Tuesday, July 26, 2016

Mar de muitos perigos


Pedro J. Bondaczuk


O ataque realizado na noite de domingo, por parte de aviões de guerra do Iraque, contra uma fragata norte-americana, embora não fosse um fato desejado por ninguém, era há muito esperado. A União Soviética já foi atingida por duas vezes na região do Golfo Pérsico nos últimos dez dias, embora não tenha se manifestado a respeito, preferindo se fechar num enigmático mutismo, bem ao feitio do Cremlin.

Outros países tiveram até menos sorte. Perderam uma grande quantidade de superpetroleiros, que não é das embarcações mais baratas (todos sabem), mas não reagiram militarmente (foram 240 as embarcações atacadas), por não serem superpotências.

A situação, neste aspecto, ficou de tal sorte insustentável, desde 1984, quando os dois inimigos da região começaram a adotar essa prática contra o patrimônio alheio, que o Kuwait foi obrigado a recorrer à União Soviética e aos Estados Unidos, simultaneamente, para pôr um paradeiro nisso.

Aos russos, o líder desse país pediu escolta militar para seus barcos que navegam nessas traiçoeiras águas, que se não estão infestadas de tubarões, têm algo pior: lanchas portadoras de mísseis e caças ultramodernos, dotados dos eficientíssimos Exocets, de fabricação francesa, cuja eficácia havia ficado sobejamente demonstrada durante a guerra das Malvinas, de 1982.

Aos norte-americanos, a solicitação foi até mais ampla e abrangente. Solicitou-se que Tio Sam adotasse, sob sua bandeira, a totalidade da frota mercante kuwaitiana, constituída por 21 embarcações. Como se vê, o conflito do Golfo, que até pouco tempo atrás era insuflado pelas superpotências, enquanto se encontrava na mera fase de desgaste mútuo, hoje as atinge diretamente: na condição de guardiãs das monarquias moderadas da região, que são um fator de equilíbrio numa zona tão tensa e importante do ponto de vista estratégico, por ser a veia jugular energética do Ocidente. E, agora, com os últimos acontecimentos, podendo envolver, militarmente, os dois lados na confrontação.

Muita gente acredita, equivocadamente, que as posições e interesses de soviéticos e norte-americanos no Golfo Pérsico sejam convergentes. O ex-secretário de Estado Henry Kissinger, no entanto, num artigo publicado na revista “Le Point”, intitulado “Os Riscos de uma Vitória” (reproduzido na íntegra pelo jornal “O Estado de São Paulo” em sua edição de 13 de março de 1985), assinalou, com meridiana clareza, ponde reside a diferença de objetivos entre cada uma das superpotências.

Aos russos, interessa uma vitória iraquiana por duplo motivo. O primeiro é que o Partido Baath, no poder, ao qual pertence o presidente do Iraque, general Saddam Hussein (de idêntica ideologia que o seu homônimo da Síria, embora Damasco e Bagdá estejam, atualmente, às turras), é de linha marxista, afinado com Moscou.

O segundo é que, com um Irã desarrumado e caótico, ficam mais viáveis as pretensões do Cremlin de conseguir realizar um sonho acalentado desde o tempo dos czares: o acesso aos mares quentes do Sul. Além do que, o regime dos aiatolás iranianos é um dos grandes mantenedores da guerrilha afegã. Vai daí...

Já os interesses dos Estados Unidos e, por conseqüência, dos países ocidentais, foram definidos numa só frase do mencionado artigo de Kissinger: “O objetivo do Ocidente deve ser o de impedir a derrota do Iraque, mas evitando que o Irã saia da guerra exaurido e desorganizado”.

Certamente por causa desse objetivo Reagan deve ter aceitado vender armas à República Islâmica, para que esta pudesse reequilibrar as ações que lhe eram desfavoráveis. Só que, no entender de muitos estrategistas, a Casa Branca errou na dose. E ao invés de restabelecer o equilíbrio na guerra, fez os pratos da balança penderem para o lado de Teerã.

Doravante, com o conflito saindo totalmente da linha, é possível que as superpotências façam valer, finalmente, a sua força. E que acabem, no grito, com essa guerra cruel, estúpida e imoral, como, aliás, são todas as conflagrações dessa espécie, ocorram onde ocorrerem.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 19 de maio de 1987).


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