Soviéticos
querem 10 vezes o Plano Marshall
Pedro J. Bondaczuk
O pedido do presidente Mikhail Gorbachev, feito na
quarta-feira, em Moscou, durante entrevista com o primeiro-ministro italiano,
Giulio Andreotti, de US$ 100 bilhões para poder levar a cabo a Perestroika,
assustou o Ocidente – em especial os Estados Unidos – que ainda está se
recuperando de um período recessivo, posto que brando, iniciado no ano passado.
George Bush respondeu ao apelo de forma evasiva,
embora sem descartar seu atendimento. Helmut Kohl, o chanceler da unificação
alemã, admitiu a necessidade dessa ajuda, talvez não na quantidade pedida. Os
outros integrantes do chamado Grupo dos Sete, integrado por países considerados
os mais ricos do mundo industrializado, sequer se manifestaram.
Gorbachev colocou a questão como um desafio. Ou o
Ocidente estabelece um novo Plano Marshall, desta vez totalmente voltado para a
União Soviética, ou perde o bonde da história. Ou seja, deixa de ver desmontado
o sistema comunista que pôs o mundo à beira da destruição durante meio século.
Duas coisas estão assustando os líderes ocidentais
nesse pedido do presidente soviético. A primeira, evidentemente, é a própria
importância solicitada. Afinal, US$ 100 bilhões equivalem, praticamente, à
maior dívida externa mundial, a do Brasil.
O Plano Marshall destinou quase um décimo dessa
cifra, US$ 12 bilhões, e assim mesmo para toda a Europa Ocidental, para que a
região pudesse se recuperar dos estragos causados pela Segunda Guerra. O
segundo aspecto que está inquietando o Ocidente é a própria fluidez política na
URSS.
Quem garante, por exemplo, que após a concessão de
um financiamento dessa ordem, Gorbachev continuará gerindo os destinos da
superpotência do Leste? Que garantias os financiadores têm de que o líder do
Cremlin não irá retroceder em seu propósito de implantar um sistema de mercado
livre no país? Quem pode assegurar que o presidente não vá se aliar de vez com
a linha-dura e implantar uma nova ditadura na URSS, conforme advertências de
gente séria, como o ex-ministro das Relações Exteriores, Edward Shevardnadze?
Segurança ninguém tem. Será uma decisão arriscada, a
ser tomada no escuro, como, aliás, são todas as realmente importantes. É pouco
provável que Gorbachev venha a abrir mão do seu projeto reformista, se
devidamente apoiado. Ademais, tão logo os soviéticos sintam os primeiros
resultados positivos das reformas, certamente irão querer ver pelas costas os
conservadores comunistas que levaram o país à beira do abismo.
A impressão que se tem é a de que o Ocidente acabará
por apostar na Perestroika. Talvez não conceda a importância pedida pelo
presidente soviético. Afinal, estava em seus planos investir US$ 10 bilhões em
todo o Leste europeu e assim mesmo ao longo de dez anos.
Claro que Moscou precisará dar determinadas
garantias, não se sabe como. Gorbachev terá, sobretudo, de mostrar que detém,
de fato, o poder no país, o que, na verdade, não parece. Os decretos que ele
tem baixado vêm sendo solenemente ignorados. Ou esbarram na diabólica
“Nomenklatura” do Partido Comunista, muito distante de ser desmontada, ou
simplesmente são desrespeitados, impunemente, sem que o Cremlin tenha sequer
forças para fazer valer tais decisões.
(Artigo publicado na página 24, Internacional, do
Correio Popular, em 26 de maio de 1991)
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