Friday, December 18, 2015

Excesso de equívocos


Pedro J. Bondaczuk


A política do presidente Ronald Reagan para a América Central, que já começou de forma errada, parece que continuará mergulhada em trágicos equívocos até o final do seu mandato. De pouco adiantaram os conselhos que lhe foram dados por gente séria e compenetrada, sobre a impossibilidade de se derrubar o regime sandinista da Nicarágua através das armas, a menos que os Estados Unidos se dispusessem a ter um novo Vietnã nas cercanias da sua fronteira.

Da mesma forma, de nada valeu a recomendação para que se buscasse um acordo com a guerrilha salvadorenha, para acabar com a guerra civil em El Salvador, cujo saldo, até aqui, é dos mais catastróficos. Além de ter deixado a economia nacional, que nunca andou bem das pernas, em frangalhos, deixou, ainda, atrás de si, um rastro de cerca de 70 mil mortos. E de mais de 500 mil refugiados, a maioria ilegalmente nos Estados Unidos.

A maior parte dessas vítimas, para complicar, é constituída de pessoas que estavam em pleno vigor. Foram jovens, na faia dos 19 aos 45 anos, os que mais morreram. Ou seja, um enfoque caolho, olhado do Exterior, fez com que o povo desse país se desfizesse da uma parte ponderável de toda uma geração. Perdeu, portanto, (e continua perdendo, quase que diariamente), a sua força, a sua esperança, aquelas pessoas que poderiam pelo menos tentar tirar essa República pobre e violenta de sua secular miséria.

Nada disso, entretanto, irá acontecer. O mais provável é que esse conflito estúpido e sem propósito prossiga ainda por décadas, não produzindo nenhum vencedor. El Salvador é que será vencido pela intransigência de alguns, pela cobiça desmedida e falta de patriotismo de uma meia dúzia que sempre deteve a quase totalidade da parca riqueza nacional e pela ingenuidade da grande maioria da população, que aceitou ser usada em seu próprio detrimento.

O mesmo pode acontecer na Nicarágua, a menos que algo de muito dramático aconteça e reverta o quadro atual. Reagan apostou tudo no grupo de mercenários, que não têm coesão e não se entendem sequer nas questões mínimas, para impedir que um regime, apoiado pela União Soviética, finque raízes na América Central.

Arriscou seu próprio prestígio político, em operações esdrúxulas, envolvendo pises aliados, para armar, treinar e financiar um bando simplesmente detestado pelos nicaragüenses. Uma pesquisa nesse sentido, feita por uma entidade internacional independente, divulgada durante esta semana, mostra isso. Os chamados “contras” não têm qualquer respaldo popular. Lembram o somozismo, de triste memória para o povo da Nicarágua.

A estratégia de Reagan só conseguiu transformar os sandinistas em mártires perante a comunidade internacional, imagem que provavelmente não condiz com a realidade, mas que é aceita por todos, inclusive por uma ponderável parcela da opinião pública norte-americana.

O que causa espanto é que um país que praticamente lançou as bases da propaganda no mundo,  não saiba usar esse recurso a seu favor. Tentar derrubar Ortega e seus seguidores pelas armas é fazer publicidade do inimigo. É ressaltar seu heroísmo, sua resistência e sua austeridade.

Por que não tentar mudar isso numa mesa de negociações? Por que não demonstrar à opinião pública que esse regime é uma ditadura, como tantas outras existentes por aí? Ceda-se aos sandinistas naquilo que eles pedem. Mas que se peça, em troca, a reabertura dos jornais opositores fechados, o livre exercício da oposição política (mas não com esses caricatos “contras”, que Reagan, ridiculamente, chama de “combatentes da liberdade” que eles mesmos suprimiram durante a ditadura de Somoza) até que o processo desemboque em novas eleições presidenciais.

Se os comandados de Ortega aceitarem, tudo bem. Que se deixe o povo nicaragüense escolher seu presidente, com rigorosa fiscalização internacional do pleito. Se não, certamente esse regime cairá sozinho, desacreditado e isolado por todos, sem que se continue sacrificando vidas inocentes para isso.

Esse é o plano do presidente da Costa Rica, Oscar Arias. É isso o que o Grupo de Contadora vem tentando fazer Reagan entender há cinco anos. Mas só ele e um núcleo de extrema-direita não conseguem enxergar coisas que são tão óbvias.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 16 de maio de 1987).


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