Mar de muitos perigos
Pedro J.
Bondaczuk
O ataque realizado na noite de domingo, por parte de
aviões de guerra do Iraque, contra uma fragata norte-americana, embora não
fosse um fato desejado por ninguém, era há muito esperado. A União Soviética já
foi atingida por duas vezes na região do Golfo Pérsico nos últimos dez dias,
embora não tenha se manifestado a respeito, preferindo se fechar num enigmático
mutismo, bem ao feitio do Cremlin.
Outros países tiveram até menos
sorte. Perderam uma grande quantidade de superpetroleiros, que não é das
embarcações mais baratas (todos sabem), mas não reagiram militarmente (foram
240 as embarcações atacadas), por não serem superpotências.
A situação, neste aspecto, ficou
de tal sorte insustentável, desde 1984, quando os dois inimigos da região
começaram a adotar essa prática contra o patrimônio alheio, que o Kuwait foi
obrigado a recorrer à União Soviética e aos Estados Unidos, simultaneamente,
para pôr um paradeiro nisso.
Aos russos, o líder desse país
pediu escolta militar para seus barcos que navegam nessas traiçoeiras águas,
que se não estão infestadas de tubarões, têm algo pior: lanchas portadoras de
mísseis e caças ultramodernos, dotados dos eficientíssimos Exocets, de
fabricação francesa, cuja eficácia havia ficado sobejamente demonstrada durante
a guerra das Malvinas, de 1982.
Aos norte-americanos, a
solicitação foi até mais ampla e abrangente. Solicitou-se que Tio Sam adotasse,
sob sua bandeira, a totalidade da frota mercante kuwaitiana, constituída por 21
embarcações. Como se vê, o conflito do Golfo, que até pouco tempo atrás era
insuflado pelas superpotências, enquanto se encontrava na mera fase de desgaste
mútuo, hoje as atinge diretamente: na condição de guardiãs das monarquias
moderadas da região, que são um fator de equilíbrio numa zona tão tensa e
importante do ponto de vista estratégico, por ser a veia jugular energética do
Ocidente. E, agora, com os últimos acontecimentos, podendo envolver,
militarmente, os dois lados na confrontação.
Muita gente acredita,
equivocadamente, que as posições e interesses de soviéticos e norte-americanos
no Golfo Pérsico sejam convergentes. O ex-secretário de Estado Henry Kissinger,
no entanto, num artigo publicado na revista “Le Point”, intitulado “Os Riscos
de uma Vitória” (reproduzido na íntegra pelo jornal “O Estado de São Paulo” em
sua edição de 13 de março de 1985), assinalou, com meridiana clareza, ponde
reside a diferença de objetivos entre cada uma das superpotências.
Aos russos, interessa uma vitória
iraquiana por duplo motivo. O primeiro é que o Partido Baath, no poder, ao qual
pertence o presidente do Iraque, general Saddam Hussein (de idêntica ideologia
que o seu homônimo da Síria, embora Damasco e Bagdá estejam, atualmente, às
turras), é de linha marxista, afinado com Moscou.
O segundo é que, com um Irã
desarrumado e caótico, ficam mais viáveis as pretensões do Cremlin de conseguir
realizar um sonho acalentado desde o tempo dos czares: o acesso aos mares
quentes do Sul. Além do que, o regime dos aiatolás iranianos é um dos grandes
mantenedores da guerrilha afegã. Vai daí...
Já os interesses dos Estados
Unidos e, por conseqüência, dos países ocidentais, foram definidos numa só
frase do mencionado artigo de Kissinger: “O objetivo do Ocidente deve ser o de
impedir a derrota do Iraque, mas evitando que o Irã saia da guerra exaurido e
desorganizado”.
Certamente por causa desse
objetivo Reagan deve ter aceitado vender armas à República Islâmica, para que
esta pudesse reequilibrar as ações que lhe eram desfavoráveis. Só que, no
entender de muitos estrategistas, a Casa Branca errou na dose. E ao invés de
restabelecer o equilíbrio na guerra, fez os pratos da balança penderem para o
lado de Teerã.
Doravante, com o conflito saindo
totalmente da linha, é possível que as superpotências façam valer, finalmente,
a sua força. E que acabem, no grito, com essa guerra cruel, estúpida e imoral,
como, aliás, são todas as conflagrações dessa espécie, ocorram onde ocorrerem.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 19
de maio de 1987).
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