Sunday, July 10, 2016

Guerra favorece líderes da aliança


  Pedro J. Bondaczuk


A relação dos políticos e países que colheram vantagens, de uma forma ou de outra, em decorrência da guerra do Golfo Pérsico, desde a invasão das tropas iraquianas ao Kuwait até a expulsão dos soldados de Saddam Hussein do emirado, é bastante extensa.

Um beneficiário óbvio da crise foi o presidente norte-americano George Bush, que fez valer a sua liderança no mundo e restaurou sua popularidade interna, em franca baixa. O mesmo ocorreu com o sucessor de Margaret Thatcher, o primeiro-ministro britânico John Major, que acabou ficando mais popular até do que sua protetora quando da expulsão dos argentinos das Ilhas Malvinas.

A população da Grã-Bretanha chegou a esquecer, momentaneamente, sua repulsa ao “Poll Tax”, o impopularíssimo imposto predial per capita, para voltar toda a sua atenção para o drama que se desenvolvia nas areias da Arábia Saudita, Kuwait e Iraque.

Nessa mesma linha de raciocínio, outro beneficiado foi o presidente francês, François Mitterrand, que dominou, por muito tempo, as manchetes dos meios de comunicação ao divergir dos aliados quanto à questão palestina e propor, nas Nações Unidas, em setembro de 1990, que a questão de uma conferência internacional para debater a ocupação israelense da Cisjordânia e Faixa de Gaza fosse incluída nas negociações com Saddam Hussein para que este retirasse pacificamente suas tropas do emirado invadido.

É claro que sua proposta não tinha chances de êxito naquela oportunidade, como a discussão desse problema, no âmbito pretendido, não as tem agora e possivelmente jamais terá. Israel nunca irá devolver essas terras tomadas numa guerra, a dos Seis Dias de 1967 e muito menos admitir a criação de um Estado hostil ali. É impossível que um estadista tarimbado não saiba disso.

Mikhail Gorbachev também não deixou de lucrar. Aliás, a crise toda lhe foi providencial. Talvez, se ela não existisse, o mentor da Perestroika há tempos já estaria afastado da vida pública, escrevendo suas memórias.

A Operação Tempestade do Deserto serviu, sobretudo, de biombo, para esconder da opinião pública internacional a repressão militar contra os lituanos, com a intempestiva ocupação, por parte dos Boinas Negras, dos retransmissores de televisão da Lituânia, em Vilnius, que redundou em mortos e feridos.

É verdade que houve protestos internacionais contra essa demonstração extemporânea e desnecessária de força. Mas estes não foram nem sombra do que seriam se a guerra não estivesse em andamento no Golfo Pérsico.

Ademais, o líder do Cremlin reforçou sua imagem de pacifista, ao propor sucessivos planos para a retirada iraquiana do Kuwait, sem que fosse necessária a operação militar terrestre para isso. Embora suas propostas não houvessem sido aceitas, ele ficou bem com todo o mundo.

O Ocidente expressou gratidão pela tentativa e por Gorbachev não mudar de opinião quanto ao apoio incondicional à ação aliada para dar uma lição em Saddam Hussein. O regime iraquiano, por outro lado, vislumbrou no gesto do presidente soviético um sinal da antiga “amizade” que teria ligado os dois povos, embora não suficiente para apagar a sensação de traição que ficou, na cúpula militar do Iraque, em relação à posição oportunista da União Soviética.     


(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 1º de maio de 1991)

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