes com Reagan, em Genebra e em Reykjavik, a segunda das quais, por pouco, não consegue um acordo espetacular para simplesmente extinguir com as armas nucleares do Planeta até o ano 2000 (o que ainda pode ser conseguido no correr das conversações que certamente se farão).

E agora, está prestes a salvar o pescoço de Reagan. A tira-lo do atoleiro em que ele se meteu com o escândalo da venda de material bélico para o Irã, para o projetar, em definitivo, na história. Está muito perto de marcar uma terceira reunião de cúpula com o presidente norte-americano, fazendo com que ele seja protagonista de um fato inédito, pelo menos no último quarto de século, em seu país.

Mas a atuação desse estadista não tem sido elogiável somente na questão armamentista. Ele vem realizando uma abertura, em âmbito interno que, se para os ocidentais é tímida e lenta, em termos de União Soviética é a mais revolucionária que a superpotência oriental já teve em toda a sua história.

Mandou soltar, por exemplo, todos os dissidentes famosos das prisões. Processou um agente da KGB por abuso de poder, pela prisão ilegal de um jornalista, fato inconcebível há somente dois anos. Vem insistindo num acordo para retirar suas tropas do Afeganistão (onde ele não as colocou). E para culminar, mostrou uma flexibilidade que não faz parte do comportamento russo dos últimos setenta anos, ao desvincular a questão dos mísseis de médio alcance na Europa da “guerra nas estrelas”.

Finalmente uma pálida luz de esperança começa a brilhar numa noite de loucura, que caracterizou todo este século. Oxalá ela se amplie e se torne num brilhante sol. Até que enfim a humanidade está prestes a dar um passo à frente, após centenas deles dados à marcha a ré...


(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 7 de março de 1987)

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