Voz aos imbecis
Pedro
J. Bondaczuk
O italiano Umberto Eco
é mais conhecido, mundo afora (excluídos os círculos acadêmicos) como
romancista. Seu romance mais famoso, que qualquer leitor razoavelmente bem
informado conhece (mesmo que não o tenha lido), é “O nome da rosa”. Esse livro
valeu-lhe, entre outros tipos de reconhecimento, o Prêmio Médicis de Melhor
Livro Estrangeiro na França. Essa mesma obra ganhou ampla repercussão ao ser
adaptada para o cinema por Jean-Jacques Annaud, tendo nos principais papeis os
atores Sean Connery (que se celebrizou por interpretar James Bond, o 007, em
alguns filmes da série) e Christian Slater. Outros romances de Humberto Eco,
posto que não tão populares, são: “O pêndulo de Foucault”, “A ilha do dia
anterior”, “Baudolino”, “A misteriosa chama da rainha Loana”, “O cemitério de
Praga” e o recém-lançado no Brasil “Número Zero” (Editora Record), sobre o qual
farei, na sequência, alguns comentários que considero pertinentes. Sua
especialidade, porém, não é, propriamente, a literatura de ficção, a qual
passou a exercer somente na década de 80 do século XX, quando já contava com
mais de 50 amos de idade.
Umberto Eco é,
sobretudo (e sempre foi) reputado filósofo. É, todavia, desses intelectuais que
costumo chamar de “homens dos sete instrumentos”, mesmo que não seja,
exatamente, este o número das atividades que exerce. É, também, semiólogo,
lingüista e bibliófilo. Como escritor, mais do que seus romances, sou ávido
leitor de seus ensaios, sobre artes, filosofia, semiótica, cultura em geral e
até política, entre tantos outros temas. É, como se vê, aos 83 anos de idade
(completados em 5 de janeiro de 2015), um dos intelectuais mais bem preparados,
ecléticos e cultos da atualidade. E, também, dos mais polêmicos. Basta que dê
alguma declaração sobre os tantos assuntos de que é “expert”, para que esta
ganhe, de imediato, repercussão internacional, dada a credibilidade de que
goza. Tem, óbvio, uma legião dos que o detestam, combatem e divergem dele, não
raro sem nem mesmo contar com motivo lógico e bem fundamentado para divergências.
Umberto Eco tem se
mostrado, entre outras tantas posturas que assume, implacável crítico do papel
destinado às novas tecnologias no processo de divulgação de informações
(jornalísticas ou não). O que o incomoda, sobretudo, é o acesso de pessoas ou
despreparadas, ou mal intencionadas, ou sem critério, ética e nem técnica, ao
papel de difusoras de “notícias”, que não raro não passam de meros e grosseiros
boatos, de formas irresponsáveis de difamação e de ataques à honra alheia, sem
nenhuma base em provas. E esse tipo de gente causa estragos medonhos e, pior,
encontra respaldo, defesa e apoio populares e não é fiscalizado e nem coibido
por ninguém, a pretexto de uma “liberdade de expressão” que nesses casos é
incabível. O escritor cita, especificamente, a televisão; mais recentemente a
internet (com sites e blogs cujos donos não dão satisfações a ninguém) e, mais
recentemente ainda, as redes sociais que, na sua contundente conceituação, “dão
o direito à palavra a uma legião de imbecis”.
Claro que não se pode
generalizar. Mas qualquer pessoa de bom senso, com um mínimo de conhecimento de
comunicação e, sobretudo, de ética e de leis, é forçada a lhe dar razão. Essa
tão polêmica (e corajosa) declaração foi dada por Eco em 10 de junho de 2015,
no intervalo da cerimônia de outorga a ele de título de “doutor honoris causa”
em comunicação e cultura na Universidade de Turim. Eco ponderou que, antes da
existência desses espaços destinados, sobretudo (como o nome indica) a
relacionamentos sociais, a tal “legião dos imbecis” existia (sempre existiu),
mas destilava seu veneno somente “em um bar, depois de uma taça de vinho, sem
prejudicar a coletividade. Normalmente, essas pessoas eram imediatamente
caladas. Mas agora, têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”. E,
claro, arregimentam multidões de seguidores, que os seguem sem sequer
entenderem por que os estão seguindo.
Postagens
irresponsáveis nas redes sociais tendem a gerar tragédias irreparáveis, que
poderiam ser evitadas se determinados imbecis fossem contidos em sua
irresponsável imbecilidade. Exagero meu? Claro que não. Quem não se lembra, por
exemplo, do linchamento, que resultou na sua morte, da dona de casa Fabiane
Maria de Jesus, de 33 anos, ocorrido no Guarujá, Litoral Paulista, em maio do
ano passado? A mulher foi atacada por
uma multidão enfurecida depois da publicação de um retrato falado (que nem
mesmo se aproximava da sua fisionomia) em uma página no Facebook de uma pessoa
que realizava rituais de magia negra com crianças sequestradas. Tratava-se de
caso antigo, ocorrido em outra cidade que nada tinha a ver com o Guarujá e
muitíssimo menos com Fabiane. Mas, quando isso foi revelado... já era tarde
demais; A tragédia estava consumada. E o caso está longe, muito distante, de
ter sido o único, embora seja o mais trágico.
Umberto Eco destacou
que “a TV já havia colocado o idiota da aldeia em um patamar no qual ele se
sentia superior. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a
portador da verdade". Gosto (da parte boa) das redes sociais, onde firmei
grandes amizades, retomei contato com pessoas com as quais há tempos não me
comunicava e aprendi (e aprendo todos os dias) muitas coisas belas, saudáveis e
úteis. Mas nunca me vali desse meio para me informar sobre o que ocorre no dia
a dia, mesmo que as informações sejam dadas por jornalistas que conheço e nos
quais confio. Afinal, não tenho como saber se eles são (ou não) “fakes”, que se
façam passar por quem não são.
Já no romance “Número
Zero”, Umberto Eco trata de problema tão grave (ou até muito mais) do que o mau
uso das redes sociais, que é o mau jornalismo: sensacionalista, parcial, que
distorce fatos, venal e mentiroso, infelizmente cada vez mais comum mundo
afora. É algo de tamanha gravidade, que o ilustre intelectual optou por
tratá-lo ficcionalmente, como mera “hipótese”. Mas... este é um assunto que
deixarei para outra vez.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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