Quem faz rir e faz
chorar
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor Saul Bellow
teve não somente vida longa, mas foi muito bem sucedido na atividade que
abraçou. Poucos o foram, são ou serão. Se estivesse vivo, teria completado cem
anos de idade em 10 de junho deste 2015. Morreu dez anos antes. Para ser mais
exato, faleceu em 5 de abril de 2005, dois meses e cinco dias antes de celebrar
90 anos. Sua bibliografia nem é tão extensa, comparada com a de tantos outros
escritores. Todavia, o que publicou é de altíssima qualidade literária. Não por
acaso, Bellow integra o seletíssimo rol dos ganhadores do Prêmio Nobel de
Literatura: o de 1976. Escrevi vários comentários sobre esse escritor.
Portanto, por melhor pesquisador que eu seja (e considero-me, no mínimo, bom),
dificilmente conseguirei trazer à baila algo novo a seu respeito. E isso
importa? Ademais, a leitura tende a ser rotativa. Por isso, a reiteração se
justifica.
Redatores um tanto
distraídos, ou que não se apegam a detalhes, caracterizam Saul Bellow como escritor
norte-americano. Estão e, simultaneamente, não estão certos. Como assim?!! Bem,
adianto que ele não nasceu nos Estados Unidos. Para ser exato, é canadense,
natural de Lachine. Todavia, integra o longo rol dos norte-americanos
ganhadores de Nobel. Isso porque fixou residência nos Estados Unidos, cuja
nacionalidade assumiu. Tornou-se, portanto, para todos os efeitos, cidadão
norte-americano de fato e de direito. Há quem o caracterize, todavia, como
escritor judeu, dada sua origem étnica. Querem saber de uma coisa? Para mim,
homens notáveis, como Saul Bellow e tantos outros, deveriam ser caracterizados,
simplesmente, como “cidadãos do mundo”, o que sempre foram, sem nenhuma
nacionalidade específica.
É certo que vários dos
seus personagens, da relativamente vasta legião que criou, são judeus típicos,
com seus costumes, tradições e problemas característicos. Entre estes, sem
dúvida, destaca-se, o preconceito, que sempre acompanhou (e ainda acompanha)
esse povo, onde quer que viva. Mas... não se pode esquecer, também, que Bellow
foi considerado por muitos (e ainda é) como o “grande cronista de Chicago”,
cidade em que se fixou e que compreendeu (e descreveu) como poucos. E os judeus
foram discriminados nos Estados Unidos, onde mais prosperaram e se destacaram?
Foram! Não, óbvio, como na Europa. Não como na Rússia, onde foram vítimas de
inúmeros “pogrooms”. E muito menos como na Alemanha nazista, onde o paranóico
Adolf Hitler empenhou-se para eliminar essa etnia da face da Terra. Embora
sutilmente, porém, foram discriminados, sim, nos Estados Unidos, pelo menos até
1945, quando os horrores do Holocausto vieram à tona. Depois disso... a
discriminação foi velada, mas não desapareceu. Afinal, não ficava bem, nem para
o mais empedernido racista, revelar seu preconceito racial ostensivamente, após
a opinião pública haver tomado ciência do extermínio ocorrido nos perversos e
absurdos campos de concentração alemães.
Saul Bellow
consagrou-se como escritor não somente pelos enredos que criou. É tido e havido
(com justiça) como mestre de ficção em língua inglesa, num país que produziu
romancistas do porte de Scott Fitgerald, William Faulkner, Ernest Hemmingway,
John dos Passos, John Steinbeck e tantos e tantos e tantos “monstros sagrados”
da Literatura mundial. Seu estilo peculiar, que mistura altíssima e erudita
cultura com a esperteza das ruas de Chicago, influenciou uma legião de
escritores, entre os quais Philip Roth (eterno postulante ao Nobel de
Literatura), Ian McEwan e Martim Amis, para citar, apenas, três dos mais expressivos.
Foi, pois, um gênio, e reconhecido como tal.
Diz a lógica que nada é
mais apropriado, para marcar o centenário de um escritor, do que lançar, ou
relançar algum de seus livros, de preferência o que melhor o caracterize. Pois
é o que a Companhia das Letras faz, lançando, no Brasil, “A conexão Bellarosa”.
O volume reúne quatro novelas de Saul Bellow: a que dá título ao livro e mais
“Um furto”, “Uma afinidade verdadeira” e “Ravelstein”. São todas produções da
(digamos) fase final da vida do autor. A esse propósito, Martim Amis afirmou:
“Há muita coisa acontecendo nessas ficções curtas, enredos emaranhados (por
vidas emaranhadas) e intensa arte formal”. E há de fato. Recomendo-lhe,
paciente leitor, que confira por si só.
Entre as tantas
observações inteligentes e originais de Saul Bellow, pincei esta, que me
fascina pela verdade e pela elegância, em um de seus livros (não anotei de
qual): “Eu quero dizer-te: não te cases com o sofrimento. Algumas pessoas
fazem-no. Casam-se com ele, dormem e comem juntos, como marido e mulher. Se se
deixam levar pela alegria acham que é adultério”. Evidentemente, não é.
Case-se, sim, mas com o positivo, com a felicidade e com a alegria. Sinta-se e
seja feliz! Do livro “A conexão Bellarosa”, extraio esta constatação contida em
determinado trecho da novela “Ravelstein”: “(…) Dos escritores, esperamos que
nos façam rir ou chorar”. E Saul Bellow faz ambas as coisas com maestria e mega
sensibilidade.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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