Excesso de equívocos
Pedro J.
Bondaczuk
A política do presidente Ronald Reagan para a América
Central, que já começou de forma errada, parece que continuará mergulhada em
trágicos equívocos até o final do seu mandato. De pouco adiantaram os conselhos
que lhe foram dados por gente séria e compenetrada, sobre a impossibilidade de
se derrubar o regime sandinista da Nicarágua através das armas, a menos que os
Estados Unidos se dispusessem a ter um novo Vietnã nas cercanias da sua
fronteira.
Da mesma forma, de nada valeu a
recomendação para que se buscasse um acordo com a guerrilha salvadorenha, para
acabar com a guerra civil em El Salvador, cujo saldo, até aqui, é dos mais
catastróficos. Além de ter deixado a economia nacional, que nunca andou bem das
pernas, em frangalhos, deixou, ainda, atrás de si, um rastro de cerca de 70 mil
mortos. E de mais de 500 mil refugiados, a maioria ilegalmente nos Estados
Unidos.
A maior parte dessas vítimas,
para complicar, é constituída de pessoas que estavam em pleno vigor. Foram
jovens, na faia dos 19 aos 45 anos, os que mais morreram. Ou seja, um enfoque
caolho, olhado do Exterior, fez com que o povo desse país se desfizesse da uma
parte ponderável de toda uma geração. Perdeu, portanto, (e continua perdendo,
quase que diariamente), a sua força, a sua esperança, aquelas pessoas que
poderiam pelo menos tentar tirar essa República pobre e violenta de sua secular
miséria.
Nada disso, entretanto, irá
acontecer. O mais provável é que esse conflito estúpido e sem propósito
prossiga ainda por décadas, não produzindo nenhum vencedor. El Salvador é que
será vencido pela intransigência de alguns, pela cobiça desmedida e falta de
patriotismo de uma meia dúzia que sempre deteve a quase totalidade da parca
riqueza nacional e pela ingenuidade da grande maioria da população, que aceitou
ser usada em seu próprio detrimento.
O mesmo pode acontecer na
Nicarágua, a menos que algo de muito dramático aconteça e reverta o quadro
atual. Reagan apostou tudo no grupo de mercenários, que não têm coesão e não se
entendem sequer nas questões mínimas, para impedir que um regime, apoiado pela
União Soviética, finque raízes na América Central.
Arriscou seu próprio prestígio
político, em operações esdrúxulas, envolvendo pises aliados, para armar,
treinar e financiar um bando simplesmente detestado pelos nicaragüenses. Uma
pesquisa nesse sentido, feita por uma entidade internacional independente,
divulgada durante esta semana, mostra isso. Os chamados “contras” não têm
qualquer respaldo popular. Lembram o somozismo, de triste memória para o povo
da Nicarágua.
A estratégia de Reagan só
conseguiu transformar os sandinistas em mártires perante a comunidade
internacional, imagem que provavelmente não condiz com a realidade, mas que é
aceita por todos, inclusive por uma ponderável parcela da opinião pública
norte-americana.
O que causa espanto é que um país
que praticamente lançou as bases da propaganda no mundo, não saiba usar esse recurso a seu favor.
Tentar derrubar Ortega e seus seguidores pelas armas é fazer publicidade do
inimigo. É ressaltar seu heroísmo, sua resistência e sua austeridade.
Por que não tentar mudar isso
numa mesa de negociações? Por que não demonstrar à opinião pública que esse
regime é uma ditadura, como tantas outras existentes por aí? Ceda-se aos
sandinistas naquilo que eles pedem. Mas que se peça, em troca, a reabertura dos
jornais opositores fechados, o livre exercício da oposição política (mas não
com esses caricatos “contras”, que Reagan, ridiculamente, chama de “combatentes
da liberdade” que eles mesmos suprimiram durante a ditadura de Somoza) até que
o processo desemboque em novas eleições presidenciais.
Se os comandados de Ortega aceitarem, tudo bem. Que se
deixe o povo nicaragüense escolher seu presidente, com rigorosa fiscalização
internacional do pleito. Se não, certamente esse regime cairá sozinho,
desacreditado e isolado por todos, sem que se continue sacrificando vidas
inocentes para isso.
Esse é o plano do presidente da
Costa Rica, Oscar Arias. É isso o que o Grupo de Contadora vem tentando fazer
Reagan entender há cinco anos. Mas só ele e um núcleo de extrema-direita não
conseguem enxergar coisas que são tão óbvias.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 16
de maio de 1987).
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