O mundo seria muito chato
Pedro
J. Bondaczuk
Você já imaginou como o
mundo seria chato caso não houvesse Literatura? E essa chatice não seria apenas
para os amantes da leitura. Nem só para nós, que temos paixão por esta
atividade e fazemos dela nosso ganha pão. E nem com exclusividade para a imensa
indústria editorial, que publica milhões e milhões de títulos, com bilhões de
exemplares, anualmente, mundo afora. A chatice seria generalizada.
“Bem”, diria aquele
sujeito que gosta de retrucar a tudo e a todos, sem nunca refletir no que diz,
“mais da metade da população mundial não tem acesso a livros, ou porque não
sabe ler, ou por não gostar de leitura ou por não os poder comprar por causa do
seu alto preço”. Verdade.
Todavia, a Literatura
não se resume, somente, a livros. Caso ela não existisse, por exemplo, não
haveria a indústria cinematográfica. Nenhum filme seria rodado. Por que?
Simples: por falta de roteiros. Afinal, estes também são Literatura. Teatro?
Nem pensar! Não haveria peças teatrais para serem encenadas.
E o que dizer das
novelas, paixão nacional aqui no Brasil e em várias partes do mundo? Não
existiriam! A audiência dos canais de televisão despencaria e, em alguns casos,
chegaria a zero. Sim, porque embora muitos não se dêem conta, a novela é um
gênero literário. É, portanto, Literatura.
Música haveria, é
verdade, mas jamais a cantada. Pobre dos cantores! Por que? Porque as letras
das suas canções preferidas, querido leitor, são poesia. Ou seja: são
Literatura. Não haveria ópera, uma das formas mais requintadas de arte, por
promover a união da música com a Literatura, cujos diálogos são cantados, em
vez de meramente enunciados pelos atores. Convenhamos, não há como negar, o
mundo seria muito chato, quer para o letrado, quer para o analfabeto.
Não existiriam revistas
de histórias em quadrinho, forma popular de literatura. Não haveria cronistas
esportivos, literários ou seja lá do que for. Os pescadores sofreriam bastante.
Não haveria, por exemplo, aquelas histórias saborosas que narram, que primam,
sobretudo, pelo exagero. Afinal, elas também são Literatura, posto que na forma
oral.
É... de fato, o mundo
seria chato, muito chato, chatíssimo. Muito bem, escritor amigo, você,
finalmente, se conscientizou da importância da Literatura. Mais do que isso, sabe que tem talento para
essa atividade, mas carece, ainda, de comprová-lo. Há anos vem publicando, em
jornais, suas crônicas, e seus contos fazem sucesso nas raras revistas
literárias que ainda sobrevivem.
Diante de tudo isso,
chegou à conclusão de que precisa lançar um livro. Apesar de nunca haver
passado por essa experiência, leu observações de autores consagrados e
experientes sobre as dificuldades que poderá encontrar, quer para a publicação,
quer para que sua obra chegue de fato às mãos de quem lhe interessa: o leitor.
Até já traçou uma estratégia para superar esses obstáculos. Porém, para pô-la
em prática, falta-lhe, óbvio, o essencial: o “produto”. E sem ele, sequer
poderá ostentar o pomposo título de “escritor”.
Se quisesse, é verdade,
já poderia ter em mãos não apenas um, mas vários livros seus. Bastaria reunir
suas melhores crônicas, publicadas na imprensa e em sites e blogs da internet
e, pronto. Ou poderia selecionar os contos publicados, aqueles que fizeram mais
sucesso com os leitores. Ou, quem sabe, se dispor a exibir em público os
inúmeros poemas que vem compondo com assiduidade desde a adolescência. “Não,
poesia não. Não vende”, você conclui. Mas você não quer reunir textos já
prontos num livro. Não, pelo menos, agora. No futuro... quem sabe.
Você quer escrever um
livro novo, inédito, virgem, do começo ao fim. É quando se vê face quatro
perguntas fundamentais: o que escrever? Como escrever? Quando escrever? Para
quem escrever? Esses quatro questionamentos exigem muita reflexão e sérias
considerações.
O que escrever? Ficção
ou não-ficção? Um livro de ensaios poderia ser boa pedida, mas você não tem
prestígio suficiente para despertar a atenção do mercado. Trata-se de um gênero
que requer certa notoriedade do autor, sob pena de não vender nem o suficiente
para pagar um cafezinho. Fosse um Montaigne, um Thoreau ou um Emerson, vá
lá. Seria mais fácil. Mas você não é.
Redigir memórias
poderia ser uma boa. Mas você ainda é relativamente jovem e não tem tanta
experiência assim, e nem tantas lembranças interessantes que mereçam ser
consolidadas em livro. Nos próximos anos, quem sabe. Não. Você quer, mesmo, é
partir de cara para a ficção.
Mas escrever o quê?
Histórias a serem desenvolvidas, na verdade, não lhe faltam. Você tem um arquivo
inteiro, e imenso, em seu computador, com esboços de inúmeros enredos que, bem
desenvolvidos, podem render livros sensacionais.
Qual será sua opção?
Contos? Terá que escrever novos, já que não quer aproveitar os publicados em
revistas. Quem sabe uma novela. Ou uma peça de teatro. É verdade que já tentou
escrever algumas, mas desistiu na metade. Esse gênero requer extrema facilidade
em diálogos, para que esses não soem falsos ou discursivos, habilidade que você
ainda não tem. Não, peça de teatral você quer escrever, sim, mas não agora.
Sobrou, pois, apenas a
redação de um romance. Muito bem, mas há, ainda, alguns questionamentos a
fazer. Qual o caráter que você quer lhe imprimir? Situará a história em que
tempo, no presente, em um passado bem remoto ou no futuro? Será um romance de
amor, de cunho político, de ficção científica, de aventuras etc.etc.etc.? Que
tipo de caso, afinal, você pretende contar aos leitores?
Antes de você sentar-se
junto ao teclado do seu computador, para começar a escrever, terá que decidir
tudo isso. Sim, escritor amigo, o que escrever? Ah, já decidiu?! Então, o que
está esperando? Mãos à obra! A Literatura existe. Você sente-se habilitado a
exercê-la com competência e proficiência. Torne o mundo ainda menos chato com o
fruto da sua criatividade. Tenho ou não tenho razão ao afirmar que o mundo
seria chatíssimo caso a Literatura não existisse?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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